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Em novo recorde, dívida de aposentados chega a R$ 132,1 bilhões
O assédio dos bancos sobre beneficiários do INSS está cada vez maior. Resolução do instituto, que determina que instituições só podem oferecer empréstimo consignado depois de seis meses da concessão da aposentadoria não está sendo cumprida
postado em 10/06/2019 06:00 / atualizado em 09/06/2019 23:57
O
assédio dos bancos sobre aposentados e pensionistas está cada vez
maior. Não por acaso, o endividamento dos beneficiários do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) bateu novo recorde. Dados do Banco
Central (BC) apontam que o saldo da dívida das operações de empréstimos
consignados, com parcelas descontadas diretamente do benefício, atingiu
R$ 132,1 bilhões em abril, aumento de 11,8% em 12 meses. No ano, a
dívida cresceu 5,5%. A concessão de crédito quase dobrou na comparação
do primeiro quadrimestre, saltando de R$ 14,8 bilhões em 2016 para R$
28,4 bilhões este ano.
A
instrução normativa nº 100 do INSS, que entrou em vigor no fim de
março, determina que os bancos só podem oferecer crédito consignado a
aposentados e pensionistas depois de seis meses da concessão do
benefício. Se quiser tomar um financiamento antes desse prazo, o
beneficiário terá que ir no banco pessoalmente, depois do início do
recebimento da pensão ou aposentadoria, e autorizar a operação. No
entanto, a norma é insuficiente para impedir instituições bancárias de
pressionar seus clientes para fazer empréstimos e para evitar o
vazamento de dados, admitido pelo INSS no início de abril.
Sandra
Regina, 60 anos, recebeu ligações de instituições financeiras de São
Paulo na última semana, antes de saber que teve seu pedido de
aposentadoria aceito. “Eu abri mão da minha primeira aposentadoria,
estou tentando fazer outra. Nem sei se o pedido foi aprovado, mas todos
os dias algum banco liga na minha casa oferecendo crédito consignado e
dizendo que presta serviços para o INSS. Da última vez, o banco sabia
até quanto eu receberia de aposentadoria e me ofereceu R$ 9 mil em
empréstimo”, conta Sandra, que nunca aceitou, com medo de se endividar.
Domingo
dos Anjos, 77, paga uma dívida que se arrasta após fazer um empréstimo
consignado há 10 anos. “Me aposentei com 62 anos e até hoje recebo
ofertas de crédito. Eu deixei de aceitar há muito tempo, porque procurei
o banco para fazer empréstimo quando estava em aperto e acabei
endividado. Hoje, fujo dos bancos, que me ligam quase todos os dias”,
diz. Ele abriu dois processos na Justiça contra instituições bancárias.
“Como vou fazer empréstimos sem nem ver a cara das pessoas que estão me
oferecendo? E como eles têm meus dados? Isso é inaceitável”, reclama.
Além
de ser considerada uma forma de assédio contra idosos, aposentados e
pensionistas, a oferta de empréstimos por telefone foi proibida pela
instrução normativa do INSS n° 28/2009. Para a presidente da comissão
técnica do Instituto de Defesa Coletiva (IDC), Lilian Salgado, a medida
deveria ser mais rígida. “Os bancos descumprem a norma. Mesmo após a
resolução n° 100, continuamos a receber reclamações de idosos, que
tiveram seus dados vazados, compartilhados pelos bancos”, afirma. Ela
ressalta que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, n° 13.709/2018,
estabelece que o fornecedor precisa manter o sigilo dos dados de
clientes.
“O vazamento das informações dos
beneficiários do INSS é responsabilidade tanto da Dataprev quanto do
instituto e da Febraban (Federação Brasileira de Bancos). Há uma
responsabilidade solidária”, explica Lilian. “O IDC entende que a
insistência dos bancos para a contratação de consignado não pode ocorrer
a partir do momento em que a pessoa requereu a aposentadoria, mas só
depois de seis meses”, afirma.
A advogada especialista
em direito do consumidor Helena Lariucci aponta que o assédio fere o
código do consumidor. “O código determina que, em relação à publicidade e
à propaganda, quem oferece um produto ou um serviço deve fazer de uma
forma que não seja nem abusiva, nem enganosa. Mas verificamos que os
bancos, neste momento de crise, têm muitas ofertas de empréstimos e
ficam em cima dos clientes sem parar. O excesso de ligações é
considerado abusivo e, portanto, fere as determinações do código do
consumidor”, esclarece.
