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Seu Lunga além da fama
Por Antônio Rodrigues,
antonio.rodrigues.com.br
Por trás do personagem cheio de causos criados pelos outros, um simples comerciante colecionava poesias e momentos de lazer em família
Em novembro deste ano, completam-se cinco anos da morte de Lunga. A maioria dos "causos" associados a ele são mentirosos, segundo a própria família e amigos, que guardam a memória de um homem gentil, atencioso, trabalhador e honesto.
O comerciante conheceu Carmelita Camilo durante uma missa na Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores. Os dois namoraram por oito meses antes de casar. Do matrimônio, vieram 13 filhos. 10 mulheres e 3 homens, estes últimos, já falecidos. Socorro Rodrigues Camilo, hoje com 67 anos, foi a primeira. "Ele queria um homem", lembra a técnica de laboratório. O filho do sexo masculino veio em seguida.
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Com família grande, um dos prazeres de Seu Lunga era reunir os descendentes, colocá-los na "picape" americana da marca Willis, do ano de 1951, e levá-los para seu sítio, que fica na localidade das Pedrinhas. A propriedade tem 71 tarefas de terra, com largura de 77 metros, indo das margens do Rio Salgadinho até a CE-292, recém-pavimentada, próxima ao Aeroporto de Juazeiro do Norte. "Milho, coco, banana, siriguela, goiaba. Até fumo tinha lá", enumera Socorro.
O comerciante gostava de passar o fim de semana no sítio. Era um dos seus prazeres. De lá, trazia produtos para a família e amigos. Criava porco, gado, cavalo e, curiosamente, rãs para alimentação. No inverno, plantava milho, feijão e capim para a engorda do gado. Plantas medicinais também eram cultivadas e doadas a seus vizinhos.
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Após a morte de Cícero, o vaqueiro e agricultor Damião José da Silva começou a cuidar do sítio. Foram 10 anos trabalhando com Lunga. Muitas vezes, buscando-o e deixando-o de moto na sua casa. "Me agarrava na cintura e partia", conta Damião. Ao chegar no terreno, costumava juntar as pedras soltas e colocar num cantinho para não machucar o gado. O comerciante também tirava a palha de coco do chão para o terreiro ficar limpo.
"Aqui no sítio era brincalhão. Foi um patrão excelente. Mas eu presenciei, às vezes, ele sem papas na língua. Só que o que ele gostava mesmo era dizer uma 'lua', fazer umas rimas", conta Damião. Seu Lunga gostava de contar poesias e a família reúne um material cheio. A inspiração vinha da vida na roça e também na religiosidade.
As poesias eram registradas em gravadores e na memória.Da terra divina graça/ Que se diz mimosa luz/ Só quem morreu na terra /Mas foi cravado na cruz/ Um homem que se chamava/ O menino Jesus".
Sucesso
Do "personagem Lunga", porém, Socorro alerta para histórias inventadas pelo povo. "Já fui pro Rio de avião ouvindo piada de papai no banco de trás do avião. A maioria não era verdade. Ele não era ignorante. Não gostava de pergunta idiota", pondera Socorro. Com a fama e participações em programas de TV, a loja de Seu Lunga se tornou um ponto turístico. Pessoas de todas as partes do Brasil, principalmente romeiros, passavam por lá para conhecê-lo. Ele sempre foi muito atencioso e tirou fotos com todos, isso, claro, sem sair de sua cadeira. Foi nesse momento que começaram a provocá-lo para receber alguma resposta contundente. "Dentro de casa, ele não era assim", ressalta a filha.Em 1988, Seu Lunga disputou o cargo de vereador em Juazeiro do Norte. Filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), obteve 273 votos, figurando na 56ª, sem conquistar o pleito. A própria família evita falar desta empreitada política. "Quando começaram a pedir coisa, ele não gostou", resume Socorro.
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Nos últimos dias, Seu Lunga já não conversava muito porque a voz estava frágil. "Ele sabia que ele ia, mas nunca falou pra gente que tinha medo de morrer", reforça Socorro. Na manhã do dia 22 de novembro de 2014, o cuidador que o acompanhava foi chamá-lo para tomar o café da manhã. "Vamos, Seu Lunga, comer!", pediu. Depois de olhar para o rapaz, o comerciante virou o rosto e descansou; da mesma forma costumava dormir, de lado. Desta vez, foi para sempre.
A loja foi alugada pela família para o dono de um estacionamento vizinho ao prédio, que ampliou seu negócio. O ferro foi vendido a um sucateiro de Fortaleza. O sítio ainda pertence à família, mas está arrendado por cinco anos. Por iniciativa de um comerciante juazeirense, há um projeto para construção de uma estátua de bronze na Praça do Socorro, em frente onde Seu Lunga morava.
Confira trechos das poesias de Seu Lunga:
Quem me dera ser um pássaro para no mundo voar. Eu ia para o oceano, depois podia voltar. Mas ia cair nos teus braços somente para consolar
Morava bem em Juazeiro, me transportei daqui e fui morar em Salgueiro. Lá existe uma fazenda que só existe vaqueiro. Existe também um boi, que é um grande boi mandingueiro. Se eu pego meu cavalo, um cavalo muito ligeiro. Vou derribar o boi, cavalo, boi e vaqueiro
Um comentário:
Muito bom meu caro, e esclarecedor. Gostei.
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