Política
Fim da aliança entre Ciro e Eunício já rendeu quase 40 processos na Justiça em 7 anos
Decisão judicial mais recente foi publicada nesta semana. Para analistas, trocas de farpas tendem a crescer a caminho de 2022
A condenação do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), pela 15ª Vara Cível de Fortaleza, a pagar R$ 100 mil de indenização ao ex-presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB), por danos morais, é mais um capítulo de uma rivalidade política que não raramente coloca dois dos principais personagens políticos do Ceará em polos opostos da esfera judicial. Em sete anos de rompimento político, os dois se enfrentam em quase 40 ações.
A ação vencida em primeira instância por Eunício, cuja decisão foi publicada nesta semana, é apenas uma das 38 que o emedebista moveu na Justiça cearense contra Ciro desde 2014, ano que marcou a ruptura política entre ambos. O pedetista também é autor de uma ação por danos morais contra Eunício, em 2015.
Com foco em 2022, a rivalidade, na avaliação de cientistas políticos, tende a se acirrar, já que a pretensão política de um tem, na do outro, um obstáculo em rota de colisão.
A decisão do juiz Gerardo Magelo Facundo Júnior, emitida no dia 30 de abril e publicada na última segunda-feira (10) no Diário de Justiça do Estado do Ceará (DJCE), se refere a declarações dadas em 2014 por Ciro Gomes, que, em sua página no Facebook, chamou Eunício de “maior corrupto da história moderna do Ceará” e “o corrupto que queria comprar o Governo do Ceará”.
Naquele momento, o emedebista disputava o Governo do Estado contra Camilo Santana (PT), indicado pelos irmãos Ciro e Cid Ferreira Gomes. O pleito foi o ponto crítico para a ruptura com Eunício, que moveu 22 processos contra Ciro só naquele ano.
Ações anteriores
Um desses processos já havia resultado, em 2018, na condenação de Ciro a pagar R$ 7 mil a Eunício, por ter dito que a campanha do emedebista ao Governo do Estado havia usado “o dinheiro fácil da corrupção”. Em outros processos movidos por Eunício Oliveira, são citados outros ataques de Ciro, que já o chamou de “aventureiro”, “mentiroso”, “lambanceiro” e “pinotralha”, este último um neologismo explicado pelo próprio ex-ministro pedetista: “Uma mistura de Pinóquio com irmão Metralha”.
Na última eleição presidencial, o pedetista afirmou que apenas “picaretas” e “assaltantes” tinham acionado a Justiça contra ele, citando, além de Eunício, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB), chamado por Ciro de “maior bandido do Brasil”, e o ex-presidente da República Michel Temer (MDB), a quem Ciro foi condenado a pagar indenização de R$ 30 mil por tê-lo chamado de “ladrão fisiológico” e “chefe de quadrilha”.
A rixa entre ambos, na maioria das vezes, segue o padrão da ofensa pública de Ciro respondida por processo de Eunício. Em 2015, no entanto, o processado foi o emedebista, após afirmar, em um programa de rádio, que o ex-governador havia desviado “cinco ou sete bilhões de reais” do Ministério da Integração Nacional para a Transnordestina.
“No dia seguinte, ele foi ser o presidente desta empresa”, disse Eunício, referindo-se à concessionária responsável pela ferrovia, comandada por Ciro por pouco mais de um ano. Chamado de “batedor de carteira”, o pedetista respondeu: “Não dá para aceitar agora ser chamado de batedor de carteira por uma pessoa que faz da política um meio de enriquecer”.
Rompimento
Aliados e alinhados durante os dois governos de Cid Gomes (PDT), entre 2007 e 2014, Ciro e Eunício romperam quando o emedebista decidiu lançar candidatura a governador do Estado no final do segundo mandato de Cid, após não ter o nome lançado pelo grupo para a sucessão.
Segundo o cientista político Cleyton Monte, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), da Universidade Federal do Ceará (UFC), o fato foi o divisor de águas na relação.
“Era um opositor que nunca foi opositor. A partir do momento em que o Eunício concorre com o Camilo e vai se afastando, os Ferreira Gomes começam a se mobilizar contra ele”, afirma.
