sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

ZEZINHO E O CAFÉ COM PÓ. A BONDADE E A INOCÊNCIA DE DOIS SERES HUMANOS.

IDERVAL TENÓRIO

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ZEZINHO E O CAFÉ COM PÓ. A BONDADE E A INOCÊNCIA DE DOIS SERES HUMANOS.

                                          PARTE I

Zezinho,   o mais velho dos seis homens,  que escaparam das intempéries do sofrido nordeste brasileiro, na abençoada Serra do Araripe, divisa  do Ceará com Pernambuco. 

Nesta chapada de sol causticante, ventos quentes e redemoinhos varredores de capoeiras, nasceram Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré e o Padre Cícero Romão Batista, três homens do século, um em fase de beatificação, o fundador do município de  Juazeiro do Norte, no sul do Ceará, ex-vilarejo  do Crato, o Meu Padim Ciço, o Santo dos Nordestinos, já canonizado pelo povo. 

Por estas plagas  peregrinou o jurista e padre José Antônio de Maria Ibiapina(  O Padre Ibiapina), natural de Sobral Ceará, que fez muito pelo cariri cearense e pelo Estado da Paraíba. Peregrinou também, o Frei Damião de Bozano, capuchinho italiano, que desembarcou nos mares de Pernambuco  no ano de 1931, aos 32 anos de idade, estabelecendo-se  na Arquidiocese do Recife e Olinda, tornando-se icônico devido as "Missões de Frei Damião" em todo o Nordeste, ambos em fase de beatificação.                                            

                                 PARTE II

Quatro são as  mulheres irmãs do Zezinho, hoje vivas  gozando de saúde física e mental, todas  professoras, três de nível superior, cinco são os irmãos. Todos são irmãos germanos, filhos e filhas   dos mesmos pais, dois alagoanos  semianalfabetos que geraram ao todo doze rebentos, sete  masculinos  e cinco femininos. 

Dos doze, dois não sobreviveram, faleceram antes de completar hum ano de idade, vitimas de intolerância alimentar, provavelmente a não digestão da lactose, o que levou à diarreias crônicas, desnutrição, desidratação, desequilíbrio hidroeletrolítico e em seguida gastroenterite infecciosa.  Não foram a óbito por doença e sim pela a ausência da medicina, a invisibilidade de um povo, a ausência do governo  e o descaso deliberadamente imposto pelos gestores públicos. 

É de bom alvitre informar que nos cafundós do nordeste em 1940, de cada mil  nativivos, 180 não chegavam aos cinco  ano de vida, 160 iam a óbito antes de completar hum ano de idade, daí o aforismo: 

"No nordeste só escapam os verdadeiramente fortes." 

Na primeira infância não existiam assistências à saúde, quem guiava era a natureza. O ser humano só vingava ao completar os cinco anos de idade e  era considerado  à prova de tudo. 

Depois desta idade comia-se de tudo que encontrasse: Caças, caprinos, suínos,  bovinos  pé duro, ovinos, aves, batatas, macaxeiras, folhas de umbu, berduega, tronco de mandacaru, cereais e leguminosas intercaladas com gêneros alimentícios convencionais da região,  era apelidado de "Esmeril da França"

Foi neste ecossistema e bioma sombrio que todos nasceram e vingaram, mesmo com um consumo médio diário   de 15 litros de água por habitantes. A Água era usada para se beber, cozinhar e lavar os pés ao deitar. Era armazenada em barreiros que enchiam durante os períodos  chuvosos e compartilhada por todos as espécies de animais in loco. 

Com as  propriedades pertinentes ao meio ambiente   sorveram o que existia de mais simples, duro e agreste. Condutas que  forjam  cidadãos com características de resistência, engrandecimento, gratidão, autonomia, seriedade e conhecedor das dificuldades da vida. Vencer para o nordestino serrano é chegar à fase adulta para  constituir família, entregando todas as mazelas da vida nas crenças religiosas, sob a tutela de Deus e outras santidades, muito comum nos povos  que se sentem abandonados. A fé é a única esperaça e  é   transmitida de pais para filhos de geração em geração, encontra-se nesta propriedade a religiosidade do povo nordestino. 

A escola da natureza, não lhe dar escolaridade do imaginário do homem, porém, lhe fornece propriedades que só quem viveu entenderá, são as vivências  pétreas,  profundamente pétreas.

Falavam o patriarca e a matriarca, que no futuro, a força motora iria ser substituída nos trabalhos braçais. Enfatizavam que  nem os animais irracionais usariam os músculos para o trabalho, as máquinas iriam fazer tudo. Afirmavam que a  agricultura de subsistência não iria prosperar, por isto iriam  providenciar escolas  para os filhos na cidade. 

Viver da agricultura e na dependência das crendices religiosas, no futuro, será um martírio e um atraso. Reforçavam que a enxada seria substituída pelas canetas e os lápis, o solo pelos  livros e cadernos, a tinta seria armazenada no cérebro e que jamais chegaria ao fim, pois  este tinteiro seria alimentado diuturnamente pelas demandas da vida, e assim foi feito.  

