Deus, o garimpo, as suas mazelas e o futuro da Lili
CAPÍTULO I
Três
entes resistiam no úmido aposento do esquecido
palacete de taipa nos confins brenhosos
à margem do Rio Paraguaçu.
Lili passou a
noite em claro, do outro lado da meia parede ouvia-se uma respiração ofegante e
de vez em quando pigarros curtos , secos e em salvas, percebiam-se nos momentos
de acalmia chiados, sibilos e cornagens pulmonares, da conturbada cabeça da
cuidadora brotava o sentimento de franca
dificuldade respiratória, na visão da
Lili os arcos costais se empenavam ao máximo, se contorciam por completo
forçando o entrar e o sair do ar nos carcomidos pulmões da enferma, ouviam-se o bater das
asas do nariz ameaçando sair da face, viam-se
claramente os olhos esbugalhados a mirar o teto de palha, a fúrcula external a colar o fundo na traquéia e os finos bracinhos a flutuarem no frio,
enfumaçado e escuro aposento, o gás óleo
já no fim produzia uma chama quase sem luz , a labareda amarelada a queimar
o artesanal pavio de algodão do velho, amassado, pegajoso e encardido
candeeiro a enuvear o aposento, era o começo de mais uma Ave Maria , corre Lili até o baú, acende
mais uma vez a já consumida vela
cuidadosamente guardada para as horas de necessidades, na cabeceira da moribunda, com a parafina em
chamas, os três entes aguardam o
amanhecer do dia.
CAPÍTULO II
Com a enferma em brasa, o cheiro ocre
da queima do couro cabeludo, dos finos pelos e do ressecamento das
mucosas inunda a pequena casa de chão
batido.
Pela manhã abrem-se as pequenas portas e as duas únicas
janelas de madeiras agrestes, por elas entra um vento frio e aromatizado pelos
cedros campestres da margem do majestoso rio e substitui o bafo doentio da noite orvalhada,
do suor ardido , da uréia impregnada nas vestes, nos molambos e no colchão de
chita recheado de palhas de licuri.
Enquanto a moribunda dormia e entrecortava o sono na cansada e interminável noite, o corpo
ardia em febre a consumir e exaurir a
sua insubstituível fonte da vida, a
primordial água.
Os cabelos ralos e secos, os olhos foscos e fundos, o nariz a bater as asas freneticamente consubstanciavam uma
enfermidade grave e crônica . Lili era a única prova viva que aquela criatura
consangüínea, carne de sua carne, vivia ou
vegetava, vegetava para
viver ou vivia para vegetar.
Chá de quina quina, lambedor de cebola, de ovos, de malva, de cupim, lambedor para tosse brava, para tosse seca,
para tosse com catarro, sumo de mastruz,
creme de alho com mel de abelha, xarope
de babatimão, banho morno com salsa
caroba cabacinha e entrecasca de aroeira, reza com pinhão roxo e folha de mamona
faziam parte do arsenal terapêutico , crença da medicina popular , a moribunda recebia de tudo
e apelava para todos.
Cadeira de madeira com fundo em couro de bode, catre de couro
cru, panelas de ferro, potes, purrões e
moringas de barro, canecas e copos de
flandres, pratos esmaltados e colheres de madeiras eram os utensílios que
ornamentavam a velha cozinha.
O primordial e matutino sol, a filha Lili, o gato mimi e o natural arsenal de chás, beberagens e infusões lhe davam prosseguimento à sofrida e cambaleante vida.
O primordial e matutino sol, a filha Lili, o gato mimi e o natural arsenal de chás, beberagens e infusões lhe davam prosseguimento à sofrida e cambaleante vida.
Este castigo iniciara
duas ou três décadas atrás, brotava de quando em vez, porém a juventude,
o verdor da vida, o intumescimento
diário dos hormônios , o florescer ovariano, as meizinhas regionais, o repouso e o fervor sexual faziam com que
não aflorasse e que tudo fosse suprimido
pela jovialidade da mais linda, escultural e desejada cabocla do Paraguaçu.
CAPITULO III
Fim de inferno, campos encharcados, moleza no corpo,
indisposição para fornicar, sinais de dias difíceis, a principal atividade
profissional prejudicada, frio com bate queixo no final da tarde, suores
noturnos, tosse seca, fraqueza no corpo e dores nas ancas, tudo atribuído ao cansaço
das festas da padroeira, noites e mais noites sem descanso, mal dormidas
regadas a vinhos agrestes e a pingas da Chapada Diamantina .
A moribunda era pele e
osso, olhos esbugalhados , ancas sem carnes, batidas, pele com manchas escuras
devido a pressão das pontas dos ossos pélvicos e sacrais no que sobrou dos
antes desejados glúteos, de longe nem parecia aquela cabocla oriunda das tribos Maracás ou Cariris, cabocla fogosa,
torneada, ancuda, dengosa, cheirosa, atrevida e exibida , o maior chamego dos homens nas épocas auríferas da Chapada Diamantina , das vacas gordas do garimpo de Andaraí e de todo a região banhada pelo rio Paraguaçu, fogosa no passado e hoje um
traste, um nada , uma insignificância.
Restaram -lhe a Lili, o gato Mimi e Deus. Quando a velha se foi,
ficou a Lili, a mesma vida, os mesmos trajetos, o mesmo meio de vida , a mesma cantilena
e ladainha, o mesmo rio, os mesmos homens, o mesmo fogo juvenil e o mesmo destino, o mesmo fim de inverno, a
mesma febre vespertina e molhada , a mesma tosse e o mesmo caminho, agora só
Lili , Deus , o gato e a solidão.
Naquele ermo
abandonado, inóspito, úmido e desabitado, sem companhia, sem paradeiro, sem rumo e sem prumo, viveu Lili menos da
metade do tempo de labuta dispensado à genitora, agora com tosse convulsa,
sibilos, calafrios, tiragens, cornagens, dores em todos os locais do corpo,
olhos esbugalhados, nariz com as narinas dilatadas e asas a baterem , chás, lambedeiras, infusões,
sumos e o cheiro ocre a inundar o pobre aposento.
Mimi de um lado , Deus do outro, sem velas, sem testemunhas, sem socorro e sem
olhos, Lili se foi. Foram-se as duas vidas naquele descampado fim de mundo, só Deus e o Gato a habitarem o
arrebol, depois Deus , o Gato e o banzo, para depois só Deus, o Mimi também se
foi, agora só Deus e aquela imensidão da natureza, a Chapada Diamantina , a
metrópole Andaraí , a vida mundana ,
muitas Lilis e o rico Rio Paraguaçu.
Assim foi consumido o futuro da Lili.
Iderval Reginaldo Tenório
Zé Ramalho - Vida de Gado - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=V25dmbvf4p4
25 de ago de 2008 - Vídeo enviado por Bunniyhp
Essa música retrata a alienação do povo, que cansado de tanta miséria, esperam que um "messias" os ...Zé Ramalho - Vida de Gado - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=e085Ve4jDPw
1 de dez de 2013 - Vídeo enviado por juaceni
Admirável Gado Novo - Zé Ramalho - Vida de Gado - Duration: 4:50. alissontds 33,607 views · 4:50 ...Vida de gado - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=TjlB0ab6l8E
12 de jan de 2015 - Vídeo enviado por Abranches
3º música do nosso canal, oi gente, td bem:? mais uma música na nossa coleçãoZé Ramalho - Vida de Gado - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=JGdy_kc27zI
14 de mai de 2015 - Vídeo enviado por Anti Nova Ordem
'' Essa música retrata a alienação do povo, que cansado de tanta miséria, esperam que um "messias .
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