Para o pesquisador, outro catalisador da animosidade e do afastamento político entre os dois é o projeto presidencial de Ciro Gomes.
“Quando o Ciro fazia parte, era ministro do governo Lula, era integrado ao lulismo, não havia nenhum tipo de dificuldade no trato com o MDB e principalmente com o Eunício. A partir do momento em que fica claro para o Ciro que o projeto presidencial dele necessita de um deslocamento do lulismo e de algum partido que encarne essa lógica da corrupção, e para o Ciro esse partido é o ‘velho MDB’, de (José) Sarney, (Jáder) Barbalho, Renan Calheiros e Eunício Oliveira”, analisa Monte.
Reveses eleitorais e reação
A derrota nas urnas em 2018 para o senador Eduardo Girão (Podemos) é constantemente amargada pelo ex-presidente do Senado, que, mesmo com sinais anteriores de isolamento, costuma recorrentemente disparar críticas à falta de mobilização em apoio à sua candidatura, por parte dos irmãos Ferreira Gomes e do ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), o que Eunício declara publicamente ter sido uma “traição”.
No último dia 30, depois de Girão anunciar interesse em convocar Roberto Cláudio para a CPI da Covid e receber dura resposta do ex-prefeito, Eunício expôs a mágoa nas redes sociais. "O ex-prefeito Roberto Cláudio elegeu o próprio algoz”, escreveu no Twitter.
Sem mandato e após mais um revés nas eleições municipais do ano passado, quando o MDB perdeu 39% das prefeituras que comandava no Estado (agora tem 17) e não elegeu nenhum vereador para a Capital, Eunício aposta em agarrar-se à boa fase política que viveu nos governos de Lula para tentar se recolocar no cenário.
No último dia 4, o ex-ministro das Comunicações do petista postou foto com o ex-presidente. No dia seguinte, aproveitou para alfinetar o desafeto loca. “Sobre minha conversa com o ex-presidente Lula ontem: se o Ciro ficou triste, o Brasil fica feliz.”, disse, também no Twitter. Da parte do pedetista as críticas, por enquanto, têm sido direcionadas ao próprio Lula, e não ao emedebista.
Estratégias para 2022
Por outro lado, a cientista política Monalisa Torres, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), destaca que, ao se colocar como “terceira via” na corrida presidencial de 2022, Ciro Gomes deve reforçar a posição de antagonismo a Eunício Oliveira, representante de uma das frentes que o pedetista vem atacando.
“Para construir essa imagem de terceira via ele se coloca tanto como alternativa ao bolsonarismo como de crítico ao petismo, para tentar capturar esse eleitorado antipetista, que tece críticas e associa o PT à corrupção. E, por isso, é óbvio que ele vai continuar a explorar essa narrativa de acusações em relação ao Eunício”, pontua a pesquisadora.
Nas eleições de 2018, o apoio de Lula e Camilo Santana não foi suficiente para eleger Eunício Oliveira. A imagem do ex-presidente estava em baixa. Já Camilo, personagem sempre na intersecção entre PT e PDT, não conseguiu amenizar a forte rejeição local de Eunício nas duas legendas. Se, no panorama nacional, a proximidade de Lula pode ser fator mais positivo que em 2018, no cenário local alguns contratempos permanecem, e novos podem surgir.
Um das incertezas para Eunício no pleito do próximo ano é o papel que terá Camilo Santana, de quem o ex-presidente do Congresso se aproximou após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, na condição de interlocutor entre o governo estadual e a gestão de Michel Temer (MDB) em Brasília. Em 2022, as disputas eleitorais podem gerar impasses.
“Historicamente, as alianças montadas pelo PDT, pelos Ferreira Gomes, são muito amplas, com muitos interesses divergentes, e o Camilo Santana é uma figura importante dentro desse grupo, e que tem se aproximado do Eunício. Eu não sei até que ponto o Camilo vai se posicionar, até porque ele se fortaleceu muito”, diz Monalisa Torres. Para a pesquisadora, tudo dependerá também do cargo a que o emedebista concorrer.
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