Dialética
A dialética é um amplo e antigo modo de operação do pensamento racional dentro da filosofia. Não é possível determinar com precisão quem foi o primeiro filósofo a delineá-la, sabe-se apenas que ela surgiu entre os filósofos pré-socráticos e popularizou-se com o método socrático por meio dos escritos platônicos.
Com base em Sócrates, Platão definiu seu próprio modo de pensar a dialética, que perdurou como pano de fundo para o conhecimento filosófico durante séculos. No século XIX, Karl Marx operou uma verdadeira revolução no conceito de dialética, pensando-a baseado na luta de classes e na produção material da sociedade.
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Etimologia da palavra dialética
Dialética advém do grego dialetiké. Ao desmembrarmos a palavra, descobrimos que o termo dia representa interação, troca. Letiké possui a mesma raiz que logos, significando, portanto, palavra, razão ou conceito. Assim, dialética é, a rigor, uma troca de palavras, de informações que pode resultar em outra palavra ou informação.
O que é dialética?
Não há um consenso sobre a origem do termo dentro da história da filosofia. Alguns historiadores dizem que o “pai” da dialética teria sido Heráclito, ao identificar esse movimento intelectual como algo presente e fundante da natureza: uma troca de informações do constante movimento da natureza que resulta num complexo entendimento do natural como algo que sempre muda e nunca fica estático.
Outros historiadores apontam a origem da dialética na filosofia de Zenão de Eléia, discípulo de Parmênides, como um preceito para os paradoxos criados pelo filósofo para provar o imobilismo. De qualquer modo, há um consenso de que a dialética originou-se entre os pré-socráticos, mas foi Platão quem popularizou, aprofundou e, de fato, teorizou o seu conceito.
A dialética é, a princípio, um jogo de ideias, concepções ou palavras que resulta no embate por serem elas, entre si, diferentes. O resultado do embate de ideais diferentes pode proporcionar uma nova ideia. Dialética pode significar a arte de debater, de persuadir, tendo então uma estreita relação com a retórica.
Em suma, podemos dizer que a dialética é uma espécie de movimento da argumentação com fundamento no intelecto e na razão. No entanto, ela sofreu transformações ao longo do tempo de acordo com cada pensador. Nos próximos tópicos deste texto, faremos uma incursão no conceito de dialética de acordo com alguns filósofos.
Dialética socrática
Sócrates não falou diretamente da dialética, mas o seu modo de filosofar era bastante dialético. Não existem escritos deixados por esse pensador grego que marcou a filosofia clássica. No entanto, os diálogos socráticos deixados por Platão são uma referência para entender-se a dialética antiga, tanto no que tange ao pensamento de Sócrates quanto no que tange ao pensamento do escritor dos diálogos, o filósofo Platão.
Sócrates desenvolveu um método filosófico dialógico (feito por meio de diálogos) conhecido como maiêutica. A maiêutica socrática consiste numa sucessão de perguntas aos interlocutores visando fazer com que eles demonstrem uma resposta. No entanto, a constatação de Sócrates era que seus interlocutores, que se julgavam detentores do saber sobre o que era perguntado, não conseguiam responder satisfatoriamente às perguntas. Aliada à maiêutica, Sócrates utilizava-se da ironia como modo de instigar os interlocutores.
O método filosófico socrático pode ser considerado dialético por apresentar as contradições lançadas por seus interlocutores e, com base nisso, conseguir formular um conhecimento novo, uma formação de um conceito sobre determinado assunto. Ao demonstrar que seus interlocutores lançavam respostas contraditórias, o filósofo conseguia expor uma nova forma de conhecimento racionalmente válida, que formava um novo conceito.
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Dialética platônica
Platão, discípulo de Sócrates, além de escrever os diálogos socráticos, imprimiu nesses textos a sua própria filosofia. Platão pode ser considerado o filósofo que, de fato e pela primeira vez, conseguiu estabelecer de forma correta e concreta o conceito de dialética.
A dialética platônica faz parte do seu projeto epistemológico, que afirma que existem duas formas de conhecimento: uma superior e uma inferior. O conhecimento sensível (da experiência prática, advindo dos sentidos do corpo) seria o tipo inferior, enquanto o conhecimento inteligível (advindo do intelecto, do raciocínio e da razão) seria o superior.
