terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

ZEZINHO E O AMANHECER NA SERRA DO ARARIPE, A SUA TERRA NATAL.

                                                       .Nenhuma descrição de foto disponível.

                                                 Turismo e Serviços de Viagem no Ceará

   Nenhuma descrição de foto disponível.

                                              Nenhuma descrição de foto disponível.

                          Nenhuma descrição de foto disponível.                   

 Nenhuma descrição de foto disponível.


                               Nenhuma descrição de foto disponível.

                               Nenhuma descrição de foto disponível.

Nenhuma descrição de foto disponível.    

    Nenhuma descrição de foto disponível.                 

             ZEZINHO  E  O AMANHECER  NA SERRA DO ARARIPE, 

A SUA TERRA NATAL.

 galo Chulipa, antes do sol nascer, cantava   para informar   que era o  senhor do terreiro. Na outra extremidade,  para mostrar que aquele era o seu reduto, zurrava o jumento Jericó. 


Pela manhã, antes do sol nascer,  a brisa fria batia  nas gramíneas, nas babujas  e nos arbustos, enquanto    o orvalho da noite  precipitava-se sobre as folhagens da caatinga, lhe proporcionando a  seiva da vida, e ao mesmo tempo,   molhava o rosto e as vestes   do  homem serrano ao dirigir-se aos currais em busca do nécta branco,   o disputado e raro leite, oriundo do ubre  de vacas de baixa produção leiteira.  Animais sem pedigree e de baixo valor venal, porém de valor nutricional, emocinal e de extrema cumplicidade, conhecida como a fêmea do gado chamado Pé Duro, uma das riquezas do homem sertanejo. 

Do bovino nada se perde, do esterco à urina, perpassando pelo cheiro,  berro,  couro, leite, ossos, cascos, chifres,  carne, sebo e a gordura, do boi tudo se aproveita.  Ao ser morto, por uma picada da serpente crotálica, a  cascavel, a mais temida cobra da caatinga, que inibe os movimentos musculares, causando paralisias em várias partes do corpo, aproveita-se tudo, inclusive a carne e a gordura para se fazer sabão. Quando não encontrado pelos serranos, serve de  alimentos para os urubus e os animais carniceiros dos sertões.  É um animal abençoado, é um promotor de felicidades e de autoestima para os seres humanos, notadamente para os sofridos caatigueiros. 

Com o cheiro contagiante vindo da terra, raízes e folhas  orvalhadas, com os sons dos galhos balaçantes das árvores, os cantos dos pássaros e dos galos, os falares dos  animais e   o zoar  de dezenas de chocalhos,      os viventes do arraial despertavam cheios de energia.

O vaqueiro,  com a sua corda de croá e  balde a tiracolo,   adentrava ao curral, coalhado de esterco e de urina bovina e ocupado por meia   duzia de bezerros, enquanto as  suas mães,  vacas pé duro, pastavam  e bebiam soltas  ao redor do curral, para pela manhã alimentar as  suas crias, a  quebrar o jejum de uma noite solitária. 

Orgulhosamente e cheio de brio, o serrano iniciava o seu mister. Compassadamente  abria a porteira, diligentemente chamava   as vacas, uma por uma,  uma após a outra e apresentava à sua cria. Cada animal tem um nome:  Abria vaca Mimosa,  vaca Estrela ou vaca Mansinha, e atendem pelo nome. O bezerro ia até as  edemaciadas tetas da genitora e ali iniciava-se a liberação do leite produzido durante a noite, parte para o homem e parte para  a sua cria. Enquanto mais o bezerro mamava, mais a mãe o lambia e liberava o necta da vida, mais um mistério sublime  da natureza, que os homens insitem em  chamar de intuitivo e de irracional, não é amor, é instinto, um impulso inato, inconsciente  e sem reflexão.

A cabeça do bezerro junto ao ubre,  peias nas pernas traseiras da vaca e as   mãos grossas do  sitiante a amaciar o túrgido alforje natural  repleto de leite, inicia-se a colheita do enche bucho do sertanejo.   A cuidadosa e desconfiada mãe liberava o proteico líquido ciente que alimentava o seu filho, já afastado, pelo cuidadoso serrano, porém mantido na mesma posição, como se estivesse a mamar. Três entes sertanejos  em busca de perpetuar as suas espécies: O homem, a vaca e a sua cria. 

Nos sertões só com a cumplicidade das espécies consegue-se viver. É o homem, o gado, os animais  de carga, as abelhas e  outros polinizadores, que  juntos aos pássaros, ás aves de rapina, os roedores, as serpentes,  a flora, os astros e os fenômenos naturais em consonância, consguem viver  em  confraternização, sem estes fenômenos a vida seria incompleta.

Enquanto a vaca  mugia,   mungia o vaqueiro, e entre um mugido e outro, o vaqueiro ia mungindo, ia mungindo até o momento em que o bezerro faminto berrava, era um  alerta, era um pedido de socorro. Informava à mãe   que o  leite não estava lhe sendo entregue, estava sendo desviado para outro mamador, iria  alimentar outras bocas, a sua genitora estava sendo enganada.  De imediato a vaca segurava o nécta  da vida,  só liberava para a boca faminta de sua cria, que com muita sede   ordenhava as  tetas com a sua áspera língua, beiços grossos e duas ou três marradas  no  ubre pseudovazio.

