RIO - A
requisição do médico e o recibo comprovando o valor pago podem não ser mais
suficientes para que o usuário de planos de saúde faça jus ao reembolso de
exames ou outros procedimentos clínicos. Cresce o número de operadoras que
exigem de seus beneficiários a apresentação do laudo do exame para o pagamento.
O procedimento, além de ser encarado como mais um obstáculo para o cumprimento
de um direito estabelecido em contrato, é considerado por consumidores e
especialistas invasão de privacidade e quebra de sigilo médico. Representantes
das empresas alegam, no entanto, que a exigência está ligada ao combate a
fraudes e desperdícios.
O servidor
público Roberto Diez Cortez se viu nesta situação quando sua mulher passou por
uma cirurgia para retirada da vesícula. Antes do procedimento, devidamente
autorizado pela NotreDame Intermédica, ele procurou saber os trâmites e
documentos necessários para solicitar o reembolso. Na hora H, as exigências
foram outras.
—
Informaram-me que deveria enviar os recibos e um relatório médico, o que fiz
logo após a cirurgia. No prazo dado para o reembolso do que paguei pelos
serviços da equipe médica, recebi um demonstrativo com valor zerado e uma
mensagem de que deveria enviar laudos de exames comprobatórios, como Raios-X,
tomografia ou ressonância magnética, além do patológico — conta Cortez, que se
queixa ainda de a empresa ter feito uma previsão equivocada de gastos. — Minha mulher
se submeteu a uma cirurgia de colecistectomia com colangiografia por
videolaparoscopia, e eles orçaram o procedimento sem colangiografia. No fim,
disseram que teríamos que comprovar o procedimento realizado.
Advogada:
informações protegidas por sigilo
A cada vez
que reclamava — enviou queixa à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a
esta coluna e à operadora — conta Cortez, a empresa pagava uma parte do valor
devido, que somava cerca de R$ 6 mil. Segundo a NotreDame Intermédica, a
solicitação de relatório médico ou de exames comprobatórios são feitas em
algumas situações. No caso de Cortez, constatou-se que houve falha do sistema,
diz a operadora, que afirma ter pago o reembolso em menos de um mês após o
pedido, o que é contestado pelo beneficiário.
Já a
assistente comercial Luana Santos precisou recorrer à Justiça para receber o
reembolso de uma cirurgia de emergência da Seguros Unimed. Apesar de ter, como
Cortez, seguido todas orientações, na véspera da data prevista para o depósito,
a empresa criou uma nova exigência: o envio dos resultados dos exames.
— Exigiram
até o laudo de um exame que eu sequer tinha feito. Senti minha privacidade
invadida. A gente paga um plano caro e, quando precisa, tem que deixar cheque
caução e ainda sofre todos esses transtornos — queixa-se Luana, que precisou
pedir dinheiro emprestado para pagar o anestesista e a instrumentadora.
A sentença
do processo movido por Luana contra a Seguros Unimed saiu na semana passada. A
indenização pode ser paga em 15 dias úteis, se a empresa não recorrer. A
operadora afirma que o pagamento do reembolso será realizado nos próximos dias.
Na avaliação
da advogada Janaina Alvarenga, da Associação de Proteção aos Direitos da
Cidadania e do Consumidor (Apadic), a conduta dos planos ao exigir laudos ou
resultados de exames é irregular. Ainda que haja previsão contratual, diz a
advogada, a prática é abusiva e, portanto, nula. Para o caso de reembolso,
explica, o que pode ser exigido é a nota fiscal ou recibo dos valores pagos e a
declaração dos procedimentos realizados.
— Exigir do
usuário que exponha sua condição clínica é uma violação à privacidade. A
relação médico-paciente é de absoluta confiança e protegida por sigilo. O
consumidor não pode ser compelido a expor a sua vida, para ter ressarcido
valores que foi obrigado a adiantar para ter acesso a tratamentos médicos —
afirma Janaina.
A advogada
acrescenta que o sigilo das informações médicas somente pode ser violado mediante
consentimento do paciente ou decisão judicial.
Gerente
técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Carlos Thadeu
de Oliveira ressalta que não há previsão legal que obrigue o consumidor a
entregar resultados de exames a operadoras. Em relação aos laudos, assim como
Janaina, ele também avalia que se equiparam ao prontuário médico, cujo segredo
é garantido pelo código profissional da classe e pelo Código Penal Brasileiro.
Essa violação, aliás, diz Oliveira, é considerada crime.
Advogado
especialista em direito do consumidor, José Ricardo Ramalho aconselha aos
usuários de planos de saúde a terem especial atenção aos termos do contrato e à
tabela de reembolso. Em caso de se sentirem vítimas de prática abusiva, orienta
que registrem reclamação na ANS.
Operadoras:
Combate a fraude e desperdício
A agência
reguladora confirma que a empresa pode solicitar a apresentação da comprovação
da realização de procedimentos para fazer o reembolso, desde que essa exigência
esteja prevista em contrato. A relação de documentos, no entanto, explica a
ANS, não pode ferir o código de ética médica e deve preservar os dados do
paciente.
Solange
Beatriz Palheiro Mendes, presidente da Federação Nacional de Saúde (FenaSaúde,
que reúne grandes operadoras do setor), explica que essas exigências estão,
normalmente, ligadas ao combate a fraudes:
— Não tenho
conhecimento sobre esses casos específicos, e entendo que é, realmente,
delicado do ponto de vista de sigilo médico. Mas o objetivo das operadoras é
combater fraudes. E também o desperdício, pois dessa forma pode verificar se o
médico requisitou exames pertinentes ao quadro clínico.
A advogada
especialista em direito à saúde, Renata Vilhena, também entende que a conduta mais
rigorosa adotada pelos convênios é reflexo da falta de transparência, que, por
vezes, está presente nos hospitais.
— Há, de
fato, muita fraude e desperdício com pedidos de cirurgias e exames que nem
sempre são necessários. A questão é que quem sofre no fim é sempre o usuário.
Segundo
Renata, o grande desafio é encontrar uma solução que não tire do médico a
autonomia de solicitar exames ou a conduta que considere mais adequada e, ao
mesmo tempo, evite abusos nos gastos para chegar ao diagnóstico.
Oliveira, do
Idec, não acredita que a exigência do laudo possa ser um instrumento das
operadoras para balizar seus preços, já que estariam municiadas de informações
precisas sobre a patologia que acomete seus beneficiários. Para isso, diz
Oliveira, as empresas já dispõem de índices de sinistralidade (de uso do
plano), que dispensam laudos:
— Mas,
certamente, essa exigência de laudos é uma maneira de as operadoras
dificultarem e desestimularem o pedido de exames.
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