Mulheres relatam abusos sexuais do médium João de Deus durante atendimentos espirituais
Treze mulheres dizem que sofreram abuso em visitas à Casa Dom Inácio de Loyola. Denúncia foi feita no Conversa com Bial. João de Deus nega as acusações.
Por G1
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Mulheres denunciam abusos sexuais do médium João de Deus durante atendimento espiritual
Treze mulheres relatam terem sofrido abusos sexuais do médium João de
Deus durante atendimentos espirituais na Casa Dom Inácio de Loyola, na
cidade de Abadiânia, em Goiás. Dez histórias foram reveladas no programa Conversa com Bial desta sexta-feira (7). Outras três foram publicadas pelo jornal O Globo.
Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, João de Deus afirma que
"rechaça veementemente qualquer prática imprópria em seus atendimentos"
(leia na nota completa no final desta reportagem).
João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus, é famoso pelos
atendimentos e cirurgias espirituais que faz desde 1976, em Abadiânia,
uma cidade com menos de 19 mil habitantes. A Casa Dom Inácio de Loyola
recebe até 10 mil pessoas por mês – a maioria, estrangeiros. Os relatos
sobre as curas obtidas pelo médium, incorporando entidades, se
espalharam pelo mundo.
"Não se trata de questionar os métodos de cura de João de Deus, muito
menos a fé de milhares de pessoas que o procuram. Estamos apenas dando
voz a mulheres que se sentiram abusadas sexualmente pelo médium", disse
Pedro Bial durante o programa.
Apenas uma das mulheres ouvidas por Bial, Zahira Leeneke Maus, uma
coreógrafa holandesa, aceitou se identificar. As outras, todas
brasileiras, disseram que preferem não mostrar o rosto, por sentirem
medo e vergonha.
Zahira fez recentemente uma denúncia pública no Facebook - quatro anos
após o a violência sexual relatada por ela. "Eu sei que tenho sido
criticada: 'Por que você está vindo com a sua história, se ele está
curando milhares de pessoas?' E essa é uma das razões do porquê eu não
disse nada. Porque se fosse só eu, eu que engula, porque ele está
curando milhares de pessoas, certo? Mas agora eu sei, ele está abusando
de centenas de mulheres e meninas", afirmou Zahira.
A coreógrafa conta que, depois da publicação na internet, ela começou a
ter contato com outras mulheres que diziam ter passado pela mesma
situação.
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João de Deus na Casa Dom Inácio, em Abadiânia, Goiás, em foto de 2015 — Foto: Reprodução/ TV Anhanguera
Padrão de comportamento
De acordo com os relatos, João de Deus agiu de forma similar em todos
os casos. Durante os atendimentos espirituais coletivos, o médium teria
dito para as mulheres que, segundo a entidade, elas deveriam procurá-lo
posteriormente em sua sala, porque tinham sido escolhidas para receber a
cura. As entrevistadas dizem que, uma vez que elas estavam sozinhas com
ele, eram violentadas sexualmente.
"Pegava na minha mão para eu pegar no pênis dele. (...) Ele falava: 'Põe a mão, isso é limpeza. Você precisa dessa limpeza, é o único jeito de fazer isso'", disse uma mulher que procurou João de Deus para cura espiritual.
De acordo com Zahira, ao ouvir os relatos de outras mulheres, ela
percebeu que “existe um sistema. A primeira coisa é 'vire de costas, eu
vou te curar'. Existe um padrão (...) Você é manipulada a acreditar na
cura”.
Jornal O Globo reúne relato mulheres que denunciam abuso sofrido por João de Deus
O jornal "O Globo"
ouviu quatro das dez mulheres que falaram ao programa "Conversa com
Bial", além de três outras vítimas. Os relatos, colhidos ao longo de
três meses de investigação, foram divulgados na íntegra no site do
jornal. Dentre todas as 13 mulheres que denunciaram João de Deus, Zahira
foi a única que contou ter sido penetrada por ele.
Segundo uma das mulheres, o médium demonstrou saber que aquilo que estava fazendo com ela poderia ser considerado assédio sexual.
