sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

LAMPIÃO É SALVO PELO CORONEL AUDÁLIO TENÓRIO

 

Coronel Audálio Tenório de Albuquerque

                                 LAMPIÃO É SALVO PELO CORONEL 

                                                                AUDÁLIO TENÓRIO

                                                 
Lampião... Era o cavalo do tempo atrás da besta da vida
                           




  
Virgulino Ferreira Lampião, a sua cegueira  e  o  Coronel Audálio Tenório de Albuquerque
Era  início de 1937, faltava pouco mais de um ano  para a sua morte,  ocorrida no  amanhecer da madrugada de uma quarta para quinta-feira, do dia 27 para o dia 28  julho de 1938.
A cabroeira   preparava-se  para a reza e o café da manhã, os cangaceiros  eram tementes a Deus, a muitos  santos da Igreja Católica e a crendices populares. O Capitão Virgulino Ferreira era devoto do Padre Cicero Romão Batista de Juazeiro do Norte.  
Num ataque surpresa, na gruta do angico, na Fazenda do mesmo nome, município de Poço Redondo, Sergipe,  Virgulino Lampião, o governador do sertão,  sofreu a maior emboscada da vida, morrendo ao lado de  Maria Bonita e de muitos companheiros. Não foi por falta de aviso, o compadre Cristino Gomes da Silva Cleto (o Corisco)   chamava  a sua atenção: " cumpadi, esta gruta é uma arapuca, não tem para onde correr se atacado pela volante".
Ali  seria aniquilado o maior bando do cangaço meio de vida, a pior variedade desta estranha e sanguinária profissão. Naquele dia,  o Tenente João Bezerra da Silva,  pernambucano das Ingazeiras, lotado na Polícia  das Alagoas, nascido em 1898 no mesmo ano que nascera Lampião  enterrava o cangaço no Brasil. 
O Tenente foi cria do cangaceiro Antonio Silvino,  seu primo,  o “Rifle de ouro”, o maior atirador do nordeste brasileiro, o terror da Paraíba e de Pernambuco. 
O Antonio Silvino guardava uma semelhança com o norte americano Jesse James, ao tentar impedir a construção da estrada de ferro na Paraiba pela empresa Great Westen, o seu bando matava funcionários e sequestrava engenheiros, dizia que  o trem seria o fim do seu reinado.
O Tenente Bezerra possuía uma richa com o Capitão Virgulino Lampião. O tenente foi cabra do seu maior inimigo, o Coronel paraibano José Pereira Lima, de Princesa- PB, importante pólo político da época, um dos pivores do assassinato do Governador  João Pessoa, em 1930, numa confeitaria no Recife, pelo advogado João Dantas. Depois do ato da Gruta do Angico, o tenente  foi recebido pelo   Presidente da República, Getúlio Vargas, que o concedeu   diversas condecorações, chegando a dirigir  a Polícia do Estado das  Alagoas.
Naquela  época,  1937, o Capitão Virgulino Ferreira Lampião vivia amasiado pelos estados de  Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia( no Raso da Catarina). O homem era um estrategista de causar inveja a qualquer experiente general de brigada. Esta região beirava o Rio São Francisco,  exatamente no local que o Rio faz uma interseção  entre os  quatro Estados.
O capitão só possuía um olho bom, o esquerdo, pois ficara cego do olho direito muito cedo,  devido a um  glaucoma congênito desde a infância. No início do ano    passou a sentir queimor,  lacrimejamento em abundância, prurido intenso e diminuição da acuidade visual no olho esquerdo, o bom. Procurou  o Coronel Manoel  Maranhão, no Estado de Alagoas,   divisa com Pernambuco, e lhe pediu socorro.  De imediato,  pediram  a ajuda  do Coronel  Audálio Tenório de Albuquerque,  fazendeiro poderoso, coiteiro, homem forte   e amigo de Lampião de 1930 a 1938, um dos mais importantes homens do Sertão Pernambucano.
