domingo, 26 de outubro de 2014

Zé e Tonha, Os semeadores da Ética no Sertão








Zé e Tonha



Os semeadores  da Ética no Sertão



Zé e Tonha apesar de primos  resolveram se casar, deixaram as casas paternas e se embrenharam na floresta/caatinga do Sertão Nordestino.

Derrubaram matas, queimaram  Caatinga, disputaram espaços com  onças, guarás, raposas, gatos, cachorros, porcos, cobras, urubus, gaviões e carcarás; abriram clareiras, estradas, cavaram barreiros, plantaram roças, conquistaram os seus espaços eram verdadeiros bichos do mato.

Acordavam pela madrugada, foices, enxadas, facões, chunchos, suvelas e com armas em punho partiam para a lida diária , brocavam , encoivaravam, queimavam , faziam a terra ,  plantavam  a mandioca e se defendiam dos animais , com  espíritos de ambientalistas reflorestavam com mudas de cedros, cajueiros, umbuzeiros,  mangueiras e alguns eucaliptos devolvendo a vida à mãe terra.

O Sol se pondo era o ponteiro a mostrar o caminho do rancho, quintal e chiqueiros conferidos, animais contados, portas travadas, barrigas abastecidas e o descanso na cama de vara com colchão de palha.

Nasce o primeiro rebento, tarefa dobrada, ainda existem matas, onças, guarás, cobras e alguns indígenas, avultam-se os cuidados.

Chega a época da desmancha da mandioca para o aproveitamento da sua  fécula, os dois arrancam os seus tubérculos, amontoam nos aceiros da roça, enquanto  a pequena descansa , come batata doce das roxas e bebe água  fria de cabaça sob a proteção da  sombra de uma canafisteira ou de um umbuzeiro, com o sol à meia altura,  o velho jumento Bidu com dois caçuás toma o caminho da pequena casa de farinha, dez a doze viagens da roça ao aviamento ,  se aproxima o ocaso, mirando   o sol como brasa a se aproximar do horizonte à procura do seu ninho , eles   seguem o Bidu na sua última viagem, não resta uma única raiz a recolher, todas são entaladas nos grandes cestos carregados pelo asinino.

A pirâmide de mandioca aos poucos vai diminuindo sob a tutela, a garra, a força , as manobras e  a rapidez do trinchete da cabocla Tonha , o Zé por outro lado,   a providenciar a sua cevação , que é levar ao caititu , um rolo de madeira com múltiplas laminas de serrotes fixadas transversalmente,  também chamado de bola, que é  puxada e movida por uma junta de bois pé duro, a dupla  café com leite, um era preto e o outro branco.

