segunda-feira, 15 de junho de 2020

Medidas contra o coronavírus atrapalham combate global a outras doenças

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Medidas contra o coronavírus atrapalham combate global a outras doenças

Programas de vacinação em massa foram suspensos em países pobres, e retrocesso com sarampo, difteria e poliomielite já é perceptível



NOVA YORK - Enquanto países pobres de todo o mundo lutam para combater o coronavírus, eles contribuem involuntariamente para novas explosões de doenças e mortes por outras doenças. aquelas que são evitadas pelas vacinas.

Depois que a Organização Mundial da Saúde e a Unicef alertaram que a pandemia poderia se espalhar rapidamente quando crianças fossem à vacinação, muitos países suspenderam seus programas de imunização. Mesmo nos países que tentaram mantê-los em funcionamento, os vôos de carga com suprimentos de vacinas foram interrompidos pela pandemia, e os profissionais de saúde foram desviados para combatê-la.
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Agora, a difteria está aparecendo no Paquistão, Bangladesh e Nepal. A cólera está no Sudão do Sul, Camarões, Moçambique, Iêmen e Bangladesh. Uma linhagem do vírus da poliomielite com mutações foi enontrada em mais de 30 países.
E o sarampo está avançando em todo o mundo, incluindo Brasil, Bangladesh, Camboja, República Centro-Africana, Iraque, Cazaquistão, Nepal, Nigéria e Uzbequistão.
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Dos 29 países que atualmente suspenderam as campanhas de sarampo por causa da pandemia, 18 estão relatando surtos. Outros 13 países estão considerando adiar. Segundo a Iniciativa contra o Sarampo e a Rubéola, 178 milhões de pessoas correm o risco de perder a vacina contra o sarampo em 2020.
O risco agora é "uma epidemia daqui a alguns meses matar mais crianças do que a Covid-19", disse Chibuzo Okonta, presidente da ONG Médicos Sem Fronteiras, na África Ocidental e Central.
Com a persistência da pandemia, a OMS e outros grupos internacionais de saúde pública estão  pedindo aos países que retomem cuidadosamente a vacinação enquanto combatem o coronavírus.
O que está em jogo é o futuro de uma colaboração de 20 anos que lutou a duras penas e evitou 35 milhões de mortes. Em 98 países, a iniciativa combateu doenças evitáveis por vacinas e reduziu a mortalidade em crianças em 44%, de acordo com um estudo de 2019 do Vaccine Impact Modeling Consortium, grupo de estudiosos de saúde pública.
"A imunização é uma das ferramentas mais poderosas e fundamentais de prevenção de doenças na história da saúde pública", disse o Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, em comunicado. "A interrupção dos programas de imunização da pandemia de Covid-19 ameaça desfazer décadas de progresso contra doenças preveníveis por vacina, como o sarampo".

Medos e rumores

Mas os obstáculos ao reinício são consideráveis. Ainda é difícil encontrar suprimentos de vacinas. Os profissionais de saúde estão trabalhando cada vez mais com Covid-19, a doença causada pelo coronavírus. E uma nova onda de hesitação para vacinar está afastando os pais das clínicas.
Muitos países ainda não foram atingidos com toda a força da pandemia, o que enfraquecerá ainda mais sua capacidade de lidar com surtos de outras doenças.
"Teremos países tentando se recuperar de Covid e depois enfrentando sarampo. Isso desafiaria ainda mais seus sistemas de saúde e teria sérias conseqüências econômicas e humanitárias", diz Robin Nandy, chefe de imunização da Unicef, que fornece vacinas para 100 países, alcançando 45% das crianças menores de 5 anos.
O colapso da entrega da vacina também tem implicações severas na proteção contra o próprio coronavírus.
Em uma cúpula global no início deste mês, Gavi, ONG que promove vacinação, uma parceria de saúde fundada pela Fundação Bill e Melinda Gates, anunciou ter recebido promessas de US$ 8,8 bilhões em vacinas básicas para crianças em países pobres e de renda média e estava começando uma unidade para entregar as vacinas Covid-19, quando estiverem disponíveis.
Mas, à medida que os serviços entram em colapso sob a pandemia, "eles são os mesmos que serão necessários para enviar uma vacina de Covid", disse Katherine O'Brien, diretora de imunização, vacinas e produtos biológicos da OMS, durante um recente seminário sobre desafios de imunização.