Para Platão, o ser humano era composto por uma dualidade chamada de psicofísica: corpo (material) e alma (imortal). A alma estaria relacionada ao conhecimento inteligível, era superior e perfeita. O corpo, material, era imperfeito.
Nessa relação, o ser humano deveria sempre buscar o conhecimento intelectual para chegar à verdade. Como esse conhecimento estaria ligado à alma e esta seria imortal, logo, ele ficaria impresso na alma para sempre. Segundo Platão, o que acontecia é que, no momento em que a alma encarnava, ela se esquecia temporariamente dos conhecimentos obtidos anteriormente.
O processo de rememoração dos conhecimentos esquecidos na encarnação da alma seria de suma importância para que a pessoa chegasse a um conhecimento verdadeiro. Esse processo somente seria possibilitado pela educação (paideia, para os gregos). Para Platão, um dos processos da paideia seria a dialética.
A dialética, nesse sentido, compreenderia um processo complexo para chegar-se ao conhecimento da verdade, pois ela apresentaria as possíveis contradições em relação à verdade e mostraria o caminho para chegar-se ao conhecimento verdadeiro. O cerne dessas contradições estaria, justamente, na contraposição do conhecimento inteligível (das ideias) com o conhecimento sensível (do corpo) por meio do processo educativo da paideia.
Dialética de Aristóteles
Aristóteles foi discípulo de Platão. Apesar da divergência com seu mestre, o filósofo continuou na esteira da dialética, dando a ela novo significado e nova interpretação. Para Aristóteles, a dialética consiste num procedimento lógico de verificação da validade dos argumentos, construídos em cima da linguagem.
Na filosofia aristotélica, existem dois processos centrais que delimitam o conhecimento: a lógica e a dialética. A lógica busca fundamentação na demonstração cabal do que foi enunciado e nos chamados axiomas. Já a dialética assenta-se na opinião, mas em um tipo específico de opinião: a endoxa (boa opinião). Para o filósofo, a opinião poderia ser descartável ou proporcionar um conhecimento válido, de acordo com o que é demonstrado no argumento apresentado. Se o conhecimento opinativo for válido e coerente, podemos ver nele o resultado de um processo dialético.
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Dialética materialista
A dialética materialista foi proposta pelo filósofo contemporâneo Karl Marx. Marx foi profundamente influenciado pelo filósofo (também alemão) Georg Wilhelm Friedrich Hegel, um pensador considerado partícipe do movimento intelectual chamado idealismo alemão.
Como idealista, Hegel estava profundamente ligado à teoria platônica das ideias. Por isso, ele ressuscitou a dialética platônica e aprimorou-a, formulando-a da seguinte maneira: a dialética consiste na contraposição entre uma tese e uma antítese (tese contrária), que formam uma síntese (conhecimento novo).
No início de seus estudos, Marx ligou-se ao idealismo alemão e à filosofia de Hegel, mas, com o passar dos tempos, o pensador afastou-se dessas teorias. Para Karl Marx, um dos fundadores do socialismo científico, não fazia sentido uma filosofia que não propusesse e nem interferisse na prática, na realidade material da sociedade.
Ele havia entendido que a história da humanidade dá-se por sua produção material, e que essa produção material é que compõe o mundo objetivo das relações. Por isso, o filósofo alemão rompeu com a tradição idealista e fundou o materialismo histórico dialético, uma teoria que enxergava o mundo com base em suas contradições e seus desvios.
Para Marx, a história do mundo dá-se por meio de uma contradição (em especial no contexto capitalista industrial europeu do século XVIII), que é a contradição de classes sociais. Segundo o filósofo, o mundo expressa a sua dialética no embate entre as classes, que se opõem enquanto conceitual e materialmente diferentes.
No capitalismo, as duas classes sociais seriam a burguesia (donos dos meios de produção) e o proletariado (trabalhadores). Para Marx, essa diferenciação levaria ao momento em que o proletariado perceberia as contradições do sistema capitalista (que explora os trabalhadores) e revelaria uma nova situação. Essa nova situação seria como uma antítese, que revelaria a revolução do proletariado, que se libertaria de sua situação de exploração.
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