Nutrição
Se o cérebro precisa de açúcar para funcionar, por que devemos parar de consumi-lo?
Mecanismo que abastece nosso organismo de glicose é um exemplo de sobrevivência
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No entanto, a OMS recomenda reduzir o consumo de açúcar livre (o que se acrescenta, não o que se encontra de forma natural em alguns alimentos como a frutose, nas frutas, ou a lactose no leite) a menos de 10% da ingestão calórica total do dia, e inclusive estimula que esse consumo seja inferior a 5%, pois isso “produziria benefícios adicionais para a saúde”. Neste ano, também a indústria alimentícia entrou num processo de reformulação de seus produtos para reduzir esses açúcares, além do sal e das gorduras saturadas. Mas por que, se a glicose é fundamental para o funcionamento do cérebro, não é bom que comamos açúcar?
Como o cérebro ‘come’ açúcarA glicose – o termo vem do grego e significa algo como “açúcar de
mosto” – é um composto orgânico muito comum na natureza, uma forma de
açúcar formado por grandes moléculas que, através da chamada oxidação
catabólica, se transforma em moléculas menores e mais simples, um
processo que libera uma importante quantidade de energia utilizada para
realizar o conjunto de reações químicas e fisicoquímicas que ocorrem em
todas as células vivas do organismo, o que se conhece como metabolismo.
De onde tiramos a glicose
A glicose, portanto, é um componente essencial para a vida, e especificamente para o correto desenvolvimento das funções cerebrais. Entretanto, embora seja um açúcar simples, ou monossacarídeo, não é preciso comer açúcar nem alimentos doces para que o organismo conte com a quantidade necessária, um argumento ao qual frequentemente a indústria alimentícia recorre para justificar a inclusão de açúcares nos seus produtos.
Todos os alimentos que ingerimos acabam sendo
transformados em glicose, especialmente os carboidratos: cereais,
tubérculos, leguminosas, laticínios, frutas e hortaliças
A quantidade certa: nem muito nem muito pouco
Definitivamente, todos os alimentos que ingerimos acabam, em maior ou menor medida, sendo transformados em glicose, ou seja, em energia para o organismo. O tipo de alimento de mais fácil transformação é o grupo dos carboidratos. Eles incluem os açúcares livres, acrescidos a uma infinidade de produtos, mas também muitos outros, como os cereais, tubérculos, leguminosas, laticínios, frutas e hortaliças. Se mantivermos uma dieta saudável e nosso organismo funcionar bem, não há por que se preocupar: o suprimento de glicose está assegurado, mesmo que nunca mais comamos cup cakes. A evolução já se ocupou de criar recursos para obter o principal suprimento de energia celular.Mas, como é sabido, o organismo pode falhar por múltiplas razões, também no que diz respeito à obtenção de glicose. Quando o fornecimento não é adequado, ou seja, quando a quantidade de glicose no sangue é excessiva ou insuficiente, ocorrem, respectivamente, hiperglicemia e hipoglicemia.
O diabetes é uma
das causas mais disseminadas dessa disfunção, e se deve à resistência à
insulina entre os afetados por essa doença. A insulina é o hormônio que
se encarrega de regular a quantidade de glicose no sangue. Se ela não
funciona, pode ocorrer tanto a hiperglicemia (de forma mais frequente)
como a hipoglicemia, e as consequências disso são sempre negativas. “Os
níveis permanentemente elevados de glicose no sangue podem causar danos
em vários órgãos do corpo, como a retina, o rim, as artérias e o sistema
nervoso”, diz De Cangas. “Por outro lado, os níveis baixos de glicose
(por exemplo, causados pelo diabetes tipo 1 descontrolado) podem
conduzir inclusive a um coma diabético e à morte do paciente.”
Quando o cérebro pede comida, está nos mandando um SOS
Se a glicose escasseia surgem várias disfunções e doenças, conforme evidenciou um estudo realizado por pesquisadores da Alemanha e Estados Unidos. “O metabolismo da glicose proporciona o combustível para a função fisiológica do cérebro através da geração de ATP – adenosina trifosfato, a molécula-estrela no processo de obtenção de energia celular nas reações químicas –, a base para a manutenção celular neuronal e não neuronal, assim como para a geração de neurotransmissores”, explica o estudo.“Se o metabolismo da glicose for alterado”, diz De Cangas, “podem ocorrer várias alterações neurológicas, bem como obesidade, diabetes tipo 2, demência e Alzheimer: um dos sinais mais precoces dessa doença, aliás, é a redução do metabolismo da glicose cerebral”.
Cabe destacar, acrescenta De Cangas, que “se os neurônios não podem obter a glicose que necessitam, pode-se desencadear inclusive um processo de morte celular por autofagia; ao não contar com o alimento necessário para funcionar, estas células cerebrais obtêm a energia de si mesmas até morrerem”.
Por isso, quando os níveis de glicose estão abaixo do necessário, os neurônios enviam uma série de sinais de alarme ao conjunto do organismo: problemas de visão, irritabilidade, ansiedade, suores, enjoo, sonolência, confusão, fraqueza, fome… Um acervo de mensagens que levam a pessoa a corrigir essa falta de glicose ingerindo alimentos. Se a glicose não aumentar, podem ocorrer convulsões, desmaios e inclusive um coma, que poderia terminar com uma morte neuronal. Por outro lado, os sintomas da hiperglicemia (uma concentração de açúcar no sangue superior a 180 miligramas por decilitro) são sede desmesurada, dor de cabeça, problemas de concentração, visão imprecisa, micção frequente e perda de peso.
“Em seu caminho ascendente, que leva ao equilíbrio e por fim à morte, a vida cria uma alça e se agarra a ela”, diz Primo Levi sobre o processo pelo qual a glicose se oxida e vira energia. Sem dúvida, essa biomolécula é um bom exemplo da maravilhosa capacidade do organismo de adotar as mais intrincadas maneiras de se aferrar à existência
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