quinta-feira, 3 de julho de 2014

OS CUMPRIDORES DA PENA


O ABANDONADO CUMPRIDOR DE PENA

Velho e de barbas brancas, cabelos longos rabo de cavalo, tatuagem  de um dragão cuspindo fogo em ambos os deltoides,voz arrastada, pouca leitura , pele  encolhida, olhos perdidos e sem direção.

Após  um bom pate papo, olhou para o mundo, mirou  o infinito, lá onde o céu se encontra com a terra ou com o mar , um cavador na mão, um bornal  de carregar grampos e martelos escanchado no ombro , um pé de cabra para esticar arames , mãos grossas e unhas com as pontas escuras,  olhou para o sol fechando e abrindo os olhos devido a sua  claridade, enxugou o suor que caia sobre a ressecada tez, com a sua rouca e entrecortada voz, quase gutural, fazendo careta com os músculos da face , pausadamente , encatracado deixa sair da banguela boca estas saudosistas palavras.

___Di qui adianta viver num mundo como esse, de qui adianta?! O mundo pra mim num tem sentido, vivo cá há 28 anos, num tenho mué, num tenho pai, num tenho mãe, num pissuo fios e nem amigos, a vida é só drumir, acordar, comer, cagar , cavar buraco e insticar arame, num tem sentido:  drumo,  acordo, como,  cavo buraco e dispois, dispois  vou insticar arame. Num tem sentido.

Parou de balbuciar estas palavras, olhou para o sol a pino, coçou a cabeça, colocou o chapéu de palha, pôs o cordão por debaixo do queixo , arregaçou as mangas da grossa camisa brim cinza   aberta até o umbigo e falou  resmungando para si e para o mundo. 

___  Qui dureza!, qui  sóle quente ,  já comí,   já cavei meus buracos  e agora vou insticar  arame.

Com o tom da voz cada vez mais baixa foi falando, abaixando a voz  e se afastando:


____Vou insticar arame ,vou insticar arame , inté mais. inté.

Saiu à procura de arames farpados soltos e de estacas carcomidas pelos cupins , estacas prestes a serem substituídas.

Indiferente e claudicante sumiu beirando a cerca, puxa aqui , puxa alí, uma martelada  acolá,  um grampo que cai, um grampo que se perde, um resmungo, uma cusparada, uma  estaca frouxa, mole quase caindo e lá vai o velho cheio de desilusão acostumado com a vida recebida e agora em consumo.

Come depois descome, cava buraco , estica arame, olha para o sol, enxuga a testa, bota a mão no bornal, dá uma martelada, assoa o nariz, estica a coluna com as mãos nos quartos , coça as nádegas e continua a deambulação. 
É a sua rotina , é a vida .

Iderval Reginaldo Tenório



Salvador, 21 de abril de 1998

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