Ingém de Ferro
Ingém de ferro, você
Com seu amigo motô,
Sabe bem desenvorvê,
É munto trabaiadô.
Arguém já me disse até
E afirmô que você é
Progressista em alto grau;
Tem força e tem energia,
Mas não tem a poesia
Que tem um ingém de pau.
O ingém de pau quando canta,
Tudo lhe presta atenção,
Parece que as coisa santa
Chega em nosso coração.
Mas você, ingém de ferro,
Com este horroroso berro,
É como quem qué brigá,
Com a sua grande afronta
Você tá tomando conta
De todos canaviá.
Do bom tempo que se foi
Faz mangofa, zomba, escarra.
Foi quem espursou os boi
Que puxava na manjarra.
Todo soberbo e sisudo,
Qué governá e mandá tudo,
É só quem qué sê ingém.
Você pode tê grandeza
E pode fazê riqueza,
Mas eu não lhe quero bem.
Mode esta suberba sua
Ninguém vê mais nas muage,
Nas bela noite de lua,
Aquela camaradage
De todos trabaiadô.
Um falando em seu amô
Outro dizendo uma rima,
Na mais doce brincadêra,
Deitado na bagacêra,
Tudo de papo pra cima.
Esse tempo que passô
Tão bom e tão divertido,
Foi você quem acabô,
Esguerado, esgalamido!
Come,come interessêro!
Lá dos confim do estrangêro,
Com seu baruio indecente,
Você vem todo prevesso,
Com históra de progresso,
Mode dá desgosto a gente!
Ingém de ferro, eu não quero
Abatê sua grandeza,
Mas eu não lhe considero
Como coisa de beleza,
Eu nunca lhe achei bonito,
Sempre lhe achei esquesito,
Orguioso e munto mau.
Até mesmo a rapadura
Não tem aquela doçura
Do tempo do ingém de pau.
Ingém de pau! Coitadinho!
Ficou no triste abandono
E você, você sozinho
Hoje é quem tá sendo dono
Das cana do meu país.
Derne o momento infeliz
Que o ingém de pau levou fim,
Eu sinto sem piedade
Três moenda de sodade
Ringindo dentro de mim.
Nunca mais tive prazê
Com muage neste mundo
E o causadô de eu vivê
Como um pobre vagabundo,
Pezaroso, triste e pérro,
Foi você, ingém de ferro,
Seu safado, seu ladrão1
Você me dexô à toa,
Robou as coisinha boa
Que eu tinha em meu coração!
“Patativa, apelido que (...) ganhou por analogia à mais canora das aves nativas da Chapada do Araripe, (...) escritas no que ele próprio qualifica de linguagem cabocla, o linguajar da rude gente sertaneja, tão crivado de erros, mutilações e acréscimos, de permutas e transposições que os vocábulos, com frequência, se desfiguram completamente. Mas, no dizer de Arrais de Alencar, tais adulterações constituem uma fonte inesgotável de ensinamentos no estudo do idioma, na apreensão de sua índole (...)
O autor tem em inúmeros folhetos de cordel e poesias publicados em revistas e jornais. Estudado na Sorbonne, na cadeira de Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel.
- Nota: o presente livro é em 8ª edição; em co-edição com Fundação Padre Ibiapina e com Instituto Cultural do Cariri; Crato: Ceará, 1992 -
O Centro de Documentação Estudos e Pesquisas (CENDEP) da Fundação Padre Ibiapina, do Crato, no Ceará, inclui também entre seus objetivos manter estreita colaboração com os artistas populares, grupos folclóricos e artesãos da região dos Cariri¹, (...) tem procurado efetuar levantamentos para catalogação destes artistas (...) Esse trabalho tem se mostrado penoso e atraente. Penoso, enquanto dificultado pelo isolamento, dispersão e asfixia a que os modernos meios de comunicação estão submetendo os traços culturais da gente do povo. Atraente, cada vez mais, quando se descobre a riqueza expressiva e mensagem do conteúdo que se transmite. Contudo, há um estímulo permanente: a certeza de melhor alcançar a alma do povo ao se identificar seu código de valores, suas formas expressivas e as ocasiões marcantes de comunicação intensa. (...) o Cendep procurou compilar sua obra poética e enfeixá-la neste volume que contém parte antológica (...) a ele mesmo foi confiada a tarefa de selecionar e ordenar os poemas (...) o leitor poderá senti-lo em sua força original e o estudioso procurar compreendê-lo in natura, sem comentários nem interpretações (...)”