"Calma, eu não estou com tesão, mas preciso fazer isso para te curar", uma delas relatou ter ouvido de João de Deus durante o abuso.
Segundo ela, o religioso a obrigou a masturbá-lo enquanto ela chorava, aos soluços.
"'Eu sei muito bem o que estou fazendo e que isso seria considerado
assédio, eu não sou louco'. Dizia que estava me livrando das energias
negativas", relatou a segunda mulher, que disse ter sido constrangida a
segurar o pênis do médium. Ele também teria tocado partes do corpo dela,
como os seios. Em um determinado momento, ele teria dito que não era
mais a entidade ali, que era o homem.
Zahira relata estupro
A holandesa Zahira disse que ouviu falar de João de Deus por intermédio
que um amigo. E que esteve mais de uma vez em Abadiânia, em busca de
espiritualidade e de cura para um trauma sexual. Ela chegou a ser
treinada para ser médium.
Ela conta que, numa das vezes em que esteve em Abadiânia, foi convidada
para uma consulta particular com João de Deus. E que o médium a levou
até um banheiro, na sala dele, e se posicionou atrás dela.
"Aí ele agarrou minha mão direita e a colocou por trás de mim na calça
dele. E eu fiquei, tipo... tem esse momento em que você congela. Por que
isso está acontecendo? Por que eu tenho que tocar no seu pênis, para
ser curada? Ele tem um sofá grande no banheiro. Ele me levou até lá e me
botou de joelhos na frente dele. Ele abriu a calça e colocou minha mão
no pênis dele. E ele começou a movimentar a minha mão em cima do pênis
dele. E eu estava em choque. Eu ainda não posso acreditar nisso. Mas eu
estava congelada. E ele continuava falando, conversando, falando sobre
minha família. Você está sendo manipulada a acreditar, enquanto ele
estava me analisando ou fazendo alguma coisa. Aí ele disse: 'Você
deveria sorrir. Você deveria se sentir feliz'. E eu: 'eu não sinto
nenhuma alegria'. Isso não é o motivo de eu estar aqui. Aí ele estava se
limpando, fechando as calças de novo, ele me levou pro escritório de
novo, ele me botou no sofá, abriu um armário com pedras preciosas e
disse que eu poderia escolher uma. É como se fosse um pagamento. Isso é
um pagamento? O que está acontecendo aqui?”
Zahira disse que sentia como se estivesse sendo manipulada, arrastada para aquela situação.
Dias depois, ela voltou à casa. “Ele me puxou de novo para o banheiro.
[...] “Um padrão parecido, mas ele deu um passo adiante. Ele me penetrou
por trás e, de novo, esses... Eu nem consigo descrever.”
'Não vai falar para ninguém'
Uma das brasileiras entrevistadas disse que já costumava frequentar a
casa em Abadiânia. E que em 2013, depois de se divorciar, voltou a
procurar o médium. Ela contou que participava de um atendimento em
grupo, quando também foi convidada por João de Deus para encontrá-lo
mais tarde na sala dele.
"Então ele me conduziu para um baheiro, que mais parece uma sala, poque
é muito grande e fechou a porta. Ali ele pediu para ficar de costas pra
ele. Ele perguntou se tinha metal. Falei que sim, o sutiã. Pediu pra eu
tirar. Pus o braço por dentro e tirei. Ele falou: 'vou ficar atrás de
você e fazer realinhamento energético. Aí ele ficou muito próximo,
colocou minha mão pra trás, isso ele já estava com o pênis pra fora, ele
falou: "Põe a mão aí, isso é limpeza, você precisa da minha energia,
que só vem dessa maneira pra fazer a limpeza em você."
Disse que o médium pediu pra ela voltar outras vezes.
"Às 7h da manhã, ele fez a mesma coisa, só que dessa vez ele sentou numa cadeira e pediu para eu fazer sexo oral nele."
"Eu fiz com muito nojo, e realmente eu não fazia, porque... Eu não
chegava perto. E ele dizia: 'Faça isso direito, menina. Você não quer as
coisas? Como é que fazendo as coisas desse jeito você vai ter as coisas
na sua vida?'"
