Quando o assunto é viola caipira nós, brasileiros, podemos falar grosso. Temos uma seleção de primeira linha que faz da música caipira um gênero musical dos mais ricos e admirados. O esquadrão masculino é liderado pelo eterno rei da viola e criador do pagode, Tião Carreiro. Já a equipe feminina da música caipira não fica atrás, tem seu expoente máximo representado por Helena Meirelles, eleita a melhor violeira do mundo.
Helena Meirelles nasceu em 13 de agosto de 1924 na fazenda Jararaca, no estado de Mato Grosso do Sul, na beira da estrada boiadeira antiga que ligava Campo Grande ao Porto 15 no rio Paraná, divisa com o estado de São Paulo. Filha do boiadeiro paraguaio Ovídio Pereira da Silva e da mato-grossense Ramona Vaz Meirelles, cresceu no meio da peãozada, escutando o berrante das comitivas de gado. Desde criança começou a se interessar pelo toque da viola, aprendeu a tocar sozinha observando seu tio e também os paraguaios (amigos de seu avô) que se hospedavam em sua casa.
Enfrentou grande resistência dos pais que tentaram, a todo custo, impedir que ela se tornasse violeira. Mas pra nossa sorte o destino de Helena Meirelles estava traçado e seu caminho se construiu no braço da viola. Helena conta que seu pai lhe ameaçava dizendo que iria cortar seus dedos, no que ela respondia sem medo: “pode cortar que eu toco com o que sobrar da minha mão”.
Fugiu de casa com 15 anos e teve seu primeiro filho com 17, no total foram 11 filhos em 3 casamentos. Dizia Helena Meirelles no auge de sua simplicidade: “Já tive filho bebendo cerveja na zona e também no pasto, no meio da boiaderama, ter filho, pra mim, era igual a galinha que botava um ovo e saia cantando”.
Sua identidade musical foi construída com os ritmos do Mato Grosso e com influências da música paraguaia. Desde jovem começou a tocar viola nas festas juninas que aconteciam na beira da estrada boiadeira, na época em que o salão era iluminado por lampião e o chão era de terra batida. Helena dizia que gostava das festas familiares, mas preferia tocar na zona, na casa das mulheres da vida. “Na zona eu me divertia com a farra que os peões faziam e não via o tempo passar”. Helena contava ainda que nunca foi desrespeitada nos bordéis, mas cansou de ver os peões na zona do Porto 15 mexerem a cerveja com o cano do 38 e bater nas mulheres com guaiaca e espora.
Helena Meirelles subiu ao palco pela primeira vez em 1992, aos 68 anos, quando teve a oportunidade de se apresentar ao lado de Inezita Barroso e da dupla Pena Branca e Xavantinho, no Teatro do Sesc, em São Paulo. Neste mesmo ano um sobrinho enviou uma fita com gravações amadoras de Helena Meirelles tocando viola para uma revista especializada dos Estados Unidos.
Embora fosse bastante conhecida e admirada na região do pantanal, o reconhecimento artístico só aconteceu em 1993 quando a revista norte americana “Guitar Player” elegeu Helena Meirelles, aos 69 anos de idade, como Instrumentista Revelação do Ano. Foi eleita uma das 100 melhores instrumentistas do mundo, por sua atuação nas violas de seis, oito, dez e doze cordas. A publicação norte americana comparou Helena Meirelles a Keith Richards, guitarrista do Rolling Stones, e a Eric Clapton. Numa destas injustiças difíceis de serem explicadas, a valorização de nossa maior violeira aconteceu primeiro no exterior e depois aqui no Brasil.
Analfabeta (não sabia ler nem escrever), autodidata, benzedeira, parteira, lavadeira e apaixonada pelo pantanal, assim foi Helena Meirelles, uma mulher de fibra, dona de um talento musical inquestionável. Dizia ela com poesia, “quando escuto um burro urrar ou um toque de berrante, da vontade de voar no vento e cair no meio da boiaderama”.
Faleceu aos 81 anos, em 28 de setembro de 2005 na cidade de Campo Grande, vitima de parada cárdio-respiratória.
Trailer do documentário Dona Helena
2 comentários:
Olá!
Sou apaixonada por viola!
Obrigado por compartilhar histórias de pessoas tão interessantes, e lamentavelmente tão pouco conhecidas.
Grande abraço!
Jossara a Helena é uma destas pérolas que o mundo artístico ovaciona. Parabens pelo seu blog.Iderval.
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