Virgulino Ferreira Lampião, a sua
cegueira e o
Coronel Audálio Tenório de Albuquerque
Era início de 1937,
faltava pouco mais de um ano para a sua
morte, ocorrida no amanhecer da madrugada de uma quarta para quinta-feira, do dia 27 para o dia 28 julho de 1938.
A cabroeira preparava-se
para a reza e o café da manhã, os cangaceiros eram tementes a Deus, a
muitos santos da Igreja Católica e a crendices populares. O Capitão
Virgulino Ferreira era devoto do Padre Cicero Romão Batista de Juazeiro
do Norte.
Num ataque surpresa, na gruta do angico, na Fazenda do mesmo nome, município de Poço Redondo, Sergipe, Virgulino Lampião, o governador do sertão, sofreu a
maior emboscada da vida, morrendo ao lado de
Maria Bonita e de muitos companheiros. Não foi por falta de aviso, o compadre Cristino Gomes da Silva Cleto (o Corisco) chamava a sua atenção: " cumpadi, esta gruta é uma arapuca, não tem para onde correr se atacado pela volante".
Ali seria aniquilado o maior bando do cangaço meio
de vida, a pior variedade desta estranha e sanguinária profissão. Naquele dia, o Tenente João Bezerra da Silva, pernambucano das Ingazeiras, lotado na Polícia das Alagoas, nascido em 1898, no mesmo ano que nascera Lampião,
enterrava o cangaço no Brasil.
O Tenente foi cria do cangaceiro Antonio
Silvino, seu primo, o “Rifle de ouro”, o maior atirador do nordeste brasileiro, o terror da Paraíba e de Pernambuco.
O
Antonio Silvino guardava uma semelhança com o norte americano Jesse
James, ao tentar impedir a construção da estrada de ferro na Paraiba
pela empresa Great Westen, o seu bando matava funcionários e sequestrava
engenheiros, dizia que o trem seria o fim do seu reinado.
O Tenente Bezerra possuía
uma richa com o Capitão Virgulino Lampião. O tenente foi cabra do seu maior inimigo, o Coronel paraibano José
Pereira Lima, de Princesa- PB, importante pólo
político da época, um dos pivores do assassinato do Governador João
Pessoa, em 1930, numa confeitaria no Recife, pelo advogado João Dantas. Depois do ato da Gruta do
Angico, o tenente foi recebido pelo Presidente da República, Getúlio Vargas, que o concedeu diversas
condecorações, chegando a dirigir a Polícia do Estado das Alagoas.
Naquela época, 1937, o
Capitão Virgulino Ferreira Lampião vivia amasiado pelos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia( no Raso
da Catarina). O homem era um estrategista de causar inveja a qualquer
experiente general de brigada. Esta
região beirava o Rio São Francisco, exatamente no local que o Rio faz uma interseção entre os quatro Estados.
O capitão só possuía um olho
bom, o esquerdo, pois ficara cego do olho direito muito cedo, devido a um glaucoma congênito desde a infância. No início do ano
passou a sentir queimor,
lacrimejamento em abundância, prurido intenso e diminuição da acuidade visual no olho esquerdo, o bom. Procurou o Coronel Manoel Maranhão, no Estado de Alagoas, divisa com Pernambuco, e lhe
pediu socorro. De imediato, pediram a ajuda
do Coronel Audálio Tenório de
Albuquerque, fazendeiro poderoso, coiteiro, homem forte e amigo de Lampião de 1930 a 1938, um dos
mais importantes homens do Sertão Pernambucano.
O Coronel Audálio Tenório, que
se encontrava na Fazenda Formosa, recebeu e atendeu o chamado do
Capitão, pegou o seu FORD, entrou no Estado das Alagoas e foi até a fazenda do amigo Coronel
Maranhão. Lá encontrou um Lampião
cabisbaixo, triste, desanimado e temente a ficar cego, a sua vista boa encontrava-se doente, temia perdê-la. O seu
tratamento resumia-se a um grupo de velhas rezadeiras, ervas e panos para
limpeza, estava em derrocada, o capitão estava morrendo.
O Coronel Audálio Tenório Cavalcante, muito respeitado pelo capitão, fez várias propostas, uma delas era o abandono
do cangaço, faria tudo para limpar o seu passado e poderia circular livre pelos sertões, o capitão Virgulino declinou
do conselho, disse
que estava muito cedo e que ainda tinha
muito por fazer, aconselhou que fosse até Sergipe em busca de
tratamento, o capitão Virgulino falou que era arriscado, as volantes( os
macacos) estavam à sua procura dia e noite.
O
coronel Audálio Tenório não titubeou, acolheu e hospedou o amigo na sua casa e
no outro dia resolveu levar o capitão
para Recife, este não aceitou, dizia que era para o bem do Coronel Audálio e do próprio
Lampião, a lei era dura para os dois, lembrou o chefe do canagaço. O
coronel viajou só.
Procurou o Dr. Isaac
Salazar, um médico amigo, o mais famoso oftalmologista do
Estado e do Nordeste, que teve a sua fama
aumentada depois que foi para o
Juazeiro do Norte, no sul do Ceará, e lá
operou o Patriarca do Nordeste, o Padre Cícero Romão Baptista, o santo
do nordeste e fundador da cidade, falecido em 1934 aos 90 anos de
idade.
A ideia era conduzí-lo
ao grande especialista, contudo,
não poderia levá-lo, era muito arriscado, as volantes vasculhavam os
sertões à procura dos cangaceiros e riscavam a caatinga diuturnamente. A ordem era matar os cangaceiros, os coiteiros, os amigos e os
seus protetores, o ditador Getúlio Vargas não brincava
em serviço, a lei era matar e confiscar os bens de todos, o objetivo era exterminar o cangaço no Brasil.