Outra mulher, que deu entrevista ao lado do marido, disse que procurou a
casa de Abadiânia depois de passar por um tratamento de câncer de mama.
Lá, se submeteu a uma cirurgia espiritual – e foi orientada a voltar
para uma revisão.
No encontro, recebeu um pedido de João de Deus: “O que eu fizer aqui
dentro, você não vai falar pra ninguém". "E ele falou assim: 'você
levante que vou te curar'. E você vai ter que se entregar. Aí pediu pra
ficar de costas e nisso ele começou a passar a mão no meu corpo, no meu
abdomen, no meu seio, pela minha nádega, que até entao, ele ja tava
comprimindo meu corpo. Aí eu comecei a chorar, comecei a ficar
desesperada e eu só pensava assim: 'como eu vou sair daqui'. Eu olhava
pra uma porta, olhava pra outra, e eu pensava: 'se eu gritar, tem
milhares de pessas aí fora que endeusam ele, chamam ele de João de
Deus'."
Ela conta que o médium ficou irritado e fez uma espécie de ameaça:
“Você está sendo ingrata, você não esta se entregando. Se você não fizer
o que eu estou falando, a sua doença vai voltar. Você quer que volte?"
'Eu tava ali sendo abusada'
Outra mulher, de 33 anos, contou que procurou João de Deus porque tinha
depressão e síndrome do pânico. Segundo ela, logo que ficou sozinha com
o médium na sala, ele trancou a porta.
"'Levanta aqui q vou limpar seus chacras' [ele disse]. Nisso ele ficou
em pé, eu fiquei na frente dele, e ele já começou a fazer movimento,
passando a mão no meu peito. Nisso ele me virou e pediu pra fazer
massagem na barriga dele. Eu fazendo essa massagem, ele pedia pra eu
fazer com força, pedia pra eu ficar de olho aberto, e eu não conseguia
porque eu já tava incomodada. Aí ele me afastou um pouco e já tirou o
pênis pra fora. E pegava na minha mão pra pegar no pênis dele, eu tirava
a mão e ele falava: 'Você é forte, você é corajosa. O que você tá
fazendo tem um valor enorme'. Eu não tava fazendo nada. Eu tava ali
sendo abusada. Eu não tava fazendo nada."
'Homem poderoso'
Amy Biank, coach espiritual e autora americana que levava pessoas em
peregrinação para a Casa Dom Inácio de Loyola desde 2002, disse que as
pessoas que trabalham com o médium sabem do que acontece e que quem
tenta denunciar acaba saindo da Casa por medo, já que ele é um “homem
muito poderoso”. Amy diz ter sofrido ameaças de morte.
"Uma delas [pessoa que trabalhava para João de Deus] disse que tinha limpado a boca de uma menina. Disseram que era ectoplasma, e ela estava tão doutrinada que não percebeu que era sêmen", disse Amy Biank.
Uma das mulheres relatou que João de Deus disse que fazia parte do
processo de cura não contar para ninguém o que havia acontecido. Outra
disse que as entidades que ele recebia falavam que ela deveria ficar em
silêncio. “Todas as entidades que vinham, umas três, falavam que não era
para eu contar o que tinha acontecido ali.”
Ammy disse que uma vez, quando acompanhava um grupo a Abadiânia, ouviu
um grito de socorro, entrou na casa e viu João de Deus forçando uma
jovem a fazer sexo oral nele. Ele pediu pra eu fechar os olhos e sentar.
"Eu vi que ele estava com a calça aberta, ela estava ajoelhada e com
uma toalha no ombro. Ela não estava querendo fazer sexo oral nele, foi
por isso que ela gritou. Mas eu sentei no sofá e fechei meus olhos,
porque eu estava tão doutrinada a achar que aquilo tudo era divino e
especial."
Ammy disse que cruzou com João de Deus, depois numa pousada da região.