Sarampo no Congo

Três profissionais de saúde com caixas térmicas cheias de vacinas e uma equipe de suporte de funcionários públicos da cidade entraram recentemente em uma canoa de madeira motorizada para descer o vasto rio Tshopo, na República Democrática do Congo.
Embora o sarampo tenha começado em todas as 26 províncias do país, a pandemia encerrou muitos programas de vacinação semanas antes.
A tripulação na canoa precisava encontrar um equilíbrio entre impedir a transmissão de um novo vírus que está apenas começando a atingir a África com força e deter um velho e conhecido assassino. Mas quando a canoa longa e estreita chegou às comunidades ribeirinhas, o maior desafio da equipe acabou não sendo a rotina de vacinar crianças em meio às restrições de segurança da pandemia. A equipe se viu trabalhando duro apenas para convencer os moradores a permitir que seus filhos fossem imunizados.
Muitos pais estavam convencidos de que a equipe estava mentindo sobre a vacina, achando que ela não seria contra o sarampo, mas secretamente uma vacina experimental contra o coronavírus, para a qual seriam cobaias inconscientes.
Em abril, a África de língua francesa ficou indignada com uma entrevista na televisão francesa, na qual dois pesquisadores disseram que as vacinas contra o coronavírus deveriam ser testadas na África, observação que reacendeu memórias de uma longa história de abusos. E no Congo, o virologista responsável pela resposta ao coronavírus disse que o país realmente concordou em participar de ensaios clínicos de vacinas neste verão. Mais tarde, ele esclareceu que qualquer vacina não seria testada no Congo até que fosse testada em outro lugar. Mas rumores perniciosos já haviam se espalhado.
A equipe convenceu o maior número de mães e pais que conseguiu, e os vacinadores de Tshopo imunizaram 16.000 crianças, com outras 2.000 ficando de fora.
Este foi o ano em que o Congo, o segundo maior país da África, lançou um programa nacional de imunização. A urgência não poderia ter sido maior. A epidemia de sarampo no país, iniciada em 2018, continua: desde janeiro deste ano, ocorreram mais de 60 mil casos e 800 mortes. Agora, o Ebola reemergiu, além da tuberculose e da cólera, que atingem regularmente o país.
Existem vacinas para todas essas doenças, embora nem sempre estejam disponíveis. No final de 2018, o país iniciou uma iniciativa de imunização em nove províncias. Foi uma façanha de coordenação e iniciativa e, em 2019, o primeiro ano completo, o percentual de crianças totalmente imunizadas saltou de 42% para 62% em Kinshasa, capital.
Nesta primavera, quando o programa estava sendo preparado para o lançamento em todo o país, o coronavírus atacou. Campanhas de vacinação em massa, que muitas vezes requerem convocar centenas de crianças para se sentarem aglomeradas em pátios e mercados das escolas, pareciam ser a receita perfeita para espalhar a Covid-19. Até a imunização de rotina, que normalmente ocorre nas clínicas, tornou-se insustentável em muitas áreas.
As autoridades de saúde do país decidiram permitir que as vacinações continuassem em áreas com sarampo, mas sem casos de coronavírus. Mas a pandemia congelou os vôos internacionais que trariam suprimentos médicos, e várias províncias começaram a ficar sem vacinas contra poliomielite, sarampo e tuberculose.
Quando os suprimentos de imunização finalmente chegaram a Kinshasa, eles não puderam ser transportados pelo país. Os vôos domésticos foram suspensos. O transporte terrestre não era viável por causa de estradas de má qualidade. Eventualmente, uma missão de forças de paz das ONU transportou suprimentos em seus aviões.
Ainda assim, os profissionais de saúde, que não tinham máscaras, luvas ou álcool em gel, tinham medo de se infectar; muitos pararam de trabalhar. Outros foram realocados para treinamento de combate à Covid-19.
O impacto cumulativo foi particularmente terrível para a erradicação da poliomielite - cerca de 85 mil crianças congolesas não receberam a vacina.

Sarampo em todo lugar

Mas a doença que mais preocupa as autoridades de saúde pública é o sarampo.
O vírus do sarampo se espalha facilmente pelo aerossol (partículas ou gotículas suspensas no ar) e é muito mais contagioso do que o coronavírus, de acordo com especialistas dos CDC (Centros de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA).
"Se as pessoas entrarem em uma sala onde uma pessoa com sarampo esteve duas horas atrás e ninguém foi imunizado, 100% dessas pessoas serão infectadas", disse a Dra. Yvonne Maldonado, especialista em doenças infecciosas pediátricas na Universidade Stanford.
Nos países mais pobres, a taxa de mortalidade por sarampo em crianças menores de 5 anos varia entre 3 e 6%; condições como desnutrição ou campos de refugiados superlotados podem aumentar ainda mais essa parcela. As crianças podem sucumbir a complicações como pneumonia, encefalite e diarréia grave.
Em 2018, o ano mais recente para o qual foram compilados dados em todo o mundo, havia quase 10 milhões de casos estimados de sarampo e 142.300 mortes relacionadas. E os programas globais de imunização eram mais robustos na época.
Antes da pandemia de coronavírus na Etiópia, 91% das crianças na capital, Adis Abeba, receberam sua primeira vacinação contra o sarampo durante visitas de rotina, enquanto 29% nas regiões rurais a receberam. (Para evitar um surto de uma doença altamente infecciosa como o sarampo, a cobertura ideal é de 95% ou mais, com duas doses da vacina.) Quando a pandemia ocorreu, o país suspendeu sua campanha de abril contra o sarampo. Mas o governo continua a relatar muitos casos novos.
"Os patógenos epidêmicos não respeitam fronteiras", diz O’Brien, da OMS "Sobretudo o sarampo: ter sarampo em um lugar é ter sarampo em todos os lugares."

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