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ZEZINHO E O CAFÉ COM PÓ. A BONDADE E A INOCÊNCIA DE DOIS SERES HUMANOS.
PARTE I
Zezinho, o mais velho dos seis homens, que escaparam das intempéries do sofrido nordeste brasileiro, na abençoada Serra do Araripe, divisa do Ceará com Pernambuco.
Nesta chapada de sol causticante, ventos quentes e redemoinhos varredores de capoeiras, nasceram Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré e o Padre Cícero Romão Batista, três homens do século, um em fase de beatificação, o fundador do município de Juazeiro do Norte, no sul do Ceará, ex-vilarejo do Crato, o Meu Padim Ciço, o Santo dos Nordestinos, já canonizado pelo povo.
Por estas plagas peregrinou o jurista e padre José Antônio de Maria Ibiapina( O Padre Ibiapina), natural de Sobral Ceará, que fez muito pelo cariri cearense e pelo Estado da Paraíba. Peregrinou também, o Frei Damião de Bozano, capuchinho italiano, que desembarcou nos mares de Pernambuco no ano de 1931, aos 32 anos de idade, estabelecendo-se na Arquidiocese do Recife e Olinda, tornando-se icônico devido as "Missões de Frei Damião" em todo o Nordeste, ambos em fase de beatificação.
PARTE II
Quatro são as mulheres irmãs do Zezinho, hoje vivas gozando de saúde física e mental, todas professoras, três de nível superior, cinco são os irmãos. Todos são irmãos germanos, filhos e filhas dos mesmos pais, dois alagoanos semianalfabetos que geraram ao todo doze rebentos, sete masculinos e cinco femininos.
Dos doze, dois não sobreviveram, faleceram antes de completar hum ano de idade, vitimas de intolerância alimentar, provavelmente a não digestão da lactose, o que levou à diarreias crônicas, desnutrição, desidratação, desequilíbrio hidroeletrolítico e em seguida gastroenterite infecciosa. Não foram a óbito por doença e sim pela a ausência da medicina, a invisibilidade de um povo, a ausência do governo e o descaso deliberadamente imposto pelos gestores públicos.
É de bom alvitre informar que nos cafundós do nordeste em 1940, de cada mil nativivos, 180 não chegavam aos cinco ano de vida, 160 iam a óbito antes de completar hum ano de idade, daí o aforismo:
"No nordeste só escapam os verdadeiramente fortes."
Na primeira infância não existiam assistências à saúde, quem guiava era a natureza. O ser humano só vingava ao completar os cinco anos de idade e era considerado à prova de tudo.
Depois desta idade comia-se de tudo que encontrasse: Caças, caprinos, suínos, bovinos pé duro, ovinos, aves, batatas, macaxeiras, folhas de umbu, berduega, tronco de mandacaru, cereais e leguminosas intercaladas com gêneros alimentícios convencionais da região, era apelidado de "Esmeril da França".
Foi neste ecossistema e bioma sombrio que todos nasceram e vingaram, mesmo com um consumo médio diário de 15 litros de água por habitantes. A Água era usada para se beber, cozinhar e lavar os pés ao deitar. Era armazenada em barreiros que enchiam durante os períodos chuvosos e compartilhada por todos as espécies de animais in loco.
Com as propriedades pertinentes ao meio ambiente sorveram o que existia de mais simples, duro e agreste. Condutas que forjam cidadãos com características de resistência, engrandecimento, gratidão, autonomia, seriedade e conhecedor das dificuldades da vida. Vencer para o nordestino serrano é chegar à fase adulta para constituir família, entregando todas as mazelas da vida nas crenças religiosas, sob a tutela de Deus e outras santidades, muito comum nos povos que se sentem abandonados. A fé é a única esperaça e é transmitida de pais para filhos de geração em geração, encontra-se nesta propriedade a religiosidade do povo nordestino.
A escola da natureza, não lhe dar escolaridade do imaginário do homem, porém, lhe fornece propriedades que só quem viveu entenderá, são as vivências pétreas, profundamente pétreas.
Falavam o patriarca e a matriarca, que no futuro, a força motora iria ser substituída nos trabalhos braçais. Enfatizavam que nem os animais irracionais usariam os músculos para o trabalho, as máquinas iriam fazer tudo. Afirmavam que a agricultura de subsistência não iria prosperar, por isto iriam providenciar escolas para os filhos na cidade.
Viver da agricultura e na dependência das crendices religiosas, no futuro, será um martírio e um atraso. Reforçavam que a enxada seria substituída pelas canetas e os lápis, o solo pelos livros e cadernos, a tinta seria armazenada no cérebro e que jamais chegaria ao fim, pois este tinteiro seria alimentado diuturnamente pelas demandas da vida, e assim foi feito.
