Dando continuidade aos causos do seu Eloy Teles de Morais, Seu Eloy, aqui vai mais um dos seus episódios.
Todos os sábados , depois das 20:00h, na Rádio Educadora do Cariri, da cidade do Crato-Ce, seu Eloy apresentava um dos mais importantes programas culturais e de entretenimento do Brasil.
.FESTA DA CASA GRANDE.
Dizia seu Eloy que a Festa era realizada numa área de barro batido com mais de seis tarefas de terra e coberta de palha . Tinha mais de 400 candeeiros, de dois litros, 60 latas de 18 litros do querosene jacaré, aquele que não faz fumaça , cinco fardos de algodão para fazer pavios , mais de mil cadeiras e quinhetas mesas, quase meio mundo de terra .
Abastecida com 10 tonéis de 200 litros da melhor cachaça de Barbalha , Zinebra, Cajuínas e Raizadas fabricadas nas redondezas. Carnes bovinas, caprinas e suínas não faltavam , sem falar nos 200 frangos assados e mais de 100 quilos de queijos. Era o maior forró do mundo .
Iniciava no sábado , varava a noite madrugada adentro , só terminava no domingo lá pelas sete horas da manhã quando o bispo tocava os sinos da Sé para a missa das oito. Para animar compareciam de 300 a 400 sanfoneiros, dentre eles o Rei Luiz Gonzaga .
O organizador, apresentador e o responsável por esta festa era o próprio, seu Eloy. Dos microfones da querida emissora, Rádio Educadora do Cariri, a Rádio do povo, o menestrel vigiava tudo.
Como todas as festas, o organizador fazia a sua vistoria antes de abrir as portas ao público. Duas horas antes Seu Eloy visitava a área, olhava os candeeiros, os pavios, conferia os tunéis de cachaça, as carnes , os bancos e as refeições dos sanfoneiros, as 60 latas do mais puro querose e o distanciamento das chamas dos pavios para o teto do galpão.
Orientava o pessoal da cozinha e do bar, conversava com o pessoal da vigilância para não deixar nenhum sujeito entrar armado, orientava as mulheres que aguavam o chão para não fazer poeira .
Na entrada existiam diversos balaios e caçuás para colocarem as facas de cintura, facas de cortar fumo , de descascar laranjas , trinchetes , suvelas e punhais. Caixotes compridos de madeira para pistolas, espingardas, revólveres de todos os calibres e outras armas de fogo artesanais , enfim , conferia tudo para que a festa transcorresse na paz .
O mais hilariante era que antes da festa começar Seu Eloy identificava e conversava com cada sanfoneiro, organizava o momento que cada um teria que tocar, falava que os mais velhos tinham prioridade .
Incentivava que cada um dissesse alguma coisa e puxasse o fole para testar o som da choradaira, neste momento se ouvia o tilintar dos copos, gargalhadas, conversas diversas, sanfonas de oito, oitenta e de cento e vinte baixos sendo testadas. Acordes do Assum Preto, da Asa, Forró de Mané Vito, do Dezessete e setecentos e outros trechos eram ouvidos nos fundos do salão.
A festa era uma verdadeira multidão de visitantes , casais conversando, moças e rapazes em busca de nomoro, profissionais de apoio , músicos , múltiplas equipes e pequenos ambulantes em busca de vender os seus produtos, era um grande momento de confraternização. Doze horas do puro baião, do puro forró, era o maior samba do Ceará e do mundo.
Quando o forró tinha o seu início, entrava um tocador novo e quando puxava o fole seu Eloy mandava o mesmo parar e perguntava se ele não respeitava os mais velhos. Quem deveria iniciar a festa era o mestre Luiz Gonzaga , além de ser o mais velho, era da terrinha do Exu, afilhado do Padim Ciço e o soberano do Baião . Ainda não existia ninguém, que em matéria de sanfona, colocasse cangalha nas suas costas, igual a ele só exitiam uns tais de Beatles na Inglaterra e um tal de Franck Sinatra nos Estados Unidos , o homem era o maior e morria pelo Crato. O sanfoneiro pedia desculpas , voltava para o seu banco e assistia o rei Luiz Gonzaga abrir o espetáculo.
Quando Luiz tocava duas ou três pérolas , seu Eloy entrava e falava; Seu Luiz dê uma chance para os mais novos e aí muitos monstros da sanfona apresentavam-se, sempre intercalados com os maiores do Brasil.
Zé Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Severino Januário, Genival Lacerda, Negão e Arlindo dos Oito baixos , Anselmo, Abdias, Mário Zan, Genaro, Severo, Sivuca, Coronel Ludugero, Marinez, Zito Borborema, Trio Nordestino, Dominguinhos, ainda no começo, Pedro Sertanejo, o pai de Osvaldinho do acordeom e outros grandes, sempre mesclados com os mais novos como Zé Nilton, os Calixtos, o próprio Osvaldinho , ainda de calça curta e pescoço fino. Era o maior espetáculo da terra.
