Ritalina, a droga legal que ameaça o futuro
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Ritalina, a droga legal que ameaça o futuro
DIÁRIO DA MANHÃ
ROBERTO AMADO
É uma situação comum. A criança
dá trabalho, questiona muito, viaja nas suas fantasias, se desliga da
realidade. Os pais se incomodam e levam ao médico, um psiquiatra talvez.
Ele não hesita: o diagnóstico é déficit de atenção (ou Transtorno de
Deficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH) e indica ritalina para a
criança.
O medicamento é uma bomba. Da
família das anfetaminas, a ritalina, ou metilfenidato, tem o mesmo
mecanismo de qualquer estimulante, inclusive a cocaína, aumentando a
concentração de dopamina nas sinapses. A criança “sossega”: pára de
viajar, de questionar e tem o comportamento zombie like, como a própria
medicina define. Ou seja, vira zumbi — um robozinho sem emoções. É um
alívio para os pais, claro, e também para os médicos. Por esse motivo a
droga tem sido indicada indiscriminadamente nos consultórios da vida. A
ponto de o Brasil ser o segundo país que mais consome ritalina no mundo,
só perdendo para os EUA.
A situação é tão grave que
inspirou a pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular
do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da
Unicamp, a fazer uma declaração bombástica: “A gente corre o risco de
fazer um genocídio do futuro”, disse ela em entrevista ao Portal
Unicamp. “Quem está sendo medicado são as crianças questionadoras, que
não se submetem facilmente às regras, e aquelas que sonham, têm
fantasias, utopias e que ‘viajam’. Com isso, o que está se abortando?
São os questionamentos e as utopias. Só vivemos hoje num mundo diferente
de mil anos atrás porque muita gente questionou, sonhou e lutou por um
mundo diferente e pelas utopias. Estamos dificultando, senão impedindo,
a construção de futuros diferentes e mundos diferentes. E isso é
terrível”, diz ela.
O fato, no entanto, é que o uso
da ritalina reflete muito mais um problema cultural e social do que
médico. A vida contemporânea, que envolve pais e mães num turbilhão de
exigências profissionais, sociais e financeiras, não deixa espaço para a
livre manifestação das crianças. Elas viram um problema até que
cresçam. É preciso colocá-las na escola logo no primeiro ano de vida,
preencher seus horários com “atividades”, diminuir ao máximo o tempo
ocioso, e compensar de alguma forma a lacuna provocada pela ausência de
espaços sociais e públicos. Já não há mais a rua para a criança conviver
e exercer sua “criancice.
E se nada disso funcionar, a
solução é enfiar ritalina goela abaixo. “Isso não quer dizer que a
família seja culpada. É preciso orientá-la a lidar com essa criança.
Fala-se muito que, se a criança não for tratada, vai se tornar uma
dependente química ou delinquente. Nenhum dado permite dizer isso. Então
não tem comprovação de que funciona. Ao contrário: não funciona. E o
que está acontecendo é que o diagnóstico de TDAH está sendo feito em uma
porcentagem muito grande de crianças, de forma indiscriminada”, diz a
médica.
Mas os problemas não param por
aí. A ritalina foi retirada do mercado recentemente, num movimento de
especulação comum, normalmente atribuído ao interesse por aumentar o
preço da medicação. E como é uma droga química que provoca dependência,
as consequências foram dramáticas. “As famílias ficaram muito
preocupadas e entraram em pânico, com medo de que os filhos ficassem sem
esse fornecimento”, diz a médica. “Se a criança já desenvolveu
dependência química, ela pode enfrentar a crise de abstinência. Também
pode apresentar surtos de insônia, sonolência, piora na atenção e na
cognição, surtos psicóticos, alucinações e correm o risco de cometer até
o suicídio. São dados registrados no Food and Drug Administration
(FDA)”.
Enquanto isso, a ritalina
também entra no mercado dos jovens e das baladas. A medicação inibe o
apetite e, portanto, promove emagrecimento. Além disso, oferece o efeito
“estou podendo” — ou seja, dá a sensação de raciocínio rápido,
capacidade de fazer várias atividades ao mesmo tempo, muito animação e
estímulo sexual — ou, pelo menos, a impressão disso. “Não há ressaca ou
qualquer efeito no dia seguinte e nem é preciso beber para ficar
loucaça”, diz uma usuária da droga nas suas incursões noturnas às
baladas de São Paulo. “Eu tomo logo umas duas e saio causando, beijando
todo mundo, dançando o tempo todo, curtindo mesmo”, diz ela
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