A montanha de mandioca aos poucos se transforma numa avalanche de massa branca, produto tóxico que embebeda e mata, precisa ser trabalhada, preparada para o consumo , artesanalmente purificada , para o nordestino, beatificada.
Fim de tarde,  a popular boca da noite, Zé na prensa e Tonha no fim da rapa da mandioca, agora os dois arrumam a última camada feita de  paneiros. O Zé finca o pau da prensa nos buracos da gigante cabeça do parafuso de madeira, inicia o movimento de rotação no aperto da grande prancha,  é mais uma etapa de força no processo do fabrico artesanal da farinha. O Rangido sofrido do parafuso é acompanhado pelo choro molhado da manipueira,  que jorra das frestas das grossas  tábuas da rústica prensa , o grande pivô  chega à sua última volta , é sinal de massa seca , pronta para o fabrico da farinha.
 Paralelo a esta etapa, ao   lado da prensa,  dois troncos fincados ao chão, uma rede alva compacta,  punhos de cordas  içados em cada um dos troncos, nesta rede mais uma tarefa da super Tonha,  num movimento contínuo , coloca-se nesta rede  cuias de  massa crua  , lava-se com muita água , desta mistura vaza um   rico chorume leitoso  que  escorre pelo fundo da rede,   é colhido por  uma grande gamela  cobre-se com um pano para proteger contra as impurezas do tempo e dos animais,  após o descanso de 12 horas , delicadamente se escorre a água sobrenadante e  no fundo da gamela fica um cremoso resíduo, um belo sedimento branco, a famosa goma de beiju, a fina fécula da mandioca, antes alimento de pobre e de índios, hoje quase uma iguaria de tão sonhada pelos citadinos.
Com a prensa enxuta, massa úmida nos caixões de tábuas largas emparelhados, o primeiro ornado com uma grande peneira de arame ou uma arupemba, esta  pendurada por uma corda da cumeeira   até tangenciar o seu limbo,  quase a ocupar totalmente a sua boca, o segundo para receber a massa crua e grossa da prensa. Ao lado destes caixões  estrategicamente refrigerado pelos ventos da natureza , um grande forno arredondado,  construído com tijolos, três metros de diâmetros,   duas bocas para receber a lenha, prudentemente providenciada dez a quinze dias antes do inicio da farinhada, forno com  o piso coberto por grandes lajotas de barro  , que corresponde a  área  para se torrar a farinha.
Nasce a noite, renovam-se as energias com a munição de boca, Tonha na peneira e Zé elegantemente com o seu grande rodo de madeira, toca oito cuias de oito de massa no aquecido forno, pesa nos punhos, puxa  pelos músculos, chama pelos braços , pelas pernas, entorta-se a coluna num vai e vem , próprios daqueles  que possuem os  bagos  roxos, o vapor como fumaça desgruda do espelho quente da superfície do forno,  secando minuto a minuto , a transformando num dos produtos mais apreciados pelo povo daquelas plagas, a famosa farinha de mandioca.
A lua nasce e percorre diametralmente o céu repleto de estrelas , Zé canta , Tonha responde, a menina dorme e Deus protege. Três entes sob os seus cuidados , três entes escondidos , perdidos e camuflados nas abandonadas brenhas dos sertões pernambucanos, mesmo assim não perdem a esperança e cantam:
” Eu tava na peneira, eu tava peneirando, eu tava no namoro, eu tava namorando , na farinhada descascava macaxeira,  Zé Migué no caititu ,  eu e ela na peneira.”
Com a lua a meia altura do horizonte , depois de atravessar  madrugada a dentro a cúpula celeste , é torrada a última fornada de farinha.
Com os corpo moídos, a pequena dormindo e sonhando, depois de olhar para a estrela Dalva, as Três Marias e o Cruzeiro do Sul tomam o caminho da cama, trinta dias  no batente sem o merecido descanso , todos no mesmo rojão.
Meninos nascendo e crescendo, família aumentando,roçado em progresso, corpos e mentes sempre dispostos, sem ajuda, sem cansaço, sem gosto ruim.
As  horas de repouso eram para providenciar a água, a lenha, para produzir e planta o feijão, a banana, o milho e a batata, eram para criar o porco, a galinha, o bode e o carneiro, eram para repor os estragos causados à natureza plantando cedro, cajueiro, umbuzeiro e alguns Eucaliptos , a cabocla Tonha era uma ambientalista inata e da nata.
Assim nascia o núcleo da família do Zé e da Tonha, paralelo aos outros núcleos  da sua irmandade,  que guiado pelo patriarca utilizavam  o mesmo modus operandi , uma característica , uma marca dos roceiros de fibras oriundos dos distantes rincões dos sertões das alagoas.
O tempo passou  , a família cresceu e  o Zé prosperou, a escola entrou nas  suas vidas , eles se imortalizaram nos seus descendentes, hoje são muitos Zés e muitas Tonhas, todos seguindo as mesmas condutas, os mesmos princípios e costumes , a mesma disposição para a lida do dia a dia e o mesmo caráter.
Zé e Tonha dois brasileiros que enchem de orgulho esta nação, o Brasil de pé agradece. A ética, o trabalho , a vergonha e a compaixão continuam sendo os seus principais legados.
Em alta a seriedade, a democracia  e o exercício da cidadania, Brasil.
Iderval Reginaldo Tenório
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Farinhada - Luiz Gonzaga - YouTube


www.youtube.com/watch?v=Pvaqjan0C_Q
25/08/2011 - Vídeo enviado por forrobodologia
Farinhada Luíz Gonzaga e Elba Ramalho Tava na penera Eu tava penerando Eu tava de namoro Eu











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