O Coronel Audálio Tenório, que se encontrava na Fazenda Formosa, recebeu e atendeu o chamado do Capitão, pegou o seu FORD, entrou no Estado das Alagoas e foi até a fazenda do amigo Coronel  Maranhão. Lá encontrou um  Lampião cabisbaixo, triste, desanimado e temente a ficar cego, a sua vista boa encontrava-se doente, temia  perdê-la. O seu tratamento  resumia-se a um grupo de velhas rezadeiras, ervas e panos para limpeza, estava em derrocada, o capitão estava morrendo.
O  Coronel Audálio  Tenório Cavalcante,  muito respeitado pelo capitão,  fez várias propostas, uma delas era o abandono do cangaço, faria tudo para limpar o seu passado e poderia circular livre pelos sertões, o capitão Virgulino declinou do conselho,   disse que estava muito cedo e que ainda tinha muito por fazer, aconselhou que fosse até  Sergipe em busca de tratamento, o capitão Virgulino falou que era arriscado, as volantes( os macacos) estavam à sua procura dia e noite. 
O coronel Audálio  Tenório não titubeou, acolheu e hospedou o amigo na sua casa e  no outro dia resolveu levar o capitão para Recife, este não aceitou, dizia que era para o bem do Coronel Audálio e do próprio Lampião, a lei era dura para os dois, lembrou o chefe do canagaço. O coronel viajou só.
Procurou o Dr. Isaac Salazar, um médico amigo, o mais famoso oftalmologista do Estado e do Nordeste,  que teve a sua fama aumentada    depois que foi para o Juazeiro do Norte, no sul do Ceará, e lá operou o Patriarca do Nordeste, o Padre Cícero Romão Baptista, o santo do nordeste e  fundador da cidade, falecido em 1934 aos 90 anos de idade. 
 A ideia  era conduzí-lo  ao grande especialista, contudo,  não poderia levá-lo, era muito arriscado, as volantes vasculhavam os sertões à procura dos cangaceiros e riscavam a caatinga diuturnamente.  A ordem era matar  os cangaceiros, os coiteiros, os amigos e os seus protetores, o  ditador Getúlio Vargas   não brincava em serviço, a lei era matar e confiscar os bens de todos, o objetivo era exterminar o cangaço no Brasil. 
A estratégia do Tenório foi transformar o  capitão Virgulino Lampião no  seu melhor vaqueiro e compadre. Fez uma visita  ao consultório do especialista, contou detalhadamente o problema do paciente, seu vaqueiro. O médico prescreveu algumas injeções, pomadas, colírios e bandagens,  dias depois o Coronel retorna à  fazenda   Formosa com todos os medicamentos.  
Hospedado na casa do Audálio, o  capitão inicia o milagroso tratamento, em menos de 15 dias  a visão  apresentou melhoras, foi clareando e voltou ao normal. 
Como trunfo, após o tratamento e  cheio de alegria, de vida, autoestima e vigor, devido a boa hotelaria, descanso e excelente alimentação,   Lampião mostrou ao coronel, o seu salvador,  um frasco de estricnina e uma garrafa metálica cheia de  gasolina. Caso ficasse completamente cego,   beberia  o veneno mortal  para não ser  pego pela volante, antes  tocaria fogo em todo o dinheiro  com a gasolina e enviaria as jóias para a sua  filha. Relatou que  "não seria um bobo para ser preso e ainda enricar alguns macacos" com o seu suor. O homem era macho, foi assim que o capitão não ficou totalmente cego.
Nesta época o capitão encontrava-se em decadência. Segundo o Coronel Audálio, que o hospedou por quase um mes na sua Fazenda, para o milagroso tratamento, o Virgulino Ferreira Lampião era portador de uma tosse crônica,  poderia ser tuberculose pulmonar, não dormia, ficava sempre em vigília.
Fato aventado e confirmado  pelo escoteiro venezuelano, Andrés  Zambrano, que passeava pela região em 1936, para conhecer o nordeste brasileiro e fora capturado com o seu grupo  pelo bando de Lampião, passou  com ele algumas noites. Após os esclarecimentos dos jovens  venezuelanos, todos foram salvos pela compaixão e intervenção  de Maria Bonita. 
