sexta-feira, 1 de julho de 2016

FÉRIAS NA SERRA DO ARARIPE- IDERVAL TENÓRIO

                                                   FÉRIAS NA SERRA DO ARARIPE         



FÉRIAS NA SERRA DO ARARIPE


Era 5 horas  da tarde, lusco-fusco,  o sol procurava o horizonte para se recolher enquanto a lua se preparava para viver a noite,  o jipe azul ano 1964 parou defronte da grande casa de parapeito alto, as crianças desceram  correndo, a prima Helena já se encontrava na porta à espera de “meu padrinho e minha madrinha”, como sempre os chamava, os cachorros abanando os rabos faziam a festa e mais de 10 moradores , uns com os cabos das suas facas-peixeiras  à mostra , outros alisando as sua  lazarina  observavam o desembarque, era a chegada da família citadina em gozo de férias escolares .


No veículo,  dois adultos e uma criança nos bancos da frente , 05 crianças atrás com idades variando de 08 a 16 aos, quase todas filhos, aqui e acolá um vizinho quase irmão, quase filho de consideração, eram assim os vizinhos nos pretéritos tempos.

Carga completa, viagem longa , mais de 100 quilômetros de estrada de barro , muitos buracos e muita poeira, duas paradas,  a primeira, no posto do Exu,  para abastecer o carro de gasolina na  única bomba a manivela   e encher as barrigas das crianças e dos adultos  com pão, café, doce de leite e queijo de manteiga , a outra, uma parada de cortesia, estrategicamente programada e esperada por todos, logo  na entrada da estrada vicinal de um pequeno vilarejo habitado praticamente por membros da família   , uma pausa para a valorização  dos amigos e dos parentes , que aos poucos iam  se aprochegando para desejar boas vindas , uns para pedir a benção , outros para abençoar e servir aquele belo e esperado saboroso café , grãos arábicos torrados no tacho,  regado a beiju de forno, manteiga de garrafa e o inesquecível   queijo coalho na brasa.

Trinta minutos depois,  chegava o caminhão Chevrolet 66 , neste, aboletados na boléia , com o velho  motorista  seu Chico Pié, alguns funcionários e os filhos mais velhos, na carroceria , tonéis de gasolina cada um com 200 litros , diversas malas, bolsas e sacos cheios de redes, lençóis, tolhas e roupas de frios, alguns sacos de cereais, latas de biscoitos, sacos de pães,  fardos de rapadura ,  sacos de açúcar e de sal grosso, sabão em pedra, anil, fósforos , sabonetes para as meninas,  cocos secos, dois centos de pequis comprados nos pequizeiros ,  cordas, arupembas de palha e de arame, cestas, fardos de paneiros para as prensas nas farinhadas,  enxadas tupy, sendo algumas delas meias lua,  enxadecos,  cavadores sem cabos , dois pés de bode,  grampos para arame farpados, do grande e do pequeno,  facões colinos, meia dúzia de foice,  roçadeiras bem afiadas , feitas de molas de caminhão, ciscadores,  espingardas soca-soca,  quilos de pólvoras da preta e sacos de chumbos de diversos calibres,  caixas de espoletas , algumas  para espingarda de cartucho, caixas de cartuchos da praça calibre 36 , cada uma com 100 unidades,  café em grãos, crus  e  torrados , pacotes de café pisados oriundos da cidade do Crato, latas de óleo salada, doces de goiaba e de banana, muito apreciadas pelo chefe da casa, duas ou três latas de biscoitos sortidos e cream craker pilar,  latas de querosene jacaré cada uma com 20 litros, algumas bolas de arame farpado do grosso e do fino,  fardos de fumo de rolo,  da marca Arapiraca  , caixas de papeis fino para cigarro , cada caixa com 10 pacotes de mil folhas 4 por 8 cms,  que eram vendidos aos fumantes em pacotinhos com 100 unidades, todos branquinhos separados por uma folha azul claro , muitos sacos de algodão vazios para ensacar farinha para a próxima viagem,  rolos de cordão para costura , agulhas de fardos, sem contar com caixas de cibalena, cibazol, melhoral, sonrisal, mercúrio cromo , pomada terramicina , pomada de penicilina, quilos de pimenta do reino,  cominho,  cebola roxa, erva doce ,  três tranças de alho do grande, que ficavam penduradas em pregos na parede da dispensa , 05 quilos de pedra hume para clarear a potável água barrenta, decantando as suas impurezas sólidas para o fundo do pote,  produzindo uma lama escura constituída de girinos, insetos variados, ferro, lodos e outras matérias ,  litros de creolina,  quilos de enxofre, pomadas calminex da grande para as bicheiras e os machucados dos animais, tudo isso coberto por uma grande grossa lona encerada de cor amarela, que quando chovia formava uma poça d´agua sobre a carga e não caia uma única gota nas mercadorias, salvo,  quando um dos passageiros devido o frio mergulhava por debaixo,  deixando apenas o cocorote de fora, uma verdadeira viagem.