O autor tem em inúmeros folhetos de cordel e poesias publicados em revistas e jornais. Estudado na Sorbonne, na cadeira de Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel.
- Nota: o presente livro é em 8ª edição; em co-edição com Fundação Padre Ibiapina e com Instituto Cultural do Cariri; Crato: Ceará, 1992 -
O Centro de Documentação Estudos e Pesquisas (CENDEP) da Fundação Padre Ibiapina, do Crato, no Ceará, inclui também entre seus objetivos manter estreita colaboração com os artistas populares, grupos folclóricos e artesãos da região dos Cariri¹, (...) tem procurado efetuar levantamentos para catalogação destes artistas (...) Esse trabalho tem se mostrado penoso e atraente. Penoso, enquanto dificultado pelo isolamento, dispersão e asfixia a que os modernos meios de comunicação estão submetendo os traços culturais da gente do povo. Atraente, cada vez mais, quando se descobre a riqueza expressiva e mensagem do conteúdo que se transmite. Contudo, há um estímulo permanente: a certeza de melhor alcançar a alma do povo ao se identificar seu código de valores, suas formas expressivas e as ocasiões marcantes de comunicação intensa. (...) o Cendep procurou compilar sua obra poética e enfeixá-la neste volume que contém parte antológica (...) a ele mesmo foi confiada a tarefa de selecionar e ordenar os poemas (...) o leitor poderá senti-lo em sua força original e o estudioso procurar compreendê-lo in natura, sem comentários nem interpretações (...)”
Antonio Gonçalves da Silva, dito Patativa do Assaré ou Ave Poesia. Poeta, agricultor, nasceu a 5 de março de 1909 no pequeno sítio chamado de Serra de Santana, distante três léguas do município de Assaré, no sul do Ceará e faleceu aos noventa e três anos de idade em 08 de julho de 2002 no mesmo município.
Em Autobiografia refere que (...) “quando completei oito anos fiquei órfão de pai e tive que trabalhar muito (...) com a idade de doze anos, frequentei uma escola muito atrasada, na qual passei quatro meses (...) daquele tempo pra cá não frequentei mais escola nenhuma, porém, sempre lidando com as letras quando dispunha de tempo para este fim. (...) De treze a quatorze anos comecei a fazer versinhos que serviam de graça para os serranos, pois o sentido de tais versos era o seguinte: Brincadeiras da noite de São João, testamento do Juda, ataque aos preguiçosos, que deixavam o mato estragar os plantios das roças, etc. Com 16 anos de idade, comprei uma viola e comecei a cantar de improviso (...) Perdi a vista direita, no período da dentição, em consequencia da moléstia (...) conhecida por Dor-d’olhos.”
Em Autobiografia refere que (...) “quando completei oito anos fiquei órfão de pai e tive que trabalhar muito (...) com a idade de doze anos, frequentei uma escola muito atrasada, na qual passei quatro meses (...) daquele tempo pra cá não frequentei mais escola nenhuma, porém, sempre lidando com as letras quando dispunha de tempo para este fim. (...) De treze a quatorze anos comecei a fazer versinhos que serviam de graça para os serranos, pois o sentido de tais versos era o seguinte: Brincadeiras da noite de São João, testamento do Juda, ataque aos preguiçosos, que deixavam o mato estragar os plantios das roças, etc. Com 16 anos de idade, comprei uma viola e comecei a cantar de improviso (...) Perdi a vista direita, no período da dentição, em consequencia da moléstia (...) conhecida por Dor-d’olhos.”
ASSARÉ, Patativa. Cante lá que eu canto cá. 8ª edição; Crato; Vozes; 1992
em co-edição com Fundação Padre Ibiapina e Instituto Cultural do Cariri - Crato - Ceará
INGÉM DE FERRO - PATATIVA DO ASSARÉ ~ RADIO CAIO ... | |
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Um comentário:
O que faz a força e o sabor da poesia de Patativa do Assaré é o vínculo existente entre o poeta, o sertão e a cidade. Seu canto nasce da matéria cotidiana, com seu labor, suas alegrias e seus sofrimentos. Sua poesia toda rimada e metrificada, fazia parte do encanto da pessoa e da poesia, demonstrando as virtudes literárias, lingüísticas e musicais, com o profundo enraizamento nas tradições populares e eruditas.
Parabéns doutor, por não permitir que poetas como Patativa, caiam no esquecimento. Precisamos valorizar nossa cultura.
Tânia Lellis
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