Crise:
mais de mil cidades param serviços e fazem greves
Atrasos e queda de repasses
federais contribuem para problemas financeiros
por Bruno Góes e Marcelo Remigio
25/10/2015 6:00 / Atualizado 25/10/2015 9:32
Funcionária do Hospital das Clínicas de Teresópolis
limpa enfermaria sem uso - Fernando Lemos
RIO - Atrasos nos repasses de verbas de programas
federais e queda nos valores das parcelas do Fundo de Participação dos
Municípios (FPM) levaram cidades brasileiras ao caos financeiro. Relatos de
prefeitos ao GLOBO mostram que, para cobrir despesas que deveriam ser custeadas
por transferências do governo federal, mas que ainda não foram pagos este ano,
municípios tiveram de paralisar serviços e reduzir o horário de atendimento à
população. Mais de 1.275 prefeituras nos estados de Rio, Rio Grande do Sul,
Minas Gerais, Sergipe e Goiás fecharam as portas e promoveram greves de 24h —
entre agosto e este mês —, para protestar contra o governo, os atrasos e a
redução na arrecadação. O movimento de paralisação se espalhou por 15 estados.
No acumulado do ano, os municípios deixaram de
receber cerca de R$ 2,4 bilhões do Fundo de Participação, resultado da crise
econômica. O fundo é calculado a partir da arrecadação de impostos federais.
Entre as áreas apontadas por prefeitos como críticas estão Educação, Saúde e
Assistência Social. Prevista para ser repassada em parcela única em maio ou
junho, a verba do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), destinada à
manutenção de escolas, ainda não foi paga. De acordo com a Confederação
Nacional dos Municípios (CNM), os cofres municipais deveriam ter recebido cerca
de R$ 2,9 bilhões.
O atraso em verbas da Educação ameaça comprometer
até o planejamento do ano letivo de 2016. Entre as cidades do Estado do Rio
mais prejudicadas com o corte forçado no orçamento está Nova Iguaçu, na Baixada
Fluminense, quarto município em população. Segundo o prefeito Nelson Bornier
(PMDB), há o risco de a rede pública suspender o horário integral em parte das
escolas. A cidade tem hoje 65 mil alunos no ensino fundamental, e 72% de suas
unidades escolares têm horário integral.
— Usamos o programa para oferecer o horário
integral. Este ano não foi pago. Estamos conseguindo manter o horário integral,
mas para 2016 há o risco de a carga horária ser revista — alerta Bornier.
As dificuldades se repetem em cidades do Sul do
país. Presidente da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do
Sul, Luiz Carlos Folador diz que prefeituras estão leiloando terrenos para
pagar contas e manter a folha de pagamento:
— Estamos no ano mais difícil. As receitas caíram,
mas os custos aumentaram. Aumentaram a energia, o combustível e a folha. No Rio
Grande do Sul, 93% dos municípios tomaram medidas contra a crise, como redução
da folha e horário dos servidores.
TERESÓPOLIS VIVE DESORDEM NA
ADMINISTRAÇÃO
Em Teresópolis, na Região Serrana do Rio, moradores
estão revoltados com o caos administrativo instalado na prefeitura. Falta
dinheiro para o atendimento em hospitais, pacientes estão sem exames e
tratamento adequado, servidores e aposentados recebem salários parcelados, o
lixo se acumula nas ruas, e a energia de prédios públicos chegou a ser cortada.
Além disso, o Ministério Público e a população acusam o prefeito Arlei Rosa
(PMDB) de enriquecimento ilícito. Para piorar a situação, o município recebeu
este ano, entre janeiro e agosto, apenas R$ 28,1 milhões do fundo de
participação, um terço do valor pago no mesmo período de 2014 (R$ 89,5
milhões), segundo o Portal Transparência.
A Câmara Municipal pode afastar Arlei Rosa na
quinta-feira. Seria a terceira vez que ele deixaria o cargo neste mandato — ele
foi reconduzido pela Justiça nas outras duas oportunidades.
Enquanto a batalha política se dá no Legislativo e
em protestos nas ruas, o Hospital das Clínicas de Teresópolis Constantino
Ottaviano (HCTCO), principal da região, só recebe os repasses do município por
meio de sequestro judicial. Mesmo com contrato assinado com a cidade e cadastro
na tabela do SUS, o hospital gerido pela Fundação Educacional Serra dos Órgãos
(Feso) está sem receber cerca de R$ 12 milhões da prefeitura. Com o rombo no
orçamento, a administração passou a prestar atendimentos apenas em casos de
emergência. Exames e tratamentos eletivos estão suspensos.
