quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

HISTÓRIA QUE MINHA MÃE CONTA- A EDUCAÇÃO QUE VEM DE CASA

HISTÓRIA QUE A MINHA MÃE CONTA- A EDUCAÇÃO QUE VEM DE CASA

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.HISTÓRIA QUE A  MINHA MÃE CONTA.  
A EDUCAÇÃO QUE VEM DE CASA 

Conta a minha mãe, que um jovem de 18anos de idade encontrava-se preso ,  de vez em quando   levava correções dos seus algozes , diziam que eram  necessárias para corrigir  aqueles que se  apoderam do que é dos outros.

Certa manhã o jovem chamou o delegado e suplicou a presença de seus pais, principalmente da sua mãe.

O delegado após relutâncias resolveu atendê-lo, fez chegar até ao jovem os seus genitores.

Chegaram, foram à sala do delegado, identificaram-se e por último adentraram à cela do  adolescente.

Em respeito   o delegado informou que se retiraria para um melhor diálogo familiar.  Num rompante incompreensível  o jovem
falou ao delegado que aquela atitude não era a desejada, inclusive queria que convocasse todos os seus algozes  e assim foi procedido. Todos  na sala, a familia, o delegado e   os soldados.    O presidiário começou o seu relato

Sentado , voz trêmula e baixa,  olhos em lágrimas e moralmente abatido lamentou a sua situação, o seu estado educacional, a sua personalidade e os conceitos sedimentados em sua mente, todos plantados, colhidos  e praticados durante o convívio familiar.

De repente  levantou-se, arregalou os grandes olhos, trancou a cara e com o dedo em riste apontado para os pais, vociferou:

"Velhos desatenciosos, irresponsáveis, mentirosos e desonestos     vejam como hoje me  encontro, sem rumo e sem prumo, atordoado"


O delegado fez menção de intervir, o jovem retrucou.

"Não seu delegado, preciso falar,  preciso dizer algumas coisas. Enxerguem o filho que os senhores botaram no mundo e como criaram, vejam como hoje estou, enjaulado como se fosse um bicho,  alheio à socialização.

Fez uma pausa e continuou:

"Velhos levianos, o que os senhores faziam quando eu chegava em casa com objetos  não comprados pelos senhores? bolas e carrinhos  que nem sabiam de onde vinham?.

 O que faziam quando eu saía , dizia que ia estudar e os senhores nunca foram até a minha escola , não queriam saber das minhas notas, nunca  conversaram com os professores, nem sabiam onde eu estudava, aliás nunca se sentaram para me orientar"

Parou, respirou e com o olhar distante deu continuidade ao seu relato.

"Seu delegado , com 14 anos de idade, quando não dormia em casa , dizia que dormia nas casas dos amigos e eles nunca questionaram quem eram, onde moravam, o que faziam e quem eram os seus pais. 

Comecei a trazer dinheiro, bicicletas, relógios , jóias , roupas  e produtos alimentícios . Ficavam com parte do dinheiro,  mostravam-se satisfeitos, enchiam a  barriga , não perguntavam de onde vinham e como eram adquiridos. 

Assistiam os piores programas de televisão e achavam  corretos. Viam  filmes   de assaltos, roubos, sexos e de falcatruas, só assistiam programas deseducadores .

 Votavam em homens reconhecidamente desonestos  e corruptos, achavam que este comportamento era normal, era sabedoria, eram homens espertos, eram os seus exemplos.

Quantas e quantas vezes chegavam os cobradores e eles diziam : " diga que não estamos, que estamos trabalhando, que não sabe a hora que chegaremos .

Não esqueço de um fato muito vergonhoso, um dia cheguei em casa, beirava os 14 anos de idade,  minha mãe se aproximou e com a voz baixa  falou."

"Filho, pule o muro de seu Idelfonso, o vizinho, pegue uma galinha, quero fazer um escaldado para o jantar."

O Velho logo retrucou balbuciando:

"Cuidado, bote uma mão no bico , a outra nas asas para não fazer zoada e não dispertar seu Idelfonso"
 

"Obedientemente tirei a  sandália , pulei o muro, como se fosse um gato e   fui até o galinheiro nas pontas dos pés.  Silenciosamente, para não perturbar as outras e nem seu Idelfonso,  peguei uma gorda galinha , voltei para casa, mãe e pai já estavam com a água no fogo para pelarem o animal. 

Pelaram , botaram as penas e os miúdos  num saco e mandaram jogar lá do outro lado da rua, lá embaixo, bem longe, para que não houvesse nenhuma desconfiança por parte do vizinho. 

Comemos o escaldado. No outro dia seu Idelfonso foi até a minha casa, estava eu, meu pai e minha mãe, o homem  indagou se eles haviam visto uma galinha no seu quintal,  de imediato, na bucha foram logo dizendo:

"Nem de galinha nós gostamos, aqui há muito que não se come galinha seu Idelfonso". Fiquei impressionado com tamanha mentira, fiquei de boca aberta e achava que ludibriar  era o correto, era esperteza.

Encerrou o seu depoimento e visivelmente abatido se dirigiu ao delegado.


"Seu delegado eu mereço estes  castigos, pois
se naquela época os meus pais tivessem bons comportamentos , acompanhado a minha trajetória  escolar , corrigido as más atitudes, puxado as minhas orelhas ou aplicado  correções  simbólicas e  sem raivas,   se falassem a verdade tenho certeza que não seria o indivíduo que sou . Hoje eu sou um moleque, um safado, ninguém me respeita, não compreendo o que é ética, vivo à margem, sou um  ninguém , eu não sou nada,  sou um  desonesto, eu tenho vergonha dos meus atos."

Pode bater, eu mereço.  Vou perdoar estes velhos desequilibrados  , porém sumam de minhas vistas, desapareçam de minha vida , dela eu sei cuidar, um dia serei escutado como homem.

O delegado e os soldados após este relato foram abaixando a cabeça, diminuindo de tamanho, atônitos e pálidos levaram os lenços até os olhos, enxugaram os prantos.

O delegado com a  voz trêmula explanou o seu veredicto:

"Soldados, o homem tem cura, o homem não é ruim como se pensava, o garoto tem jeito, não foi bem orientado, o problema foi no seio familiar. 

Menino a partir de hoje tu terás um pai, uma mãe, irmãos e uma família, terás um lar."
                                                    SSa, 18 de Setembro de 1988

Iderval Reginaldo Tenório 

 

Esta história a minha mãe conta para justificar  os tratamentos duros que muitos pais dão aos seus filhos, notadamente  no seio familiar e que repercutem na socialização , na formação do caráter e da personalidade . Servem também para que os pais não fiquem traumatizados diante dos modernos conceitos psicológicos impostos pela sociedade e que muitas vezes são insuficientes , o que proporciona  o desvio de comportamento, conduta e ética do ser humano.
Enfatiza a minha mãe que , primeiro o diálogo, depois o diálogo, por último o diálogo, na sua ausência , o amor dos genitores : corretivos exemplares sem ferir o Eu do educando.
Um dia os filhos agradecerão e como agradecerão.

Salvador, 18 de setembro de 1988

Iderval Reginaldo Tenório

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