"Mais tarde ele veio até a pousada em que estávamos, porque ele sabia
que eu tinha visto, e aí ele chegou e disse: 'Quando eu sou o João, eu
sou somente um homem. E homens têm necessidade. Um homem é somente um
homem'."
O que é considerado crime
Gabriela Manssur, promotora de Justiça do Estado de São Paulo, diz que,
segundo a legislação penal, o ato sexual compreende qualquer ato que a
pessoa faça para a satisfação de seu desejo sexual. Não precisa ser
necessariamente a conjunção carnal, que é a introdução do pênis na
vagina. Pode ser, por exemplo, sexo anal, oral, passar as mãos no seio,
apalpar a pessoa fazendo força.
"Não há necessidade de violência física, há situações em que essa violência está presumida. Mas, se a mulher não conseguir por alguma circunstância oferecer resistência e evitar que isso ocorra, pode ser considerado estupro uma violência presumida em situação de vulnerabilidade temporária naquele momento do ato sexual", diz a promotora Gabriela Manssur.
A lei aborda a questão da violação sexual mediante fraude, chamada de estelionato sexual, e situações de estupro mediante violência presumida, que são essas situações de vulnerabilidade.
"Na violação sexual mediante fraude, essa mulher acaba consentindo com a
relação sexual, ela está sendo enganada, então ela acaba tendo esse
consentimento viciado, ela não está manifestando a sua vontade livre e
consciente. Esse poderia ser um estelionato sexual. E há a questão da
vulnerabilidade, quando ela não consegue oferecer resistência, mas está
sendo contra a vontade dela, ela não queria fazer aquilo, mas ela não
consegue oferecer resistência, porque alguma circunstância tirou essa
possibilidade de manifestar seu consentimento", explica a promotora.
Gabriela Manssur diz que é comum que vítimas desse tipo de crime não falem sobre ele imediatamente após ocorrido.
“Esse tipo de abuso sexual, esse tipo de violência contra a mulher, ele
paralisa, ele silencia a mulher vítima de violência. Ela não consegue
reagir porque é como se ela estivesse congelada. Ela fica paralisada,
naquele momento ela não entende o que está acontecendo. E depois de um
tempo ela se sente muito envergonhada com aquilo que aconteceu e começa a
perguntar: por que eu não gritei? Por que eu não saí correndo? Por que
eu não reagi? Ela não consegue entender por que ela estava naquela
situação, como ela foi parar naquela situação, principalmente nos abusos
sexuais que não têm aquela violência física e ameaça de morte."
O que diz João de Deus
O G1
tentou contato, no sábado (8), por telefone, com a assessoria de
imprensa de João de Deus . No entanto, as ligações não foram atendidas.
Ao programa Conversa com Bial, a assessoria do médium afirmou, em nota,
que "há 44 anos, João de Deus atende milhares de pessoas em Abadiânia,
praticando o bem por meio de tratamentos espirituais. Apesar de não ter
sido informado dos detalhes da reportagem, ele rechaça veementemente
qualquer prática imprópria em seus atendimentos".
Trajetória do médium
João Teixeira tem seguidores famosos e já recebeu visita de
personalidades como a apresentadora americana Oprah Winfrey. Ele foi
apadrinhado por Chico Xavier e, antes de fundar a Casa Dom Inácio, em
1976, peregrinava pelo país fazendo cirurgias espirituais, segundo reportagem do jornal O Globo.
No início do seu trabalho, João de Deus foi alvo de denúncias de
exercício ilegal da medicina. Depois, também foi acusado de sedução de
uma menina menor de idade. Foi absolvido por falta de provas.
De acordo com a revista "Época",
o religioso já foi acusado também de atentado ao pudor, contrabando de
minério e assassinato. Em nenhum dos casos foi julgado culpado.
Ele nasceu em Cachoeira da Fumaça (GO), filho de um alfaiate e uma dona
de casa. Estudou até o segundo ano do ensino fundamental. Tem 11 filhos
– cada um com uma mulher diferente. A revista "Época" diz que alguns
deles são evangélicos, e não seguem a espiritualidade atribuída ao pai.
João de Deus rejeita o rótulo de santo ou de ser um homem especial.
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