O FILHO QUE NÃO PROSPEROU
Outro dia numa roda de amigos num gostoso bate-papo foi abordado o quanto era importante para cada um de nós: o olhar, o cheiro, os conselhos e a presença dos insubstituíveis pais.
Num caloroso e contagiante momento contou um dos amigos a seguinte história que passarei para os meus caros leitores.
Contou o amigo que na sua cidade havia um bom senhor oriundo de classe social muito baixa.Apesar do seu analfabetismo, com a sua vasta cultura e o suor do seu próprio rosto conseguiu educar os seus mais de 10 filhos.
O tempo passou, os filhos cresceram, alguns galgaram postos importantes na sua nação e o bom senhor à proporção que ganhava conhecimentos foi envelhecendo. Envelhecendo com saúde, com dignidade, com cidadania, envelhecendo com o respeito de todos os que lhe rodeavam. Como é peculiar à família Nordestina , aquela não fugira à regra e ano após anos procurava através de encontros familiares lembrar ao velho carvalho o seu incalculável valor, a sua importância e o quanto era cabal a sua existência para a sua prole, numa grande comemoração familiar o velho e bondoso pai sentia o calor, o carinho, a compaixão e quão importante a sua existência para a sua prole. De todos os seus filhos, um havia voado mais alto e galgado postos estratégicos na sua República, o tempo passava e todos os filhos, netos e bisnetos compartilhavam felizes momentos, de regra a falta daquele que galgara postos importantes, posições invejadas por seus pares, aquele nunca estava presente devido a sua importância perante a nação e muitas vezes nomeava irmãos e até mesmo amigos para lhe substituir nestes encontros familiares, jamais negara ajuda financeira quando solicitado e sempre influente nas questões decisórias da família.
O tempo passou.O ancião foi perdendo as forças, os músculos foram minguando, os cabelos ficaram ralos, a mente foi ficando curta, murchando e o bom homem foi paulatinamente perdendo a memória.Perguntava onde estava, muitas vezes perguntava até mesmo quem ele era.E a grande e tradicional família continuava nas suas comemorações, anos após anos; e anos após anos o filho era substituído por outro irmão ou por um dos seus amigos, até o dia em que foi convocado, aliás, intimado, notificado a comparecer ao 99o- aniversário do patriarca por todos os componentes daquela feliz e honesta família.
Ao chegar, entrou no quarto do seu genitor, se aproximou e disse:
__A bença pai.
O velho imobilizado nada respondeu, repetiu mais alto:
__ A bença pai .A bença pai.
O velho abriu os olhos, mexeu com o pescoço de um lado para o outro, fez esforço para levantar a cabeça, mirou o rosto do seu filho e com a voz trêmula balbuciou:
__Quem é você?__ DE ONDE VOCÊ VEIO?__ONDE VOCÊ MORA?__ QUEM É O SEU PAI?
O filho parou, pensou, baixou a cabeça e disse:
__ A BENÇA PAI, EU SOU O SEU FILHO, o seu filho do meio, é que faz mais de 20 anos que não vejo o senhor, faz mais de 20 anos que não venho na nossa terra.
O pai mais uma vez falou:
__quem é você, de onde você veio, onde você mora, você é filho de quem, quem é o seu pai? Eu te abençôo, mas não sei quem é você, se você diz que é meu filho é porque é meu filho, porém eu não me lembro de você.
Desencantado pelo vasto tempo que havia visto o pai, com a amnésia paterna e decepcionado com o que presenciara não conseguia entender o que se passava, quando mais tarde soube por intermédio dos outros irmãos, que o seu pai num processo fisiológico fora perdendo paulatinamente a capacidade de memorizar, de verbalizar e de locomoção, passando a lembrar apenas dos fatos repetitivos, dos rostos do seu cotidiano, do seu cachorro, da sua aparadeira e das pessoas que de mais perto convivera nos últimos dias.
E numa onda de culpa e de irresponsabilidade entendeu que o pai devido a sua ausência havia apagado da mente quaisquer resquícios ou lembranças de sua existência, havia apagado de sua mente até mesmo a legitimidade paterna.Entendeu também que foi a sua ausência, a sua distância e o seu descaso para com o velho e bondoso pai que apagara toda a sua existência como filho.
Desconfiado, deprimido e solitário partiu para a conquista, para luta, para briga, se esforçou, porém, o velho e bondoso senhor aos poucos foi apagando da mente os dados e imagens cerebrais, aos poucos foi esquecendo, esquecendo, esquecendo... até o dia em que não mais lembrava nem de si, até o dia em que entrou em estado vegetativo.
Com os fatos presenciados o filho passou a entender que o seu pai precisava era de abraços, amor, carinho, de respeito e de sua presença e não de ajuda financeira. Foi-se o velho, com ele foi sepultado todas as suas memórias e conhecimentos, restando as boas lembranças e os seus ensinamentos.
Para o filho ficou a certeza que foi 20 anos atrás o último dia que o seu pai lhe viu, ficou gravado na sua memória que os seus filhos não eram netos do seu pai e mais claro ainda que o homem é a mente, o respeito, o homem é a comunicação, o homem é fruto de sua raiz e que o núcleo familiar jamais perderá a sua importância, jamais será substituída e por mais longe que o homem vá as suas raízes serão mais fortes, serão os sustentáculos de sua vida.
Seja mais família, seja mais filho, como também pai dos seus pais. A vida assim será melhor e o mundo com certeza lhes reservará melhor destino. Nunca esqueça dos seus...
24 de Janeiro de 1989
Iderval Reginaldo Tenório