— Até agora o prefeito não assinou o contrato de
hemodiálise. Há dois anos estamos saindo daqui 4h30m para ir para Itaboraí
fazer o tratamento. Estamos muito cansados por causa da viagem, e ele
(prefeito) não toma providência. Mas não é só esse o problema. A situação toda
de Teresópolis está difícil — protesta Tânia Vallejo, de 58 anos.
Ela esteve na última quinta-feira em passeata,
debaixo de chuva, contra o caos no município. Moradores saíram da Praça Santa
Teresa, no Centro, e se concentraram em frente à prefeitura e à Câmara.
— Embora a situação precária já venha de antes, com
a crise econômica ela ficou aguda. Não conseguimos nem mais sequestrar
judicialmente o dinheiro para o Hospital das Clínicas, porque o juiz não é um
gestor, e a prefeitura já não tem dinheiro para mais nada. O repasse da verba
carimbada do governo federal, do SUS, eles chegaram a atrasar — diz Luis
Eduardo Tostes, diretor-geral da Feso, mantenedora do hospital.
Ao GLOBO, a prefeitura de Teresópolis informou que
está em dia “com todos os repasses referentes aos atendimentos realizados pelo
SUS”. Sobre o repasse de R$ 12 milhões ao Hospital das Clínicas, a
administração disse que “existe uma crise econômica generalizada em todo o
país, e, com isso, a prefeitura não conseguiu fazer este repasse com verba
própria, contudo está buscando alternativas para quitar tais valores”. Para
enfrentar a crise, a prefeitura cortou salários, extinguiu secretarias e
exonerou comissionados.
ÁREA SOCIAL ESTÃO COM REPASSES
COMPROMETIDOS
Para o presidente da Confederação Nacional do
Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, o represamento de verbas federais é uma
tentativa de reforçar o caixa do governo em meio à crise econômica e ao ajuste
fiscal. Segundo ele, as prefeituras têm deixado de fazer investimentos:
— O que vemos nos municípios são obras paradas,
máquinas e ônibus escolares que deixaram de ser pagos e foram devolvidos pelas
prefeituras, e qualidade da merenda escolar caindo.
Ziulkoski chama a atenção para atrasos na área
social. Segundo a CNM, um dos exemplos é o Índice de Gestão Descentralizada do
Bolsa Família (IGD), usado pelas cidades para gerenciar e fiscalizar o
programa. Está previsto um orçamento de R$ 535 milhões para este ano. Mas,
deste valor, foram empenhados R$ 490,2 milhões, que terão como destino o
pagamento de despesas referentes a 2014.
Em nota, o Ministério da Educação informou que este
ano repassou R$ 1,081 bilhão para o PDDE — segundo a CNM, referentes a dívidas
de 2014. O orçamento de 2015 é de R$ 2,344 bilhões. “O MEC identificou, em
2015, R$ 8 bilhões de recursos financeiros dos programas do ministério no caixa
das redes estaduais e municipais de Educação e das escolas. Em razão disso e da
situação fiscal do país, o ministério decidiu priorizar repasses para as
escolas que têm menos recursos em caixa”. Também em nota, o Ministério do
Desenvolvimento Social diz que “o orçamento para 2015 é de R$ 535 milhões.
Esses valores não foram afetados por contingenciamento e estão sendo
transferidos, por competência (mês), após o IGD ser calculado. O IGD leva em
conta o desempenho de cada ente (...). Um município poderá receber mais ou
menos recursos a depender de seu desempenho. Se não atingir parâmetros mínimos
de desempenho (...) pode até ficar temporariamente sem receber recursos”.
GOVERNO PODE EMPURRAR DÍVIDA
Das 5.668 cidades brasileiras, 70% dependem do
Fundo de Participação dos Municípios. As verbas de transferências federais
complementam o orçamento minguado e, quando não chegam no prazo previsto,
refletem na falta de pagamentos a fornecedores, suspensão de serviços e
paralisação de obras. Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), um
governo não pode transferir para o mandato seguinte mais restos a pagar
(dívidas empenhadas, mas não pagas) do que o volume de recursos que possui em caixa.
Assim, evita-se que governantes comprometam a gestão dos seus sucessores. Mas
na prática, esse cuidado acaba valendo apenas para prefeituras e estados, e não
para a União, que empurra suas dívidas.
Os restos a pagar acumulados que o governo federal deixou
de pagar aos municípios chega a R$ 35 bilhões. Embora a dívida se arraste, o
governo federal não descumpre a LRF. Pela interpretação da lei, a União possui
em caixa mais dinheiro do que o total em dívidas com as cidades. O montante
resulta do acúmulo de anos de superávit primário e, em vez de ser usado para
quitar a dívida pública, permanece no caixa da União. O governo tem a
prerrogativa de decidir se paga ou não sua dívida, tendo o privilégio legal de
não ter limitação para se endividar e de usar essa possibilidade para acumular
restos a pagar.
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