Iderval
Reginaldo Tenório
A Asa Branca e a sua trajetória cultural
ASA BRANCA
HUMBERTO TEIXEIRA E LUIZ GONZAGA
O Nordeste Brasileiro, região esquecida e vilipendiada pelos poderes públicos por mais de cinco séculos, guarda muitos segredos culturais e riquezas para o mundo.
Caatinga cinzenta é o seu piso e o azul celeste o seu teto. Região eternamente sapecada, escaldada, desidatrada e queimada pelo causticante sol, varrida e sacudida pelas lufadas dos ventos quentes a refletir os raios solares como miragens, mimetizando lagoas à distância, a conformar o legítmo homem do sertão e os animais não humanos, que trazem na mente todos os anos, por repetidas vezes: "No ano que vem, terá inverno".
Bioma maestralmente documentado em O Quinze, de Raquel de Queiroz, ao reviver o seu torrão natal, Fazenda Não Me Deixes, no município de Quixadá no Ceará na seca de 1915 e em Vidas Secas, do alagoano Graciliano Ramos, nascido em Quebrangulo e prefeito da cidade de Palmeira dos Índios quando retratou a seca de 1932.
O bioma nordestino guarda muitos mistérios do desconhecimento humano, como reverberaram o carioca Luiz Carlos Pereira de Sá, o Sá, e o baiano, da cidade de Barra, Guttemberg Nery Guarabyra Filho, o Guarabyra, em 1977, no clássico O Sertão Vai Virar Mar, da dupla Sá e Guarabyra.
Luiz Gonzaga, pernambucano do Exu e Humberto Teixeira, cearense do Iguatu, os genitores do baião, fizeram um enlace matrimonial com a humanidade pela cultura e para documentar o nordeste brasileiro. Queriam um símbolo fidedigno que representasse a alma de um povo sofrido, e que o orientasse na seca, na fome, nas cheias e na fartura. Estavam comprometidos e jurados, pelo destino, a compor uma obra músical, que fosse irretocável e reverberasse aterninamente para todo o globo terrestre.
Mentalmente sintonizados pelas mesmas propriedades e fenômenos naturais, pensaram qual seria a figura viva nordestina que poderia ser o seu símbolo e quais os acordes a serem entoados. Não foi difícil para os dois gênios. Em um estalo celestial, o descamisado pernambucano, da cidade do Exu, Luiz Gonzaga, explanou para o experiente advogado, o cearense da cidade de Iguatu, Humberto Teixeira:
" Dos seres vivos da flora e da fauna nordestina, é o pássaro ASA BRANCA, o animal que prevê e foge da seca, e sabe quando ela terminará. Foge do sertão nas épocas ruins e volta nas grandes aguadas. Foge da fome, do tédio e da tristeza, retorna nas chuvas, na alegria e na fartura, é o maior orientador deste povo. Luta pela sobrevivência, para este animal não existe o último soluço, o seu lema é a vida e o seu torrão o maior orgulho".
Foi prontamente aceito, e com água nos olhos se abraçaram.
Ao mesmo tempo, o Humberto matutava o outro tema, quais os acordes, qual a melodia. Fechou os olhos, apurou o cérebro, foi fundo na mente e falou para o Luiz:
"Existe uma música folclórica, de domínio popular, cantada há mais de 300 anos e a melodia continua viva na memória do povo, e é transmetida de geração em geração".
Cantaralou em gemido e boca fechada o que havia encravado na sua mente,
e lá do fundo da garganta mostrou ao rei a força da memória dos seus
seis anos de idade, o gemido da música estava encravada no
privilegiado cérebro iguatuense.
O Luiz cerrou os olhos e viajou no tempo, foi fundo na mémoria, ouviu como se fosse naquele dia, o cantarolar gemido humhumhumhumhumhum de Dona Santana por mais de uma vez, e resgatou das secas de 1915 e 1932 os episódios hibernados na sua mente, quando saboreava um mingau feito da massa da mucunã e rebatia com a saborosa massa do jatobá para saciar a fome no cume da Chapada do Araripe. O abraço foi reforçado e os lenços foram insuficientes para enxugarem as lágrimas dos dois sobreviventes, genuínas Asas Brancas.
Oficializada a ASA BRANCA, como a representante do nordeste, e a centenária melodia com os seus gemidos e lamentos, alí era gerada a música Asa Branca, considerada a alma do nordeste.
Em pleno ano de sofrimento e dificuldades, 1947, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, autor de Baião, Juazeiro, Respeita Januário e Meu Pé de Serra conseguiram documentar o êxodo do Nordestino para o Sul, utilizando como símbolo a Asa Branca e as suas propriedades meteorológicas. Como pano de fundo, os acordes da velha e folclórica melodia temperada com o gemido humhumhumhumhumhum. Foi tocado, balançado e degustado o âmago de cada um, e aos prantos documentaram com fidedignidade a pérola ASA BRANCA. Com o Luiz, o Humberto e a Asa Branca nascia um mistério real, mostrando para a eternidade o sofrimento, o labutar, a coragem e o quanto é forte o homem do nordeste brasileiro.
Iderval Reginaldo Tenório
ASA BRANCA - LUIZ GONZAGA #
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