Uma viagem no tempo, às mães que nunca deixam os seus filhos.
A GRANDE VIAGEM
Iderval ReginaldoTenório
Literalmente entrou em interação com a
natureza, num abraço mútuo constituíram um único corpo . Desligou as lâmpadas, puxou as cortinas para as
laterais, abriu as janelas e as portas , colocou uma
seleção de músicas eruditas , só audíveis a olhos
fechados, respiração em extremo silêncio, incursões
cadenciadas , compassadas e meticulosamente executadas .
Deitou numa densa espuma forrada com uma felpuda colcha branca aromatizada a patchouli . Concentrado, imóvel e em meditação fechou os olhos , imaginou flutuar. À proporção que imaginava e se concentrava, paulatinamente foi se afastando , flutuando e se desligando da matéria até sair totalmente . Projetou-se no cosmo. Flutuando através dos tempos e levitando mergulhou no espaço sideral em sono profundo .
Tangenciando os planetas um por um, vazou o sistema solar , alcançou outras estrelas da via láctea . Atravessou bilhões de sistemas da via láctea até mergulhar na escuridão intergalática . Passeando por milhões ou bilhões de outras galáxias atravessou o universo , entrou noutros milhares de universos , passou a conhecer a imensidão do cosmo e a infinitude do multiverso .
Longa foi a viagem. Deu uma volta através dos tempos, fez um verdadeiro regresso, chegou à primeira estação, 1914, choro de criança, 18 de setembro, uma sexta-feira chuvosa, cinco e trinta da manhã , naquele dia nascia uma menina, mais um ser humano, mais uma semente para germinar e gerar outras vidas na terra
O vilarejo, a casa e os aposentos extremamente simples, posicionou-se no canto da sala ao lado de uma roseira. Entravam e saiam pessoas, umas novas e outras mais velhas, da cozinha saia um cheiro convidativo do verdadeiro café torrado no caco e pisado no grande pilão feito de tora de jatobá. O dia clareou , ninguém notou a sua presença , continuou no mesmo cantinho ao lado do grande jarro observando o chegar , o sair , os sorrisos, os abraços e os cumprimentos das visitas . Choro de criança , casa cheia, era um dia de fartura, muita comida, bebidas e de alegria . Tiros de bacamartes anunciaram a chegada de mais um rebento. O levitante no cantinho , silenciosamente a observar, era um dia de festa.
O sol apontou no horizonte, o orvalho salpicava as folhas da densa e verde mata, os pássaros voavam e chilreavam alegres com a torrencial aguada da noite, os raios clarearam o sertão. De repente saiu pela porta do quarto , afagada e protegida nos braços da parteira, uma bela menina, uma criança linda, cabelos lisos e pele cor de jambo. Chorava copiosamente, era uma criança chorona. Ao chegar à sala observou, olhou, arregalou os olhos castanhos e fixou os dois em cima do nobre visitante, só ela o enxergava, ao se locomover , ela virava a cabecinha para onde ele se deslocava , sempre a sorrir. Veio um pequeno silencio, a cena foi se desfazendo, a luz foi cedendo espaço à penumbra, até escurecer. O mortal continuou a sua longa viagem no infinito multiverso , navegou pelo vasto espaço sideral , no cosmo.
Quarenta anos depois entrou numa nova estação, 1954, 18 de março, quinta feira chuvosa , sete horas da manhã, aquela criança de 1914 era mais uma vez a estrela da cena . Cabelos pretos, voz segura, forças nos pulmões , um rebento nos braços e de olhos fixos na sua cria assim se pronunciou :
” Seja bem-vindo ao reino dos humanos”.
Silêncio angelical. O perfume das rosas, o olhar e os sorrisos de uma criança afloraram da sua mente e se apossaram do ambiente. Em levitação o viajante mergulhou no espaço dando continuidade ao misterioso deslocamento .
Viajou por outras plagas a observar as estrelas, a profundidade do desconhecido e fez uma nova parada, estação 2013, 11 de setembro, a estrela era a mesma menina de 1914 e de 1954, agora uma senhora de coque branco, tez macia, olhos fixos e brilhosos, voz em veludo, angelical, serena e musical. Foi ao seu encontro, fixou o olhar sobre o mesmo , o abraçou , o afagou, o beijou e mansamente balbuciou nos seus ouvidos depois de coloca-lo no colo:
“ Fique calmo , o Senhor está me chamando, irei pessoalmente ao seu encontro, morarei definitivamente na casa do Pai” e se esvaindo das suas mãos , dos seus braços e dos seus olhos foi se afastando , se distanciando , rindo, dançando, cantando e cantarolando . Cheia de vida e de alegria tomou o caminho da casa de Deus, o Criador lhe chamou.
O solitário, solto no Multiverso, fez a viagem de volta, reviu tudo que foi visto na ida, entrou no quarto pela mesma janela, olhou aquele corpo imóvel, inerte , descoberto e vazio, agasalhou-se nas suas entranhas e mais uma vez nele se albergou, o sol bateu no seu rosto, abriu descansadamente os olhos e ao seu lado surgiu uma voz:
” Seja bem-vindo ao seu mundo, estou ao lado do Senhor , estou bem , olhando por todos . Lembra daquele menino que nasceu no ano de 1914, no dia 23 de julho, numa manhã chuvosa de uma quinta-feira? manda lembranças. Aqui estamos juntos orando e rogando por todos, estamos cotidianamente com vocês, onde estamos podemos continuar próximos de todos, somos onipresentes, uma vez que só Deus, o nosso Pai, é onipotente, onipresente e onisciente”.
Serenamente o andarilho ainda inebriado moveu o corpo , mirou bem para onde vinha a voz e irrefutavelmente balbuciou:
A benção mamãe .
Aguardou um instante e a voz, somente a voz , mais distante quebrou o silencio:
“ DEUS TE ABENÇOE”
Iderval Reginaldo Tenório
ESCUTEM DO GRANDE LUIZ VIEIRA ESTAS DUAS PÉROLAS .
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