Era festa para as crianças por três meses e trabalho para os adultos, apesar de não se levar brinquedos, estes faziam partes da natureza, faziam parte do ecossistema, faziam parte do bioma , eram eles o sol, o vento, a lua , as estrelas, as nuvens, os relâmpagos, os trovões, as chuvas, os redemoinhos, as poeiras , os sapos, os maracujás bravos, as lagartixas, os calangos, as borboletas, os imbuas, as joaninhas, os grilos soldadinhos de diversas cores para serem encangados,  os verdes gafanhotos, os besouros, os burregos, os bezerros, os potros, os cachorros , os gatos, as outras crianças que eram muitas e os adultos que vinham ou passavam no terreiro com os seus “BONDIAS” ,  tudo regados com os pássaros, as cobras,  muitas vezes cascavéis,  cavalos de paus feitos de cabos de vassouras , os umbuzeiros, as canafistas e tudo quanto pudesse alegrar uma criança, como a plantação de favas, feijão, andú, milho, a pega de guinés,  passeio de  bicicletas, de animais apenas na manta para serem utilizados  nas brincadeiras como se fossem índios.
A natureza era viva , apesar das armadilhas , dos mundés,  dos fojos , das arapucas e das baladeiras artesanais, feitas no capricho,  com os seus cabos de madeiras recobertos por ligas de borrachas pretas e  a sua atiradeira de couro,  tudo para o abate de caças menores , com balas esféricas de barros amarelo-laranja, feitas e secadas à mão nas beiradas dos barreiros, herança dos ancestrais da mama África.

 As zoonoses faziam parte deste universo , não havia distinção entres os três reinos da natureza , nem entre os racionais e irracionais, todos eram integrantes da divertida e empolgante vida, o importante era viver.
Enquanto descarregavam a carga para o armazém colado à grande casa, ficavam os barris de gasolina para o final,  os tonéis com o combustível , numa arriscada manobra  eram descarregados um por um ,  jogando-os e rolando-os da carroceria sobre grandes pneus sem câmaras de ar,  que ficavam no solo para amortecerem as quedas, o jipe era colocado na garagem com muitas manobras, pois nas laterais ficavam enfileirados os ditos vasilhames de gasolina,  para consumo próprio e para a comercialização a granel junto a todos do arrebol, num raio de 20 quilômetros.

A matriarca ia para a cozinha preparar o jantar, como primeira ajudante  a sobrinha Helena, por sinal, muito bonita apesar dos maus tratos da lida diária no campo ,  a outra,  era  dona Maria Passarim,  esposa de Véi Joaquim, velha dos seus 70anos , saias rodadas e fofas , sempre com mais de uma,  como casca de cebola uma por cima da outra , lenço enrolado na cabeça, pele grossa,  enrugada e maltratada pelo escaldante sol ,  grandes pterígios em ambos os olhos complicados pelo tracoma,  todavia muito disposta, as crianças corriam para olhar e conferir a quantidade de água armazenada  nos dois barreiros nas ultimas chuvas.  Antonio Passarim, filho de dona Maria e os primos bem menores , alguns eram filhos da prima Helena,   acompanhavam dando as coordenadas e as novidades dos quatros meses de ausência dos donos mirins da casa.

Chega a hora do jantar,  arroz ainda enfumaçando, galinha caipira cozida na hora , muito gostosa por sinal, farofa de banha de porco com nacos de toicim crocantes , lascas de queijos, pão de milho e depois café de coador com tapioca e ovo estrelado, o rádio a pilha sintonizado na Sociedade da Bahia ou na Tupy de São Paulo animava o ambiente,  terminado este manjá, era hora de retirar as redes dos sacos, cada um com a sua procurando o melhor armador, uns nos quartos de meia parede , outras na sala do grande purrão d’água,   assentado num pé de pote vazado e com um barro preto  sempre úmido,  para deixá-la  refrescante e saborosa , sem esquecer o porta copos e canecos, feito de madeira, as ultimas redes sempre as ultimas, ninguém queria , eram armadas na sala da frente bem defronte das frestas das janelas,  por onde passava de madrugada,  o ar frio e encanado , que os finos lençóis carimbados com os nomes das usinas de açucar,  de nada serviam. Primeiro se procuravam as cordas , os meninos maiores davam os esperados nós de porco nos punhos de cada uma, o meu irmão João,  era o maior especialista no assunto, armavam-se as redes uma ao lado da outra, em cada uma,  um pequeno lençol feito de sacos de açúcar, lavado com sabão em pedra pavão e clareado com anil, estavam prontos os leitos noturnos.