 

                                     PARTE III

Zezinho, o café, a bodande  e a inocência de dois seres humanos. 

Nas férias escolares, o Zezinho e os irmãos  sempre viajavam para a Serra do Araripe, lá viviam como verdadeiros indígenas, viviam a praxis dos autóctones. Além do trabalho braçal na lida com a roça, o Zezinho, por ser um exímio caçador e bom na pontaria, nos fins de tardes arquitetava algumas caçadas de nambus, codorniz, rolinhas, arribaçãs,  juritis e preás. 

Numa de suas férias, na ausência de sua mãe, que foi hospitalizada para operar a vesícula, naquela época eram 15 dias de internamento, Zezinho e mais cinco amigos foram para a Serra,  ficaram hospedados  na casa de uma cuidadosa tia, irmã de sua mãe. 

No interior nordestino, a única diferença de   mãe para tia, é  que  a mãe é a  que pariu, as demais propriedades são iguais. 

Naquela época chegava-se na casa da tia como se fosse na sua casa, não havia aviso prévio, o lema era: "Onde come um, come dois, três e quantos chegarem" e assim se aboletaram os seis jovens, todos  com os seus 16 anos de idade. 

Na bagagem a escova de dentes, uma espigarda de cartucho calibre 36, recarregáveis, uma pequena rede, um lençol,  duas mudas de camisas e cuecas.  Aqueles mais apaniguados levavam um pacote de biscoito, uma rapadura, duas latas de sardinhas ou de Kitut enlatado  e outras guluseimas. A marca registrada destes jovens  era a educação, a honestidade e o respeito aos mais velhos, independente da classe social.

Na primeira manhã,  de uma noite bem dormida cada um na sua rede no alpendre da casa, tendo como teto o céu azul, cheio de estrelas e uma bela lua, no qual eram localizadas cada uma com os respectivos nomes.  A tia, semianalfabeta, sentada num pequeno banco de madeira, contava histórias dos antepassados, das constelações e das estrelas importantes. Falava das Três Marias, do Cruzeiro do Sul e da Estrela Dalva, os meninos ficavam encantados com tanta sabedoria.

Veio a hora do café da manhã, mesa simples, de madeira rústica, forrada com uma grossa tolha branca, seis xícaras, um bule e um prato com tapioca. 

A tia bota o café e ao mesmo tempo pede desculpas ao amado sobrinho: 

" Zezinho meu filho, aqui nós não usamos coador de café, depois de pronto a lata fica na trempe do fogão pendurada por um arame que desce do telhado, o pó vai para o fundo e aos poucos vamos colocando nas xícaras, as primeiras vem com pouco pó, as demais o café vem mais grosso, com mais pó".   

Zezinho, educadamente,  retruca para a querida Tia: 

"Titia  não se preocupe, eu adoro café com pó, aliás, com o  pó ele fica mais gostoso, fica um café forte, atiça a inteligência e tira o sono" .

A Tia do Zezinho nada explicou aos outros jovens, porém, sabendo que eram da cidade e de famílias importantes, foi até a casa de outra tia do Zezinho, contou a sua situação e conseguiu emprestado um coador de café, feito de franela e montado em  duas finas astes de madeira. 

No dia seguinte o mesmo ritual: Mesa posta, as xícaras, o bule e o prato com as tapiocas, de diferente uma garrafa com manteiga da terra e ovos estrelados. 

A Tia colocou o café para os cinco amigos do seu sobrinho. Um café cheiroso, fumaçante e sem pó. Foi cuidadosamente até o fogão, pegou o vasilhame que fez o café, que estava na trempe do fogão pendurado no arame, chacoalhou e falou para o sobrinho:  

" Oh, Zezinho, como você gosta muito de  café com pó, coei o café dos meninos, peguei  o pó e joguei todo na sua xícara".  

O Zezinho, satisfeito com a atitude de sua  tia,  agradeceu e  nos últimos  seis dias não conheceu uma só  xícara de café coado, nas saídas para caçar, os colegas caçuavam do mesmo: 

 "Viu aí macho véi? diga  que gosta de café com  pó!"

Veja como funciona a bondade de um ser humano e a  inoscência de outro.  Ainda hoje o Zezinho conta esta história e sempre que vai tomar um café lembra da sua querida tia. Foi assim que foi marcada a semana do Zezinho nas suas férias  escolares  na casa  de sua Tia.

A mãe do Zezinho, quando soube desta história, pra não desmerecer a sua irmã e tia do menino falou: 

" É Cumade, este menino é diferente dos demais, tem cada gosto que só  Deus sabe explicar e é desde pequeno".  

             E haja gente boa na família do Zezinho.

                    Salvador, 18 de março de 2022

                         Iderval Reginaldo Tenório 

Acordo Às Quatro

Composição de Marcodes Costa e Luiz Gonzaga 

2:19
Provided to YouTube by RCA Records Label Acordo Às Quatro · Luiz Gonzaga Luiz Gonzaga "Eu E Meu Pai" ℗ 1979 SONY MUSIC ENTERTAINMENT BRASIL ...
YouTube · Luiz Gonzaga - Topic · 10 de abr. de 2017

 

 

                              


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