Falou o escoteiro  após dormir varias noites com o bando:
" o homem tem um sono levíssimo, acordando ao menor barulho que se faça ao seu lado. Deita-se completamente vestido e armado, com o fuzil na mão. Desconfia dos próprios  companheiros. Tanto assim que não dorme na rede. Arma a rede, deita-se nela e depois pega uma lona e vai dormir no chão, num lugar mais escuro. Se alguém se mexe no grupo e se aproxima dele, pergunta quem é  e o que quer. A gente tem a impressão que ele nem dorme. Creio mesmo que está tuberculoso, porque tem uma tosse seca  que não se acaba". Andrés  Zambrano
O Virgulino não tinha mais a mesma força, o clímax do cangaceiro vai dos 18 aos 28 anos de  idade, a esta altura beirava os 40. Dormia e comia mal, tomava muito sol, chuva e sereno, andava muito e vivia preocupado com as volantes, sofria da coluna e de reumatismo.  Apesar de ser um caçador, também era uma caça e  de grande periculosidade, uma caça de muito de valor.
As volantes tinham ordem de matar, para depois conversar. A  lei do Getúlio era seca: qualquer cidadão que matasse um cangaceiro,  ficaria com os seus bens, tudo que encontrasse no seu bornal seria  do matador. Todo mundo queria ficar rico, até mesmo os companheiros ficavam de olhos nos bornais dos comparsas, muitos passavam a noite sem dormir,  tinham medo de ser mortos por membros do mesmo bando. Os seus bornais eram os seus bancos, neles eram guardados o dinheiro e as jóias tomadas das vítimas. 
Getúlio dizia nas entrelinha: "quem vai acabar com o cangaço são as estradas, os caminhões, o rádio, os jornais, os telégrafos, as punições a todos os envolvidos e o prêmio recebido por cada cabeça morta" 
Os jornais e as rádios  noticiavam diariamente as estripulias e as maldades do cangaço, as estradas  que cortavam os sertões permitiam o envio de caminhões, mantimentos, soldados e munições, os telégrafos anunciavam as localizações dos bandos.  As mulheres e os filhos  passaram a ser uma das preocupações dos cangaceiros, temiam morrer e deixar a família orfã, mulher sem marido e filhos sem pai.  Muitas foram as vezes que os cangaceiros declinavam dos chamados do Capital Virgulino Ferreira Lampião para embates, e assim lhe respondiam: " Capitão, para este chamado não vou, é muito perigoso, não esqueça que eu tenho filhos para criar".  Enfraquecido,  sem ânimo e com o sumiço dos coiteiros,  o cangaço foi perdendo  as suas  forças.  
A lei era matar, até que,  em julho de  1938, na emboscada do Angico, o capitão Virgulino, Maria Bonita e quase toda a sua cabroeira tombaram sem vida, pela   volante  alagoana, sob o comando do Tenente pernambucano, lotado na polícia de Alagoas, o  comandante João Bezerra da Silva,   vítimas  da mais temida metralhadora da época, a famosa  metralhadora alemã a MG 42 ( Maschinengewehr 42),  chamada carinhosamente pelas volantes de:  A CAGA FOGO ou A COSTUREIRA.

O Coronel Audálio Tenório de Albuquerque, grande latifundiário de Pernambuco e Alagoas, foi eleito deputado Estadual  por Pernambuco em 1966 e cassado pela ditadura militar brasileira. 
 
 50 anos depois, em 2012, com  o Coronel já falecido,  o governo devolveu o seu mandato. 
 
Salvador, 15 de Fevereiro de 2024
 
 Iderval Reginaldo Tenório
 
Mandatos devolvidos 50 anos após cassação pelo regime militar.
 Diário de Pernambuco.   
07/12/2012
 
Iderval ReginaldoTenório


Fonte de pesquisa, diversas obras sobre o cangaço,  a Principal 1- Guerreiro do Sol, Frederico Pernambucano de Melo , Editora  A GIRAFA.2- Diario de Pernambuco.
15- Olha a Pisada _ _O Perdão do Lampião_ _ Boiadeiro ...

www.youtube.com/watch?v=vwCUgZk9U6Q

 

 

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