A estratégia do Tenório foi transformar o capitão Virgulino Lampião no seu melhor vaqueiro e compadre. Fez uma
visita ao consultório do especialista,
contou detalhadamente o problema do paciente, seu vaqueiro. O médico prescreveu algumas
injeções, pomadas, colírios e bandagens, dias depois o Coronel retorna à fazenda Formosa com todos os medicamentos.
Hospedado
na casa do Audálio, o
capitão inicia o milagroso tratamento, em menos de 15 dias a visão
apresentou melhoras, foi clareando e voltou ao normal.
Como trunfo, após
o tratamento e cheio de
alegria, de vida, autoestima e vigor, devido a boa hotelaria, descanso e excelente alimentação,
Lampião mostrou ao coronel, o seu salvador, um frasco de estricnina e
uma garrafa metálica cheia de gasolina. Caso ficasse completamente cego, beberia o veneno mortal
para não ser pego pela volante, antes tocaria fogo em todo o
dinheiro
com a gasolina e enviaria as jóias para a sua filha. Relatou que "não seria um bobo para ser preso e ainda
enricar alguns macacos" com o seu suor. O homem era macho, foi assim que o
capitão não ficou totalmente cego.
Nesta
época o capitão
encontrava-se em decadência. Segundo o
Coronel Audálio, que o hospedou por quase um mes na sua Fazenda, para o milagroso tratamento, o Virgulino Ferreira Lampião era portador de uma tosse crônica, poderia ser tuberculose pulmonar, não dormia, ficava sempre em vigília.
Fato
aventado e confirmado pelo escoteiro venezuelano, Andrés Zambrano,
que passeava pela região em 1936, para conhecer o nordeste brasileiro e
fora capturado com o seu grupo
pelo bando de Lampião, passou com ele algumas noites. Após os
esclarecimentos dos jovens venezuelanos, todos foram salvos pela compaixão e intervenção de Maria Bonita.
Falou o escoteiro após dormir varias noites com o bando:
"
o homem tem um sono levíssimo, acordando ao menor barulho que se faça
ao seu lado. Deita-se completamente vestido e armado, com o fuzil na
mão. Desconfia dos próprios companheiros. Tanto assim que não dorme na
rede. Arma a rede, deita-se nela e depois pega uma lona e vai dormir no
chão, num lugar mais escuro. Se alguém se mexe no grupo e se aproxima
dele, pergunta quem é e o que quer. A gente tem a impressão que ele nem
dorme. Creio mesmo que está tuberculoso, porque tem uma tosse seca que
não se acaba". Andrés Zambrano
O
Virgulino não tinha
mais a mesma força, o clímax do cangaceiro vai dos 18 aos
28 anos de idade, a esta altura beirava os 40. Dormia e comia mal,
tomava muito sol, chuva e sereno, andava muito e vivia preocupado com as
volantes, sofria da coluna e de reumatismo. Apesar de ser um caçador, também era uma caça e de grande periculosidade, uma caça de muito de valor.
As volantes tinham ordem de
matar, para depois conversar. A lei do Getúlio era seca: qualquer
cidadão que matasse um cangaceiro, ficaria com os seus bens, tudo que
encontrasse no seu bornal seria do matador. Todo mundo queria ficar rico, até mesmo
os companheiros ficavam de olhos nos bornais dos comparsas, muitos
passavam a noite sem dormir, tinham medo de ser mortos por membros do
mesmo bando. Os seus bornais eram os seus bancos, neles eram guardados o dinheiro e as jóias tomadas das vítimas.
Getúlio
dizia nas entrelinha: "quem vai acabar com o cangaço são as estradas,
os caminhões, o rádio, os jornais, os telégrafos, as punições a todos os
envolvidos e o prêmio recebido por cada cabeça morta"
Os jornais e as rádios noticiavam diariamente
as estripulias e as maldades do cangaço, as estradas que cortavam os sertões permitiam o envio de
caminhões, mantimentos, soldados e munições, os telégrafos anunciavam as localizações dos bandos. As mulheres e os filhos passaram
a ser uma das preocupações dos
cangaceiros, temiam morrer e deixar a família orfã, mulher sem marido e
filhos sem pai. Muitas foram as vezes que os cangaceiros declinavam dos
chamados do Capital Virgulino Ferreira Lampião para embates, e assim lhe respondiam: " Capitão,
para este chamado não vou, é muito perigoso, não esqueça que eu tenho
filhos para criar". Enfraquecido, sem ânimo e com o sumiço dos
coiteiros, o cangaço foi perdendo as suas forças.
A lei era matar, até
que, em julho de 1938, na emboscada do Angico, o
capitão Virgulino, Maria Bonita e quase toda a sua cabroeira tombaram sem vida, pela volante alagoana, sob o comando do Tenente pernambucano, lotado na polícia de Alagoas, o comandante João Bezerra da Silva,
vítimas da mais temida metralhadora da
época, a famosa metralhadora alemã a MG 42 ( Maschinengewehr 42), chamada carinhosamente pelas volantes de: A CAGA FOGO ou A COSTUREIRA.
O Coronel Audálio Tenório de Albuquerque, grande latifundiário de
Pernambuco e Alagoas, foi eleito deputado Estadual por Pernambuco em 1966 e
cassado pela ditadura militar brasileira.
50 anos depois, em 2012, com o Coronel já falecido, o governo devolveu o
seu mandato.
Salvador, 15 de Fevereiro de 2024
Iderval Reginaldo Tenório