ZEZINHO AS COMPLEXIDADES E OS ENIGMAS SOCIAIS
Zezinho não compreendia a diferença entre as classes sociais. Cresceu ouvindo que Deus é o pai de todos os homens e que todos têm os mesmos direitos, pelo menos por parte do Criador. Indagava para si, o porquê da fome, dos sofrimentos financeiros e de outras demandas peculiares aos pobres. Não digeria a ideia de tanta diferença entre as pessoas no tocante as dificuldades da vida, se todos têm o mesmo Pai, e ainda milagroso. Se Deus é pai de todos, quais são os motivos de tantas diferenças?.
Não aceitava os ditados: Filho de peixe, peixinho é e sempre será, filho de gato, gatinho será. Para os animais não humanos, o Zezinho achava natural, uma vez que uma piaba jamais evoluirá para uma baleia ou um tubarão, um gato jamais se transformará em um leão ou em um tigre de bengala, ao nascer gato, morrerá gato.
Na espécie humana, é literalmente diferente, o filho do pedreiro, marceneiro, gari ou zelador pode muito bem ser professor, médico, advogado, jornalista, filósofo, técnico qualificado, empresário de sucesso ou ter outros diplomas, basta ser assistido pelos poderes públicos, pela sociedade e fazer a sua parte, estudar, dedicar esforços nas suas tarefas e ser aceito sem amarras e não ser subserviente, não perder a a sua cidadania.
O Zezinho, apesar de ainda ser uma criança, tem pensamentos cientificamente comprovados e com lucidez. Revela para a sociedade, notadamente para os de sua convivência e os gestores, que todos os seres humanos normais nascem com inteligência, são capazes de evoluir, precisa apenas explorar o cérebro com todos os meios disponíveis e serem tratados com equanimidade.
Perguntava o porquê alguns tinham escolas, casas, hospitais, roupas, mordomias e outros são desprovidos destas demandas e propriedades, mesmo sendo filhos do mesmo pai( Deus) e protegidos pela mesma constituição. Na sua cabeça estes fatos não encontravam paradeiros e fugiam seus pensamentos.
Um pai tem que olhar para todos os filhos sem diferenciação e a nação dedicar os mesmos cuidados. A sua referência era a família, os seus pais olhavam com os mesmos olhos para todos os descendentes. Chegava em casa e não encontrava os utensílios domésticos que existiam na casa do patrão do seu pai, não entendia porque teria que dormir num girau, enquanto o filho do patrão dormia numa cama alta, cheirosa e fofa. Como explicar, se Deus é o pai de todos? Será que Deus gosta mais de um filho do que de outro? Será que ele só gosta dos ricos? Será!?. A cabeça do Zezinho vivia em eterna polvorosa, vivia em voçoroca.
O Menino cresceu, passou a entender o teorema da vida, as engrenagens sociais, a enxergara existência das classes sociais.
Encontrou indícios de que, as poderosas oligarquias faziam e fazem de tudo para que cada indivíduo se perpetue na sua clausura social. Preso, fechado e blindado, ali nasceu e ali morrerá, principalmente nas nações do terceiro mundo, onde o coletivo é suplantado pelo individual, o sobrenome é um fator de peso social, cabe ao pobre apenas obedecer e ser domesticado a não pensar. Será força trabalho para produzir riquezas com eficiência e sustentar o consumo exacerbado dos ricos. Deve se conformar com a vida, pão e circo, viver já é uma dádiva, é o normal.
Passou a entender que para passar de um degrau a outro, de uma classe a outra, o indivíduo tem que ser ousado e ir em busca dos seus direitos. Entendeu que o humano não pode baixar a cabeça, não deve rezar na cartilha da subserviência e sempre dizer amém numa ladainha decorada e conformativa.
O homem tem que lutar e insistir contra os pensamentos dominantes, partir para uma luta democrática e exigir melhores dias.