Sem fiscalização
Helena
acredita que os bancos são os principais responsáveis pelo
superendividamento dos aposentados e pensionistas. “O banco é
irresponsável na hora de oferecer empréstimos a quem já está endividado.
A instrução n° 100 vem para garantir o direito do consumidor de não ter
seu sigilo e dados violados, o que pode ser caracterizado como crime na
esfera penal, mas falta fiscalização do INSS e do Judiciário em relação
às instituições financeiras”, afirma.
A advogada
também faz críticas à medida. “A instrução fala que os bancos não podem
emprestar mais de 30% do valor do benefício em consignados, mas os
empréstimos comuns não têm essa regra. Assim, as pessoas podem ir ao
caixa e pegar dinheiro à vontade. De repente, 100% do salário ou da
aposentadoria ficam comprometidos, porque a pessoa precisa pagar o
banco. Como a população vai comer, se vestir, pagar as contas?”, indaga.
Antônio
Farias, aposentado, 68, relata que seu filho, Welderson, aposentado aos
38, ficou superendividado ao aceitar empréstimos consignados de bancos
que o procuravam constantemente. “Hoje, está passando necessidade por
causa da dívida. Fez empréstimo consignado para pagar outras dívidas e
entrou em uma situação pior ainda, de forma que não tem o que comer em
casa. Eu já fui muito importunado por bancos, ainda sou, mas como eu vi o
que aconteceu com ele, não aceito empréstimos”, conta. “O INSS não faz
nada para ajudar quando reclamamos a respeito das ligações exageradas
dos bancos”, lamenta.
Idec solicita inquérito
Para
apurar o vazamento de dados de aposentados e pensionistas, o Instituto
de Defesa do Consumidor (Idec) solicitou a abertura de inquérito, e a
Procuradoria-Geral da República (PGR) considera iniciar uma investigação
envolvendo o Instituto Nacional de Seguro Social, a Federação
Brasileira de Bancos (Febraban) e a Dataprev. No pedido, feito na última
terça-feira, o Idec cita casos de abusos por parte de instituições
bancárias e relata problemas resultantes da concessão dos empréstimos
consignados, como o superendividamento.
“Na
representação enviada à PGR, relatamos casos de pessoas que recebem
cerca de 20 a 30 ligações de bancos no mesmo dia e de aposentados que
são pressionados para aceitar novos empréstimos”, relata a economista do
Idec Ione Amorim. Segundo ela, o vazamento de dados tem impacto direto
na taxa de superendividamento do país.
Ione critica a
atuação do INSS. “A fiscalização não é capaz de coibir o acesso das
instituições bancárias aos dados pessoais”, denuncia. O Idec sugere que
os canais de atendimento do INSS sejam ampliados e melhor qualificados.
Além disso, recomenda que cartilhas informativas sejam disponibilizadas
aos cidadãos no momento do pedido do benefício. “O consumidor precisa
saber onde e como fazer reclamações em relação ao assédio dos bancos”,
defende.
Outro lado
A assessoria
do INSS ressalta que, se as regras estabelecidas pela instrução nº 100
não forem cumpridas, instituições financeiras estão sujeitas à suspensão
e até ao cancelamento do convênio para pagamento de benefícios. Em
relação às denúncias sobre consignados, esclarece que serão apuradas
pela ouvidoria e repassadas à Dataprev, para bloqueio imediato do
desconto, para o banco, a fim de solucionar o problema, e, se for o
caso, para devolução dos valores. “A partir do momento da detecção das
fraudes, os envolvidos serão alvo de apuração”, informa, em nota.
A
Dataprev, responsável por guardar os dados de beneficiários do INSS,
afirma que, independentemente da representação protocolada pelo Idec na
PGR, a empresa “apura todas as denúncias de vazamentos de dados”. “A
segurança cibernética faz parte da agenda prioritária da Dataprev. Nesse
sentido, a gestão atual criou uma estrutura de segurança de informação
vinculada diretamente à presidência da empresa”, ressalta, em nota.
Em
relação à representação levada pelo Idec ao Ministério Público Federal
(MPF), a Febrabran assinala que apenas se manifestará quando for
notificada. “Sobre o vazamento de dados, a Febraban e seus associados
não endossam e, além disso, combatem práticas que estejam em desacordo
com a legislação vigente. Os bancos trabalham com critérios rígidos para
garantir o sigilo das informações de seus clientes”, diz.
* Estagiária sob supervisão de Simone Kafruni
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