Seu Eloy com o microfone na mão comandava o evento, pedia para não apagarem os candeeiros , para colocarem querosene e não beberem muita pinga. Pedia aos homens que dançassem com lisura e não encarcassem as moças, pois eram de famílias decentes. Caso algum fizesse mal a uma donzela teria que se casar, ali era um samba de respeito.
Quando notava que um caboclo queria apalpar uma moça e levava as mãos abaixo da cintura , pedia para o Luiz Gonzaga tocar uma música para lembrar as regras , não deixava nenhuma dúvida: buliu, casou, era o aviso.
Desse jeito sim/ Desse outro jeito não.
Tu cum essa
mão boa
Fazendo danação
Só quer dançar
No escuro do salão
Vamo pro quilário
Donde tá o lampião
Desse jeito sim
Desse outro jeito não.
"Dançando afigurado
Cum malinação
Por causa disso
Matáro o cabo João
Vamo pro quilário
Donde tá o lampião
Desse jeito sim
Desse outro jeito não"
" O sujeito ajeitava-se, colocava-se no seu lugar a olhar para um lado e para outro à procura do pai na moça, via no palco Seu Eloy, este dava um puxavanco de orelhas e a festa continuava. Assim era a Festa da casa Grande e o forró ia até o dia amanhecer.
O programa era tão autêntico que muitas vezes o mestre Eloy pedia para os sanfoneiros pararem a música, retirava todos os sons das conversas, os latidos dos cachorros, o tilintar dos copos, o chiado dos chilenos e num silêncio sepulcral falava aos microfone para todo o Brasil:
"Pessoal do Crato , dos seus distritos e de todas as cidades vizinhas, Assaré, Barbalha, Juazeiro do Norte, Exu , Bodocó, Salgueiro, Caririaçú, Araripe e Santana do Cariri, muitos estão vindo aqui para a Rádio Educadora para esta grande festa, querem conversar com Luiz Gonzaga , com o Jackson e os outros sanfoneiros, tive que fechar os portões de entrada da emissora , grande foi a quantidade de pessoas e casais pedindo para entrar, inclusive dois prefeitos e muitos vereadores com caravanas.
Aqui minha gente é um Studio fechado, ficamos Eu, dois controladores , uma telefonista e dois técnicos , é apenas um programa de Rádio. Já avisei varias vezes, porém continuam chegando gente de toda a Região para a A Festa da Casa Grande"
Assim era Seu Eloy, a Festa da casa Grande , o nosso Cratinho de açúcar, a Rádio Educadora e o maior Forró do Mundo .
Viva seu Eloy que passou esta cultura para todos nós do Sul do Ceará, nós que tivemos a felicidade de conviver com este gigante da comunicação.
Nós do Cariri fomos uns privilegiados, tínhamos e temos boas escolas, o Diocesano, os Franciscanos e os Salesianos, bons professores e grandes comunicadores nas nossas emissoras .
Tivemos a felicidades de conviver com os ícones da música e da poesia nordestina, notadamente o Luiz Gonzaga e o Patativa do Assaré, como também os três principais nomes da religião católica do nordeste que peregrinaram por estas terras- Padre Cícero Romão Batista , Padre Ibiapina e Frei Damião de Bozano, todos em fase de beatificação.
Este Cariri , sob a tutela da Chapada do Araripe, é uma região abençoada.
Foi nesta chapada que nasceram os três homens do século do Ceará e Pernambuco: Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré e o maior nordestino de todos os tempos - O Padre Cícero Romão Batista , nascido na cidade do Crato e fundador da cidade Juazeiro do Norte, hoje A CAPITAL DA FÉ .
Eita Cariri Macho.
Iderval Reginaldo Tenório
Observação: A Rádio Araripe do Crato já albergou Seu Eloy e os seus espetáculos. É o nosso Crato na cabeceira cultural do Nordeste brasileiro.
Eloi Teles de Morais (Crato, CE, 19 de abril de 1936 - 9 de outubro de 2000) foi um radialista, escritor, advogado, jornalista e folclorista brasileiro.
Formado em Direito, era também funcionário do Ministério da Agricultura.
Apresentador do programa Coisas do Meu Sertão, especializado em poesia matuta e veiculado diariamente, por mais de 30 anos, na rádio Araripe e, depois, na Rádio Educadora do Cariri.
Destacou-se, também, como folclorista, sendo um dos grandes incentivadores das manifestações da cultura popular do Cariri Cearense, como as bandas cabaçais, reisados, maneiro-pau e literatura de cordel.
Foi o fundador e primeiro presidente da Academia de Cordelistas do Crato.
O homem era um visionário, tudo que a televisão faz hoje o seu Eloy fazia na década de sessenta no Rádio Caririense .
Os merchandises.
O querose era Jacaré, a Cachaça era de Barbalha, a Cajuína do Crato ou de Juazeiro do Norte.
Eram os patrocidadores do Programa .
Iderval Reginaldo Tenório
Médico em Salvador
Nascido na Serra do Araripe
Ceará-Pernambuco