sexta-feira, 18 de outubro de 2013

PEDAÇO DA VIDA DE UM MEDICO RESIDENTE.


PEDAÇO DA VIDA DE UM MEDICO RESIDENTE.
 
                                                     

                                                                               
LAIBOS

1-Estavam os filhos, as netas  , a mãe e alguns convidados num tremendo bate papo, quando a matriarca aos 98 anos de idade para mostrar o bom exemplo para as netas falou.

____Olhem eu nunca coloquei batom nos meus beiços.

O filho mais velho semi-analfabeto e tirado a intelectual num tom esclarecedor disse:

___Mãe, num é beiço não mãe, quem tem beiço é os animá, cavalo e boi, nós humano tem é láibos.



A SESSÃO

2- O meu irmão mais velho era presidente da câmara de Vereadores.
 Na semana da Pátria ao abrir a sessão assim falou.

___Dou por abrida a sessão.

O seu secretário de imediato falou baixinho no seu ouvido.

__Presidente num é abrida não Presidente, é aberta.

O Presidente sem titubear fala em voz alta:

___Ou aberta ou abrida ,a palavra ta dizida.


A PALAVRA

3-Quando o meu irmão era um simples vereador recém eleito pouco falava no plenário.
 A sala onde funcionava não era climatizada e as janelas ficavam abertas nas noites de sessão.

Depois de aberta a sessão o presidente falou:

____Está facultada a palavra .

O meu irmão se levantou e de imediato o presidente falou:

___E o novo vereador Clemente Silva levanta para falar.

Na bucha o vereador Clemente retrucou comprimindo os ombros
 no surrado jaleco de veludo marrom.

___Num quero falar não seu Presidente eu me alevantei foi para fechar a gilena,
pois tá fazendo um frie da gota adonde eu tô.




DONA MARIA




14-No Hospital Roberto , Salvador Bahia, quando Médico Residente de Cirurgia Geral descíamos para o almoço-
 Dona Maria era uma das funcionárias que,  na rampa do restaurante,  colocava os alimentos nas bandejas de aço, utensílios estes  divididos em 04 ou 05 compartimentos.
Neste dia,  seria servido como complemento cubinhos de abóboras, por sinal muito gostosos, principalmente  quando untado na manteiga.
Eu na fila, bandeja na rampa e do outro lado dona Maria, roupa comum , um grande jaleco branco por cima, touca na cabeça, braços curtos, luvas de polietileno incolor e voz estridente.

___Quer abroba dotô Reginaldo, o sinhô quer abroba na manteiga .

Já com a concha cheia de cubinhos a despejar na minha bandeja  .

Na fila muitos residentes, muitas enfermeiras e muitos funcionários à escuta.

Olhei para Dona Maria e respondi num tom de brincadeira.

___Dona Maria na minha terra o Ceará quem come abóbora é porco.

Dona Maria não contou conversas:

___Aqui tumem dotô, aqui tumem,  quer mais um pouco?

E foi assim os melhores dias naquela casa que era uma verdadeira família.




O ESPECIALISTA


15-Era eu o cirurgião Geral do Plantão e chefe de equipe.
Ao chegar na sala da ortopedia, estava deitado na maca  um senhor que beirava os 50 anos, três ortopedistas, dois residentes o R1 e o R2, quatro internos, duas auxiliares de enfermagens.

___Quer que houve aí doutores?

___Esse senhor luxou o braço direito e estamos aqui tentando resolver o caso.

Atlas aberto, desenhos múltiplos sendo discutido por toda a equipe, 
residentes empolgados ,diazepam nos músculos, técnicas aplicadas e todas
 as manobras sem resultados.

Entrei, perguntei pelo seu nome, falei que o cabra era macho, não era como esses frouxas da capital, certifiquei da causa da luxação, conferi  o diagnóstico. era  uma luxação verdadeira. 
O paciente tomou afeição por este cirurgião de plantão, depois de 10 minutos de papo até parecia que já éramos conhecidos de longas datas, falei da vida que levei na lida do campo, nas laçadas  de bois, na amarras de feixes de lenha, dos banhos de rios, das  corridas de cavalos e nas pegas de bezerros bravos nos braços, falei das  nas quedas, dos arrancas as unhas nas capoeiras dos sertões. 
O homem se entusismou. O seu braço luxara pela manha,  quando jogou o laço na pega de uma vaca e no puxão que deu,  a cabeça do úmero saiu de sua cavidade

Pedi licença aos ortopedistas para aplicar a velha manobra aprendida no saudoso  Hospital de Urgência da Bahia- o tradicional HGV, recebi a aprovação de todos.

Expliquei ao paciente a manobra que faria, o paciente concordou , então com voz firme ordenei:

___Fique reto na maca, estique os braços colado ao corpo, vou puxar o braço direito afastando do seu corpo até a sua colocação na cavidade que já expliquei ao senhor,  pode doer um pouco,  mas,  peço para agüentar, vou mandar os meninos segurar a maca e outro segurará o seu tórax.

Tirei o meu querido dokside branco do pé direito, tirei a meia surrada, levantei a minha perna direita e com o dedão maior do pé  na axila do paciente localizei a cabeça do úmero, me pendurei esticando o seu braço  direito como se fosse uma corda, os músculos foram relaxando, relaxando,  até o ponto máximo de afastamento permitido pelo paciente, com uma manobra plácida e certeira , empurrei com o dedão a cabeça do osso na cavidade da omoplata e lá estava a luxação resolvida.

O paciente não contou conversas, levantou, abriu os braços, fez diversas manobras sem dor e abriu o bocão.

____É doutô, esses homens iam me matar, já chega os de Candeias e os de Camaçari que quase arrancam o meu braço, ando a dois dias e sem solução obrigado doutor, obrigado.
 AINDA BEM QUE CHEGOU O ESPECIALISTA.

Foi uma tremenda gargalhada. Tem horas que a tática fala mais alto.

                                Iderval Reginaldo Tenório
                                       Médico Residente R4
                                              1986

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