sexta-feira, 5 de agosto de 2011

CRONICA PARA JUAZEIRO DO NORTE

Um novo olhar - Por Sávia Maria Ferraz Vieira da Cunha


Um novo olhar

    Em minha pequena cidade pairava no ar um forte cheiro de tabaco. Especialmente na época das visitas dos romeiros. Por todas as estreitas ruas e vielas, aglomeravam-se caminhões carregados de pessoas simples, com sandálias de couro, roupas pretas imitando batinas, rostos curtidos pelo sol, andando e falando alto, sempre em grupos, de modo que tínhamos que andar pelos calçamentos tal o aglomerado de gente com sotaques variados. Era uma festa  ter tanta gente em volta e ao mesmo tempo  provocava no íntimo um certo desconforto. Parecia que o calor forte tornava-se mais intenso assim como o forte cheiro de fumo. Andavam sempre em grupos e durante todas as horas. De dia e de noite. Pareciam nunca dormir. Quando sossegavam, armavam suas redes  e iam para  as calçadas, acocorados, tentando livrar-se do calor, consumidos por uma ansiedade  em sentir o clima e o odor da cidade santa. Ficavam em ranchos improvisados, sem nenhuma comodidade   para  os corpos  já cansados das longas horas de viagem. Nem reclamavam!
     Alguns já vinham pagar promessas feitas e alcançadas. Dirigiam-se ao túmulo do Padre Cícero onde até choravam  comovidos e emocionados! Caminhavam com o sol a pino no passeio das almas com a expressão de quem estava prestes a subir aos céus!
 Nas expressões sofridas de gente simples, havia sempre um agradecimento muito formal na maneira de se portar diante de  um simples copo com água concedido, ou de uma informação. Pareciam realmente acreditar que se encontravam na Cidade Santa. Talvez em sua ingenuidade  coletiva acreditassem que nós éramos privilegiados por estarmos ali. Percorriam com ansiedade o velho caminho do horto onde julgavam, com o sacrifício da longa e íngreme caminhada, expiar as suas culpas!
    E nós, simples e complicados adolescentes, observávamos aqueles estranhos seres como se fossem de outro planeta. Chegávamos  a rir das suas roupas, do jeito estranho de se comportarem. Nós nada entendíamos sobre a fé, a esperança e a caridade.
   Ao final da romaria, nos reuníamos na calçada para contarmos o número de caminhões que saíam da cidade. Eles passavam agitando as mãos num sinal de despedida e  correspondíamos aos seus acenos achando tudo muito engraçado. Nem nos passava pela cabeça que quando respondíamos aos seus acenos, eles se sentiam felizes a acolhidos pela cidade. Uma cidade na qual faltava água e talvez fosse esse o motivo do forte cheiro que impregnava o ar.
    Nem suspeitávamos do grandioso sacrifício que eles faziam para chegar  até ali. Para nós, o máximo do sacrifício era acordar cedo e ir à escola.
Em sua fé serena e simples encontravam o consolo para as secas, o salário miserável, seus problemas de saúde e  a ausência do olhar do poder público. Afinal eles eram um público diferenciado. Não representavam votos.
    Hoje, permanece ainda  em minha cidade o forte cheiro de tabaco com  o mesmo velho  e implacável sol. As ruas ainda não se alargaram, as pessoas continuam se apertando para passar. Ainda falta água. Os esgotos escorrem a beira das estreitas calçadas.
Mudou apenas a nossa cabeça. Olhamos diferente e com carinho  para as faces enrugadas pelo sol. Sentimos um respeito  silencioso por todos os que vêm, com uma fé inabalável e a esperança de novos milagres.
     Em mim, o grande milagre foi ter  aprendido a amar essas pessoas tão diferentes, e ter a vontade de acolhê-las e de confortá-las fazendo-as enfim acreditar que os milagres verdadeiramente acontecem sim, em Juazeiro do Norte pois essa é a Cidade Santa   que eles vieram  buscar e a santidade  está pura e simplesmente em nosso novo olhar...

Sávia Maria Ferraz Vieira da Cunha. Assistente social-gerontóloga.

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