Quando criança, na minha cidade natal, Juazeiro do Norte, lá no Sul do Ceará, ficava impressionado e sempre que podia passava horas a observar os mendigos nas vias e logradouros públicos , muitos pediam ao toque do violão, sanfona, rabeca, pandeiro, reco-reco, chocalho, serrote, cavaquinho e diversos outros instrumentos musicais representando a ancestralidade da região, os que nada tocavam estendiam piedosamente as mãos e com misericórdia pediam algo para encher a barriga.
Todos eram colocados no mesmo saco, no mesmo balaio, bastava um defeito físico, visual ou mental para serem tachados de pedintes.
Depois que a gente cresce e conhece as agruras da vida , passa a entender o quadro sociológico daqueles humanos, muitos eram pacientes psiquiátricos abandonados pelas famílias e pelos poderes públicos, outros , vitimas do alcoolismo crônico e viviam abaixo da linha da pobreza, agora pasmem, diversos eram verdadeiros gênios , artistas natos, ícones do regionalismo e das tradições milenares dos povos que viviam na região , por serem deficientes físico , auditivo ou visual utilizavam-se das artes oferecidas por Deus para as suas sobrevivências .
Tocavam flautas, pífanos, pandeiros, lâminas de serrotes, cítaras, sanfonas, rabecas, pé de bode, triângulos, berimbaus, berrantes, pratos, cavaquinhos, violas, violões, triângulos, pandeiros, apitos, colheres, garfos, cabaças, maracás e outros instrumentos , outros por não saber tocar utilizavam os dedos, os lábios, batiam com as mãos no tórax e outras estripulias para ganhar o pão de cada dia, muitas destas artes eram executadas simultaneamente pelo mesmo cidadão.
Perdia
horas e horas a ouvir as suas apresentações , as suas músicas e as suas anasaladas
vozes, hoje cheguei à conclusão que aquelas horas não foram perdidas , foram
sim , horas importantes na formação cultural, regional e folclórica que jamais
sairão da mente, foram horas ganhas. Depois de consciente e adulto
agradeço as horas perdidas, horas que na verdade foram as horas mais
achadas da minha vida, gravadas na mente e importantíssimas para a minha
formação humana, social e cultural .
O que mais apreciava eram as histórias cantadas nas sua características
vozes, muitas vezes choradas, anasaladas , gemidas e arrastadas, muitos
foram os clássicos e os benditos gravados na minha mente , hoje repito
espontaneamente, fruto das observações destes guerreiros Caririenses.
Obrigado abnegados e injustiçados gênios do meu Cariri, de minha serra do Araripe, da minha Juazeiro do Norte, do meu abençoado Ceará.
Ao Cego Oliveira, Meu Mano, Bigode do Maneiro Pau e a todos os cantadores de rua,
obrigado pelas aulas não valorizadas e que hoje cora de vergonha as faces
daqueles que viveram, nada fizeram e não souberam valorizar aqueles
professores e perpetuadores das artes .
Viva os nossos gênios tão maltratados , porém admirados por uma leva de
inocentes que fariam de tudo para voltar a conviver com todo aquele
universo cultural . Se possível fosse bradaria em voz alta para todo o
mundo escutar: Estes ícones são os elos entre a ancestralidade e o futuro,
muitos artistas da modernidade devem a eles os seus vastos conhecimentos sobre
a humanidade. Escutem o Raul Seixas, o Alceu Valença, o Ariano Suassuna, o Luiz
Gonzaga, o João Silva, o Luiz Fidelis, o Chico Anysio, o Adonias Filho, o
Jorge Amado e todos os ícones da cultura
brasileira e tenham certeza que foram os artistas analfabetos, os
doidos e os abandonados das ruas que alimentaram parte dos
seus encéfalos.
Obrigado meus professores da vida e salve esta bela e democrática
cultura, viva os ícones que ficaram no esquecimento, mas que brotam de vez em
quando das nossas mentes e em todo o cancioneiro raiz desta civilização.
Muito obrigado meus eternos professores.
Salvador,12 de Março de2012
Iderval Reginaldo Tenório
Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto 5 jan 2020 Crato-CE ...
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