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Efeito do Ácido Acetilsalicílico em Eventos Cardiovasculares e Saiba mais Sangramento em Idosos Saudáveis
Autor:
Lucas Santos ZambonDoutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.
Última revisão: 28/11/2018
Contexto Clínico
O
benefício do ácido acetilsalicílico (AAS) na prevenção de doença
cardiovascular ou cerebrovascular (DCV) é bem estabelecido no contexto
da profilaxia secundária. Contudo, seu benefício na profilaxia primária
não é tão claro. A prescrição de AAS para esse fim em populações idosas é
uma prática disseminada entre os médicos. Idosos, geralmente,
apresentam maior risco cardiovascular (RCV), o que potencialmente
aumentaria o benefício do AAS. Porém, também apresentam maior risco de
sangramento com o uso dessa medicação, o que poderia contrabalancear
seus efeitos benéficos.
O
ASPREE trial concluiu que, em uma população de idosos sem DCV
estabelecida ou demência, o uso de 100mg/dia de AAS não reduziu
significativamente o desfecho primário de sobrevida livre de
incapacidade.² O objetivo do presente trabalho foi analisar o impacto do
AAS nos desfechos secundários de doença cardiovascular e sangramento
maior, além de desfechos não pré-especificados e análises de subgrupos.
O Estudo
O
ASPREE trial foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico,
duplo-cego e placebo controlado. Foram incluídos pacientes com mais de
70 anos que não tinham doenças crônicas que pudessem reduzir sua
expectativa de vida (deveria ser superior a 5 anos) e sem história
prévia de DCV. Foram excluídos pacientes com diagnóstico de demência,
déficit cognitivo (miniexame do estado mental modificado .<78 -="" 4="" 5="" aas="" alimentar-se="" ao="" atividade="" atividades="" avaliadas="" b="" banheiro="" banho="" caminhar="" contraindica="" da="" das="" de="" di="" dificuldade="" e="" elevado="" em="" escore="" font="" grande="" incapacidade="" ir="" katz="" local="" ndice="" no="" o="" ou="" outro="" para="" realizar="" ria="" risco="" s="" sangramento.="" seis="" sicas="" significativa="" tomar="" transferir-se="" um="" uma="" uso="" vestir-se="" vida="">78>
Os
pacientes que preenchiam os critérios de elegibilidade foram submetidos
a uma run-in phase de 4 semanas com uso de placebo, sendo incluídos os
que tivessem uma aderência igual ou superior a 80%. Eles foram, então,
randomizados (1:1) para receber 100mg de AAS de liberação entérica,
1x/dia, ou placebo. O seguimento foi feito com consultas anuais e
ligações telefônicas a cada 3?6 meses.
O primeiro desfecho secundário de eficácia avaliado foi a incidência de doenças cardiovasculares,
um composto de doença arterial coronariana (DAC) fatal, infarto agudo
do miocárdio (IAM) não fatal, acidente vascular cerebral (AVC) não fatal
e hospitalização por insuficiência cardíaca (IC). O segundo desfecho
secundário avaliado foi DCV fatal, definido como morte considerada secundária a DAC ou AVC. O terceiro desfecho secundário avaliado foi hospitalização por IC, definido como estadia não planejada por uma noite ou mais em ambiente hospitalar em virtude de IC.
Outros desfechos secundários não pré-especificados foram IAM fatal ou não, AVC fatal ou não e eventos adversos cardiovasculares maiores (MACE),
um composto de DAC fatal, IAM não fatal e AVC isquêmico fatal ou não.
Também foram realizadas análises de subgrupos baseadas em múltiplas
variáveis como idade, sexo, local de randomização e comorbidades, dentre
outras. O desfecho secundário de segurança
avaliado foi hemorragia maior, um composto de AVC hemorrágico,
hemorragia intracraniana sintomática, ou sangramento extracraniano que
motivasse transfusão, hospitalização ou seu prolongamento, cirurgia ou
morte.
O
ASPREE trial avaliou 19.114 participantes com idade superior a 65 anos
(média de 74 anos), predominância de sexo feminino (56,4%) e caucasianos
(>90%). Hipertensão arterial (74%) e dislipidemia (65%) foram
altamente prevalentes. A maioria dos pacientes era robusta (58,8%) ou
pré-frágil (39%) de acordo com os critérios de fragilidade de Fried
modificados. O estudo foi interrompido precocemente por futilidade em
junho de 2017.
Não
houve diferença significativa entre o grupo AAS e o grupo placebo na
análise dos desfechos secundários de eficácia de incidência de DCV (HR
0,95/IC 95%: 0,83 a 1,08), MACE (HR 0,89/IC 95%: 0,77 a 1,03), DCV fatal
(HR 0,97/IC 95%: 0,71 a 1,33), hospitalização por IC (HR 1,07/IC 95%:
0,79 a 1,44), IAM fatal ou não (HR 0,93/IC 95%: 0,76 a 1,15) e AVC
isquêmico fatal ou não (HR 0,89/IC 95%: 0,71 a 1,11). Também não houve
diferença significativa entre os grupos na análise de subgrupos.
Na
análise do desfecho secundário de segurança, houve aumento
significativo de hemorragia maior no grupo AAS em comparação ao placebo
(HR 1,38/IC 95%: 1,18 a 1,62). Na análise de seus componentes,
observou-se um aumento significativo de qualquer sangramento
intracraniano (HR 1,50/IC 95%: 1,11 a 2,02), hemorragia subdural ou
extradural (HR 1,79/IC 95%: 1,06 a 3,02) e hemorragia do trato
gastrintestinal superior (HR 1,87/IC 95%: 1,32 a 2,66).
Aplicação Prática
Os
investigadores do ASPREE trial optaram pelo uso de um desfecho primário
(sobrevida livre de incapacidade), que difere daqueles tradicionalmente
usados, sendo de difícil comparação aos outros ensaios clínicos que
avaliaram o uso de AAS em profilaxia primária. Para contornar essa
desvantagem, foi feita a presente análise dos desfechos secundários, a
qual demonstrou que o uso de AAS na dose de 100mg/dia para profilaxia
primária de eventos cardiovasculares em maiores de 70 anos não resultou
em redução significativa dos eventos cardiovasculares com aumento
significativo de hemorragia.
É
de suma importância observar que o ASPREE trial foi desenhado para
avaliar o desfecho primário. Assim, não é possível afirmar que o poder
do estudo para a análise dos desfechos secundários foi adequado, o que
aumenta o risco da ocorrência de erro tipo 2 (não achar uma associação
significante na amostra que existe na população real). Além disso, essa
análise também não foi ajustada para múltiplas comparações, o que
aumenta o risco da ocorrência de erro tipo 1 (achar uma associação
significante na amostra que não existe na população real). Assim, esses
resultados devem ser interpretados apenas como geradores de hipóteses.
Assim
como o resultado principal do estudo ASPREE, a análise dos desfechos
secundários de eficácia e segurança apresentadas também reforça as
atuais recomendações do U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF)3, que não recomenda iniciar o uso de AAS para profilaxia primária de eventos cardiovasculares em pacientes maiores de 70 anos.3
Vale ressaltar que esses resultados também não permitem fazer
inferências sobre o benefício do AAS em pessoas que iniciaram seu uso
para profilaxia primária antes dos 70 anos e fazem uso crônico da
medicação desde então, não sendo possível, a partir dele, responder se o
uso de AAS deveria ou não ser interrompido após os 70 anos.
Bibliografia
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