Zezinho , o Rei Leão e a CIDADANIA.
Zezinho foi ao circo , ao terminar espetáculo queria saber como viviam os animais que encantaram a plateia, principalmente o leão, pois o achou manso, educado e muito obediente.
O pai conseguiu realizar o pedido da criança. O menino foi com o cuidador à jaula do Leão, ficaram à certa distância, porém atentos e vigilantes .
Zezinho puxou uma prosa com o felino, desconfiado e com medo deu boa tarde , o leão deitado e indiferente permaneceu imóvel, de soslaio e vagarosamente abriu os olhos.
O menino insistiu, o leão levantou-se e foi até o
gradil. Por defesa Zezinho se afastou, pois o animal é irracional,
selvagem, carnívoro e feroz, tinha um odor ocre muito forte.
O piso da jaula era sujo, molhado, alguns fragmentos de carne ,
dejetos fecais e urina nos cantos. De perto o
leão não era tão bonito, alegre e pomposo como aquele que se
apresentara no circo, existia algo a se decifrar naquelas duas vidas
apesar de ser o mesmo animal, moscas preenchiam a dantesca gaiola .
Zezinho tentou mais uma vez conversar com o Rei dos animais, com a voz mansa insistiu:
“Boa tarde Leão, como vai você? Eu sou Zezinho, moro nesta cidade, tenho 06 anos de idade e já estou na Escola. Como vai e o amigo?”
O Leão meio triste, envergonhado e com a voz baixa respondeu, pois não poderia ficar em silêncio diante da preocupação de uma criança.
“Vou escapando meu amiguinho, escapando e sobrevivendo dentro desta pequena jaula coberta por zinco. A água é pouca, a comida só em dias de espetáculo, geralmente restos comprados nos péssimos matadouros da região, a vida aqui é sofrida, triste, repleta de saudades e solidão"
O menino queria saber mais e descontraído fez outra pergunta.
“E por que o amigo fez tudo que o domador mandou fazer com tanta alegria, calado, obediente e sem contestar? Foi para receber aplausos ou para se mostrar?”
“Que alegria que nada meu querido amiguinho, que aplausos, que se mostrar que nada, fiz e farei para não ser castigado e nem morrer de fome, ainda sonho com a minha liberdade. O domador é mau".
Depois de uma pausa e cabisbaixo continuou:
"Ele usa uma haste de ferro pontiaguda e um chicote com aros de ferro no final, é uma humilhação, encaro como um castigo sem merecê-lo. O ferro fere e o chicote corta, o homem não tem piedade, não tem coração, desde que aqui cheguei sofro estas humilhações”
O menino insistente e curioso continuou as suas perguntas.
“Meu amigo Leão, você trabalha neste circo há quanto tempo e como arrumou este emprego?
“Isto não é trabalho meu amiguinho, não é emprego, é escravidão . Mataram a minha mãe e me pegaram com um ano de idade. Tiraram a minha honra, apararam as minhas presas , cortaram as minhas garras e eliminaram a minha masculinidade. Veja que a minha juba não cresce, é pequena, falha e sem a coloração escura, é a falta da masculinidade que faz isto. Depois de capturado me jogaram numa jaula e fui educado no chicote, no ferro e na subserviência . Só como e bebo se obedecer, para não morrer de fome fico sob o julgo dos homens, é muita maldade".
Outra pausa.
"Fui retirado de minha casa, roubado da minha família, do meu reduto e hoje vivo em terras estranhas, na haste e no chicote. Dizem os homens que este é o modelo de ensino para domar animais , só no castigo.”
Zezinho já indignado e totalmente solidário continuou as indagações :
“Qual a sua idade, o seu nome e o que pensa destes fatos?”
“Tenho 09 anos de idade e 08 de sofrimentos, moro
nesta suja jaula, não como direito, não tenho espaço e não posso me exercitar,
por isso não tenho músculos, reflexo, equilíbrio e nem destreza, vivo na
solidão, neste marasmo e sedentarismo.”
Olha para a criança, levanta a cabeça, abre a boca, encolhe a calda, mira os olhos do Zezinho e
continua:
“Sei que se estivesse na selva teria que lutar pelo pão de cada dia. Teria que
disputar uma parceira para ter os meus filhos. Teria que ter forças
, ser forte, musculoso, grandes garras , grandes presas , volumosa e
preta juba. Possuiria reflexos aguçados e valente para defender a
minha família. Assim teria descendentes para continuar
a minha linhagem, viveria com liberdade por 14 anos e depois
morreria feliz, pois é a liberdade o maior patrimônio que um animal possui”.
O leão deu uma pausa , ficou pensativo, fez uma viagem ao passado
e falou.
“Faria o mesmo caminho que o meu pai trilhou, ele era grande,
bonito , tinha robustas patas, presas pontiagudas , cortantes
garras, uma juba grande e preta, sadio, respeitado, valente e muito
feliz”.
Mais uma pausa. Engoliu as lágrimas e continuou o seu relato a lamentar a
vida.
“Eu vivenciei tudo o que aconteceu no dia que me pegaram, só em lembrar
as lágrimas vêm aos olhos. Depois de eliminarem os meus pais , fui
sequestrado por homens armados , depois vendido ao dono deste
circo"
Levantou a cabeça e com olhar tristonho continuou:
"Não tenho nome, família, amigos e nem documentos, para o mundo eu não existo, só não perdi ainda foi a esperança. Um dia ganharei a liberdade, ainda serei livre e solto, livre e liberto, como eram livres e libertas as minhas tias , a minha mãe e o meu pai , todos exímios caçadores , grandes guerreiros. Iguais às minhas tias, nas caças , nunca vi ”
O menino retrucou querendo amenizar a sofrida vida daquele gigante enfraquecido.
“Leão, aqui você tem comida, água, casa , sombra, vive na cidade e todos os dias recebe aplausos. Pode viver, segundo os estudiosos, até os 32 anos de idade, isto equivale a 18 ou 20 anos a mais do que os 14 anos na floresta. Não precisa lutar pelo pão, não precisa brigar com outros leões , nem precisa caçar as suas presas e vive na sombra, a comida vem até você”.
“Amiguinho, você não sabe o que é perder a liberdade, você não sabe o que é viver sem espaço, fora do seu reduto e nas terras dos outros, aqui é uma escravidão. Melhor viver 10 anos na selva lutando, brigando e a se defender , do que 80 ou 100 anos nesta gaiola como escravo forasteiro . Isto não é vida, isto é uma vergonha. Não existe vida sem liberdade. Nenhum ser vivo deveria viver em cativeiro, nenhum ser vivo deveria perder a capacidade de lutar pelo pão de cada dia mesmo com muito sacrifício ".
Respirou fundo e falou:
"Lutar e conquistar o seu espaço, buscar e manter a sua liberdade, saber ganhar e perder , se indignar com as atrocidades dos homens são as essências da vida, estes são os significados da vida meu amiguinho. Saiba e nunca esqueça que só existe vida se existir liberdade, o contrário é escravidão. Lute com garra e nunca perca a esperança, lute pela dignidade”.
O menino, com os olhos cheios d'água, com muita vontade de estudar e de entender detalhadamente os fatos, pensativamente se despediu do triste leão.
Salvador, 24 de setembro de 2022
Iderval Reginaldo Tenório
SAIA DO MEU CAMINHO BELCHIOR | By Brasil 100%
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