Para sair do fosso, tem que usar as ferramentas que as castas superiores utilizam, tem que estudar, esforçar-se e não cair nas tentações impostas pelos dominantes.
Deve ser resistentes e contra aos oferecimentos crônicos do pão e circo, de ser proibido pensar, como se a vida fosse apenas entretenimento, obediência, deveres e bucho cheio.
Zezinho reforça o velho ditame imposto aos desprivilegiados: "Como reclamar de barriga cheia!?. Ainda reclamam!?"
Deduziu que para os irracionais esta é a receita do sucesso, porém para os humanos não, os humanos possuem cérebro e não existem diferenças entre as etnias ou gênero, seja negro, branco, indígena, masculino, feminino ou outros gêneros.
O modus de subserviência coaduna com os irracionais domésticos, notadamente os cães, pois os silvestres lutam cotidianamente pela vida e pela liberdade. Muitos chegam à morte na defesa de sua prole e na continuidade dos seus genes.
Veja a perspectiva de vida de um leão. Na floresta vive no máximo 14 anos e em eterna luta, já no zoológico, com casa, comida, roupa lavada, sombra, cuidados diários, fotografias, filmagens e médicos pode atingir os 40 anos.
Prolongo os mesmos pensamentos para os pássaros, estes vivem em eterna autovigilância na natureza, a se defenderem do predadores ou assistidos de pão e água numa gaiola, alheios à natureza. Será que escolherão a submissão do zoológico e da gaiola ou a vida alforriada na natureza, mesmo vivendo mais e seguros dos predadores?.
Zezinho entendeu que, apesar de existir uma carta nacional, chamada Constituição Federal, só lutando, brigando, exigindo, cobrando, esforçando-se, dedicando-se e correndo é que conseguirá subir na escala social e sair do fosso no qual nasceu.
Compreendeu que o único e melhor caminho é no aproveitamento escolar, principalmente na base, na raiz, no caule, na primeira fase da vida, dos zero aos dezoito anos, notadamente nos primeiros oito anos, diz que esta é chave para um mundo melhor.
O Zezinho descobriu que existe uma caixa preta para se alforriar e tem que sair desta clausura . A caixa é blindada, escura, quente e as paredes grossas, porém existe uma saída, uma porta estreita, esguia, quase invisível, dolorosa e requer muitos esforços, coragem, olhos atentos e força de vontade para transpô-la.
Requer foco, resiliência e determinação, é a única comunicação honesta entre as classes sociais. A porta existe e cabe a cada um encontrá-la. A chave, segundo Zezinho, encontra-se nos bancos escolares, que é uma das propriedades para a sua conquista, ao vencer esta etapa a porta deixa de ser invisível.
O que deixava e ainda deixa o Zezinho indignado é que ainda hoje, o ingresso numa boa escola, para encontrar a chave, é o normal para os que estão nas classes sociais mais altas e para os da raia baixa as dificuldades são abissais, não se conforma com este modelo. Se antes a preocupação era com a cama, o estômago e as vestimentas, hoje a sua preocupação é com a mente, a liberdade, os direitos e deveres, a isonomia nas oportunidades e o futuro da humanidade .
Zezinho faz uma observação cabal, diz que as crianças que nascem nas altas classes sociais e de pais que estudaram, ao sair do útero da mãe recebem uma ferramenta para abrir a tão importante porta, uma chave mestra universal, muitos não dão importância e ficam perambulando sem rumo, inebriados pelas facilidades encontradas ao nascer, porém é claro para os nascem nas camadas baixas, estes têm que lutar, e muito, à procura da sua chave e ao encontrá-la, não podem perder a oportunidade de utilizá-la com sabedoria e dedicação durante a vida. Com esta chave universal todas as outras portas ficarão mais fáceis de abrir.
Viva o Zezinho e que os outros sigam o seu caminho.
Basta força, insistência, coragem e resiliência.
Basta ser mais um ZEZINHO.
Salvador, 21 de Setembro de 2025
Iderval Reginaldo Tenório
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