O ABANDONADO CUMPRIDOR DE PENA
Velho e de barbas brancas, cabelos longos rabo de cavalo, tatuagem de um dragão cuspindo fogo em ambos os deltoides,voz arrastada, pouca leitura , pele encolhida, olhos perdidos e sem direção.
Após um bom pate papo, olhou para o mundo, mirou o infinito, lá onde o céu se encontra com a terra ou com o mar , um cavador na mão, um bornal de carregar grampos e martelos escanchado no ombro , um pé de cabra para esticar arames , mãos grossas e unhas com as pontas escuras, olhou para o sol fechando e abrindo os olhos devido a sua claridade, enxugou o suor que caia sobre a ressecada tez, com a sua rouca e entrecortada voz, quase gutural, fazendo careta com os músculos da face , pausadamente , encatracado deixa sair da banguela boca estas saudosistas palavras.
___Di qui adianta viver num mundo como
esse, de qui adianta?! O mundo pra mim num tem sentido, vivo cá há 28 anos, num
tenho mué, num tenho pai, num tenho mãe, num pissuo fios e nem amigos, a vida é
só drumir, acordar, comer, cagar , cavar buraco e insticar arame, num tem
sentido: drumo, acordo, como, cavo buraco e dispois,
dispois vou insticar arame. Num tem sentido.
Parou de balbuciar estas palavras, olhou para o sol a pino, coçou a cabeça, colocou o chapéu de palha, pôs o cordão por debaixo do queixo , arregaçou as mangas da grossa camisa brim cinza aberta até o umbigo e falou resmungando para si e para o mundo.
___ Qui
dureza!, qui sóle quente , já comí, já cavei meus
buracos e agora vou insticar arame.
Com o tom da voz cada vez mais baixa
foi falando, abaixando a voz e se afastando:
____Vou insticar arame
,vou insticar arame , inté mais. inté.
Saiu à procura de arames farpados soltos e de estacas carcomidas pelos cupins , estacas prestes a serem substituídas.
Indiferente e claudicante sumiu beirando a cerca, puxa aqui , puxa alí, uma martelada acolá, um grampo que cai, um grampo que se perde, um resmungo, uma cusparada, uma estaca frouxa, mole quase caindo e lá vai o velho cheio de desilusão acostumado com a vida recebida e agora em consumo.
Come depois descome, cava buraco , estica arame, olha para o sol, enxuga a testa, bota a mão no bornal, dá uma martelada, assoa o nariz, estica a coluna com as mãos nos quartos , coça as nádegas e continua a deambulação.
É a sua rotina , é a vida .
Iderval Reginaldo Tenório
Salvador, 21 de abril de 1998
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