quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Poema em linha reta- FERNANDO PESSOA(ÁLVARO DE CAMPOS )


AMIGOS, COMPILANDO E ACOMPANHANDO A VIDA BRASILEIRA NO MOMENTO ATUAL, SINTO QUE OS HOMENS DE BEM CORREM ESTREITO ,  OS DEMAIS, OS BACANAS, SEM EXCEÇÃO, SÃO ESPECIAIS, ARTIFICIAIS , POLIGLOTAS E INTERNACIONAIS, TODOS TÊM SIDO OS BATATAS, OS BAM BAM BANS , SÃO  INTOCÁVEIS. 
VEJAM E LEIAM O QUE DISSE O FERNANDO PESSOA  PELOS IDOS  DE 1930 , VEJAM O QUE DISSE SOBRE A SOCIEDADE PORTUGUESA E MUNDIAL DA ÉPOCA. 
ATENTEM. 
Iderval  Reginaldo Tenório

Poema em linha reta

Fernando Pessoa(Álvaro de Campos)
[538]

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Uma visão breve sobre a vida e a obra do maior poeta da língua portuguesa:

- 1888: Nasce
 Fernando Antônio Nogueira Pessoa
, em Lisboa.

- 1893: Perde o pai.

- 1895: A mãe casa-se com o comandante João Miguel Rosa. Partem para Durban, África do Sul.

- 1904: Recebe o Prêmio Queen Memorial Victoria, pelo ensaio apresentado no exame de admissão à Universidade do Cabo da Boa Esperança.

- 1905: Regressa sozinho a Lisboa.

- 1912: Estréia na Revista Águia.

- 1915: Funda, com alguns amigos, a revista Orpheu.

- 1918/1921: Publicação dos
 English Poems
.

- 1925: Morre a mãe do poeta.

- 1934: Publica
 Mensagem
.

- 1935: Morre de complicações hepáticas em Lisboa.

Os versos acima, escritos com o heterônimo de Álvaro de Campos, foram extraídos do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 418.


Um comentário:

Almira Reuter disse...

Todas as carta de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Destas cartas de amor
É que são
Ridículas

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas)

Àlvaro de Campo
21-10-1935