Abria-se a porta da frente, sentavam-se na alta e fria calçada de cimento bem na quina, era um verdadeiro batentão de fora a fora, de onde se avistava um grande pé de umbu, a casa de Helena, a de dona Maria Passarim , dois grandes pés de cedro , a estrada que ia para a central e a desembocadura do grande barreiro,  que durante o dia ,  de vez em quando, pelo  lado direito , tangenciando a casa de seu Joaquim e dona Maria Passarim,  chegava um senhor branco, barba por tirar, com um surrado chapéu de palha e  montado no seu jeguinho, animal que jamais aceitou outro humano no seu dorso ou na garupa, cabresto de corda de croá, sem sela, no seco, só na puída manta de algodão, não sei porque, muitas vezes de roupas rasgadas, alpercatas velhas e que só enxergava por um olho, dizem que um graveto furou o olho direito, era um proprietário rural e o maior criador de porcos que conheci, seus porcos chegavam a pesar 250 quilos, era o irmão do dono da Serra, era o Tio Ontõe.

Olhar para o céu era o entretenimento, a noite era curta, a lua cheia com São Jorge e o seu cavalo encravado no meio,  clareava o terreiro, na sua ausência,  eram as   distantes constelações celestes ,  com as pequenas e longínquas  estrelas  as luzes da vez, o cruzeiro do Sul, as três Marias, a estrela Dalva e muitas outras enfeitando o escuro azul do céu, não poderia contá-las devido o risco de no outro dia as mãos amanhecerem cheias de verrugas.

A lua surgia cedo , numa carreira macia e constante cruzava o céu  sempre a nos seguir , sem contar com as grandes e andantes nuvens, algumas muito brancas, outras acinzentadas formando imagens de carneiros, bois, castelos, mapas, bolas, perfis de caras e muitos outros objetos.

O vento frio açoitava lentamente a tez de cada um, era fim de novembro e começo de Dezembro, os sapos coaxavam  nos barreiros e nas poças das estradas, os cachorros latiam  acuados com alguns desavisados pebas , tatus ou gambás, os caseiros e moradores que labutavam  meia vinham trazer as ultimas novidades, as noticias, os nascimentos, os casamentos, as mortes e tudo quanto era necessário,  sempre regado a um bom e forte café.
A noite se aprofundava , a lua atravessava a linha imaginaria por cima das nossas cabeças no oitão do velho casarão,  as estrelas ficavam mais visíveis,  era hora de dormir, cada um na sua rede, antes era obrigatório esvaziar a bexiga por trás da casa junto a um pequeno matagal ou touceiras de bananas, lavavam-se os pés e se bebiam um chá hipnotizante, bebida amarela e muito  doce,  feita da erva capim  santo ou erva cidreira fresca , colhida do pé da parede da grande casa, escovavam-se os dentes e tibungavam nas suas já armadas redes, a noite era curta, longas eram as conversas entres os irmãos , até a hora em que se escutava a voz da mãe através da meia parede, mandando se calarem e que fossem dormir, os que dormiam na sala da frente  conferiam as pesadas tramelas de madeira, tampavam as frestas das janelas com panos,  impedindo a passagem do frio vento da madrugada , no meio da noite era comum ouvir o grito das corujas, dos rasgas mortalhas, o coaxar dos sapos , das rãs e o canto dos milhares de grilos , era assim o primeiro dia de férias , férias estas que se prolongavam por mais de 90 dias  num grande paraíso chamado Serra do Araripe.

 Só quem teve esta felicidade , sabe o que é um dia de férias em cima daquela Chapada, chapada esta que funciona como o maior elo entre os dois países , Ceará -Pernambucano, os unindo para a eternidade.

Um dia ainda serei criança, um dia  ainda reviverei cada momento vivido naquele pedaço do mundo, a minha queria Serra do Araripe.

Chapada minha chapada, minha querida terra e torrão,   me espere, ainda nos veremos, ainda dormiremos juntos.

Iderval Reginaldo Tenório

Salvador,2011/junho/23

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