PARTE III
Zezinho, o café, a bodande e a inocência de dois seres humanos.
Nas férias escolares, o Zezinho e os irmãos sempre viajavam para a Serra do Araripe, lá viviam como verdadeiros indígenas, viviam a praxis dos autóctones. Além do trabalho braçal na lida com a roça, o Zezinho, por ser um exímio caçador e bom na pontaria, nos fins de tardes arquitetava algumas caçadas de nambus, codorniz, rolinhas, arribaçãs, juritis e preás.
Numa de suas férias, na ausência de sua mãe, que foi hospitalizada para operar a vesícula, naquela época eram 15 dias de internamento, Zezinho e mais cinco amigos foram para a Serra, ficaram hospedados na casa de uma cuidadosa tia, irmã de sua mãe.
No interior nordestino, a única diferença de mãe para tia, é que a mãe é a que pariu, as demais propriedades são iguais.
Naquela época chegava-se na casa da tia como se fosse na sua casa, não havia aviso prévio, o lema era: "Onde come um, come dois, três e quantos chegarem" e assim se aboletaram os seis jovens, todos com os seus 16 anos de idade.
Na bagagem a escova de dentes, uma espigarda de cartucho calibre 36, recarregáveis, uma pequena rede, um lençol, duas mudas de camisas e cuecas. Aqueles mais apaniguados levavam um pacote de biscoito, uma rapadura, duas latas de sardinhas ou de Kitut enlatado e outras guluseimas. A marca registrada destes jovens era a educação, a honestidade e o respeito aos mais velhos, independente da classe social.
Na primeira manhã, de uma noite bem dormida cada um na sua rede no alpendre da casa, tendo como teto o céu azul, cheio de estrelas e uma bela lua, no qual eram localizadas cada uma com os respectivos nomes. A tia, semianalfabeta, sentada num pequeno banco de madeira, contava histórias dos antepassados, das constelações e das estrelas importantes. Falava das Três Marias, do Cruzeiro do Sul e da Estrela Dalva, os meninos ficavam encantados com tanta sabedoria.
Veio a hora do café da manhã, mesa simples, de madeira rústica, forrada com uma grossa tolha branca, seis xícaras, um bule e um prato com tapioca.
A tia bota o café e ao mesmo tempo pede desculpas ao amado sobrinho:
" Zezinho meu filho, aqui nós não usamos coador de café, depois de pronto a lata fica na trempe do fogão pendurada por um arame que desce do telhado, o pó vai para o fundo e aos poucos vamos colocando nas xícaras, as primeiras vem com pouco pó, as demais o café vem mais grosso, com mais pó".
Zezinho, educadamente, retruca para a querida Tia:
"Titia não se preocupe, eu adoro café com pó, aliás, com o pó ele fica mais gostoso, fica um café forte, atiça a inteligência e tira o sono" .
A Tia do Zezinho nada explicou aos outros jovens, porém, sabendo que eram da cidade e de famílias importantes, foi até a casa de outra tia do Zezinho, contou a sua situação e conseguiu emprestado um coador de café, feito de franela e montado em duas finas astes de madeira.
No dia seguinte o mesmo ritual: Mesa posta, as xícaras, o bule e o prato com as tapiocas, de diferente uma garrafa com manteiga da terra e ovos estrelados.
A Tia colocou o café para os cinco amigos do seu sobrinho. Um café cheiroso, fumaçante e sem pó. Foi cuidadosamente até o fogão, pegou o vasilhame que fez o café, que estava na trempe do fogão pendurado no arame, chacoalhou e falou para o sobrinho:
" Oh, Zezinho, como você gosta muito de café com pó, coei o café dos meninos, peguei o pó e joguei todo na sua xícara".
O Zezinho, satisfeito com a atitude de sua tia, agradeceu e nos últimos seis dias não conheceu uma só xícara de café coado, nas saídas para caçar, os colegas caçuavam do mesmo:
"Viu aí macho véi? diga que gosta de café com pó!".
Veja como funciona a bondade de um ser humano e a inoscência de outro. Ainda hoje o Zezinho conta esta história e sempre que vai tomar um café lembra da sua querida tia. Foi assim que foi marcada a semana do Zezinho nas suas férias escolares na casa de sua Tia.
A mãe do Zezinho, quando soube desta história, pra não desmerecer a sua irmã e tia do menino falou:
" É Cumade, este menino é diferente dos demais, tem cada gosto que só Deus sabe explicar e é desde pequeno".
E haja gente boa na família do Zezinho.
Salvador, 18 de março de 2022
Iderval Reginaldo Tenório
Acordo Às Quatro
Composição de Marcodes Costa e Luiz Gonzaga
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