Não temos o mínimo de autoestima | Por Luiz Holanda
Um Congresso avacalhado, dominado pelo ainda deputado Eduardo Cunha e
pelo senador Renan Calheiros, faz-nos lembrar, mais uma vez, a frase
profética do imortal Nelson Rodrigues: “Nossa tragédia é que não temos o
mínimo de autoestima”.
A Operação Lava Jato, que desencadeou outras operações com o mesmo
objetivo, veio provar que o Brasil chegou ao fundo do poço, e que nós,
como cidadãos, não temos, realmente, o mínimo de autoestima. Se
aceitamos todos esses escândalos pacificamente, sem qualquer
reação, é porque achamos normal que todos os órgão e poderes da nação
sejam independentes e corruptos entre si.
Se tivéssemos o mínimo de autoestima, o senador Renan Calheiros não
estaria presidindo o Senado, o deputado Eduardo Cunha já tinha sido
cassado e os senhores Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Gilmar
Mendes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e alguns
outros jamais teriam sido nomeados ministros do Supremo Tribunal
Federal.
Falta muito para que possamos saber o que realmente aconteceu no governo
durante a administração de Lula e da gerentona. Temos apenas a ponta de
um iceberg, uma radiografia desfocada, já que todos os dias surgem
novas descobertas no esquema da roubalheira.
Agora mesmo veio à tona mais uma, na qual os corruptos prejudicavam
centenas de milhares de brasileiros vulneráveis.
Trata-se da Operação Custo Brasil, envolvendo o ex-ministro Paulo
Bernardo, marido da senhora Gleisi Hoffman, que virou réu no processo
que apura sua participação em crimes como lavagem de dinheiro, corrupção
e obstrução à investigação de organização criminosa.
Procuradores federais apontaram o ex-ministro como o “patrono” e “líder”
de uma organização criminosa composta por treze pessoas, cujo objetivo
era arrecadar dinheiro de aposentados endividados para irrigar as contas
de agentes públicos e do próprio PT, segundo
os relatórios que serviram de base para a investigação.
O esquema desvendado funcionava da seguinte maneira: cada servidor
(aposentado ou da ativa), que contraia um empréstimo com desconto em
folha, pagava R$ 1 por mês para a quadrilha, sendo que, para cada R$ 1
pago, R$ 0,70 era arrecadado como propina, e se dirigia
para “o gordinho ou para o número 1”, sendo que este – segundo os
procuradores e os diálogos interceptados-, era o ex-ministro Paulo
Bernardo. O restante, ou seja, R$ 0,30, era para a empresa que
gerenciava o esquema.
A imprensa divulgou que antes de o dinheiro chegar a Paulo Bernardo,
passava por um escritório de advocacia comandado pelo advogado do
ex-governador do Paraná, Roberto Requião. Esse advogado pagava as
despesas de Paulo Bernardo por meio de três contas bancárias,
conforme planilhas apreendidas pela Policia Federal.
O juiz federal Paulo Azevedo, que se insurgiu contra a decisão do
petista Dias Toffoli, que libertou Paulo Bernardo da prisão, disse que a
peça acusatória “descreve de forma suficientemente clara os crimes de
organização criminosa, corrupção e lavagem de valores”.
E mais: “A denúncia também descreve adequadamente a materialidade e a
autoria delitiva”.
Os procuradores responsáveis pela investigação disseram que o
ex-ministro recebia, no início, 9,6% do arrecadado, mas tão logo deixou o
ministério, em 2012, passou receber 4,8%, sendo que, em 2014, recebia
apenas 2,9%. No total, o marido de dona Gleisi teria
recebido R$ 7 milhões como propina. É lógico que o ex-ministro nega
tudo, mas segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, “Paulo
Bernardo vem tentando ocultar seu patrimônio com o intuito de se
isentar da aplicação da lei penal”.
É uma pena que a nossa falta de autoestima permita que essa gente seja
acusada de assaltar os cofres da nação sem que nada lhes aconteça. Para
nós, basta que tenhamos TV a cabo, celular, futebol, carnaval e outras
coisinhas mais para valores como honra, decência,
ética e educação passarem ao largo da percepção coletiva.
Somos tão irresponsáveis e sem autoestima que até o ditador venezuelano,
Nicolau Maduro, mandou seus aviões Sukhoi SU-30 sobrevoarem os céus de
nossas fronteiras na região amazônica sem que houvesse qualquer protesto
do Brasil. Nossa Força Aérea só dispõe,
na região, de dois caças F-5 para fazer frente aos 30 aviões russos da
Venezuela.
Nelson Rodrigues tinha razão quando disse que nós não temos autoestima.
Só faltou ele dizer que somos um povo que não temos, sequer, vergonha na
cara. Que República!
*Luiz Holanda é advogado e professor universitário.
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