Num aforismo nordestino que diz, bezerro que não berra não mama, daquele momento em diante  só o bezerro poderia mamar. Terminada esta ordenha, partia o vaqueiro para outra  vaca, que mugia à procura do seu rebento.  Enquanto a vaca mugia, o vaqueiro mungia, mungia de uma a uma, de teta em teta, era assim o amanhecer na querida Serra do Araripe. O vaqueiro mungindo e a vaca  a mugir, o galo  cantava, o Jumento Zurrava, as vacas mugiam, os bezerros berravam, os pássaros cantavam, os chocalhos zoavam e o vaqueiro mungia.

O sol nascia, abriam-se as porteiras, os animais corriam, enchiam os pastos e o tilintar dos chocalhos preenchiam sonoramente os espaços que    cheiravam  a jasmim, cedros, cidreiras, capins, estercos e urinas, estas de um amarelo   espumante e  cobertas por borboletas de todas as cores em busca de nutrientes orgânicos e minerais.  

Mesa posta, aroma de café em toda a casa, queijos  artesanais, prato  fundo com leite fresco, espumante e pelando de quente. Farinha de milho ou de mandioca, sal, carne do sol, tigelas de coalhadas, prato de macaxeira cozida, bule vermelho  esmaltado  cheio de   café,  torrado e pilado em casa,  tapioca untada com manteiga de garrafa, ovos estrelados na banha de porco e que na maioria das vezes  a gordura caia  pelos cantos da boca. 

Era assim o amanhecer na  querida Serra do Araripe, berço  do menino Zezinho. E haja saudades.

Iderval Reginaldo Tenório

 ADENDO DO AUTOR IDERVAL REGINALDO TENÓRIO

O  jumento é um animal de origem desértica, porém existe em todos os continentes. Possui uma grande cabeça, olhos laterais, duas longas e sensíveis orelhas, uma boca larga, queixadas fortes, dentes resistentes e afiados.  As orelhas, como dois radares captam  numa varredura de  360º, ora para cima, para baixo, para frente e para trás quaisquer tipos de sons. Nada escapa de suas duas potentes  e sensíveis antenas de abas largas. 

É inteligente, cheio de manias,  mistérios e superstições. Não tolera esporas, é vingativo e morde as pernas do condutor quando maltratado.   Enxerga e percebe, no seu trajeto, os perigos  que o homem não vê e não sente. Quando empacam é um alerta aos demais, inclusive ao homem, prova maior está na passagem bíblica entre  o rei Balaque, o profeta Balaão e a sua jumenta a caminho de Moabe, capitulo 22 ao 24 do Velho Testamento.  

O jumento é um animal protetor  para os menores de sua raça  e para outras espécies que com ele convive, é um ser de grande adaptação e é  territorial. Come de tudo, de camisas a sacos de algodão, palhas, capins e até   solas de sapatos encontradas nos monturos. Precisa de pouca água,  passa dias  sem beber e  é resistente às intempéries da natureza.   Chova ou faça sol,   lá está o asno a sobreviver, é um animal xerófilo. Vive uma média de 45 anos, diferente do cavalo, que vive   de 25 a 35 anos e é mais exigente e seletivo no comer. Ao cruzar com uma égua gerará uma belo burro, um muar, um animal híbrido e de carga, o mesmo acontece quando um cavalo cruza com uma bela asinina. O muar herda a força, a coragem e a perspicácia  do asinino; herda o equilíbrio, a beleza, o garbo, a elegância, a altura   e a cumplicidade do equino com o seres humanos.  

Num raio de quatro quilômetros, é o jumento quem manda na caatinga, é um verdadeiro medidor dos tempos e das horas.  É testosterônico em demasia e se  enfeitiçado pelo hormônio feminino, é um perigo. Derruba cerca e cargas, invade plantações,  sabe usar os dentes com fortíssimas mordidas e as pernas traseiras com certeiros coices. Não é discreto, age, reage e atua  independente dos espectadores. Como um elefante impregnado com o hormônio sexual, a testosterona,  o jumento vira um demolidor.

Foi ele quem ajudou o menino Jesus  a escapar, em Belém, das garras do Rei Herodes  quando este autorizou o maior infanticídio da face da terra, o  Massacre dos Inocentes. (Mateus 2:16–18)

É cantado em versos, prosas e no  anedotário nacional e internacional. Tem centenas de nomes, muitos pejorativos e preconceituosos, porém continua firme e forte.
                                         Iderval Reginaldo Tenório
 
 
 
Provided to YouTube by RCA Records Label Apologia Ao Jumento (O Jumento e Nosso Irmão) · Luiz Gonzaga Capim Novo ℗ 1976 SONY MUSIC ...
YouTube · Luiz Gonzaga - Topic · 8 de nov. de 2014
Provided to YouTube by RCA Records Label O Jumento É Nosso Irmão · Luiz Gonzaga O Sanfoneiro Do Povo De Deus ℗ 1967 SONY MUSIC ENTERTAINMENT ...
YouTube · Luiz Gonzaga - Topic · 8 de nov. de 2014
 

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Dr Tenório, fui o menino Zezinho há uns 65 anos.Nasci na roça e presenciei tudo o que ocorria no Curral.So que em minha região, Remanso, quem ficava gora do Curral à noite eram os bezerros e na hora da ordenha o bezerro era peiado nas patas dianteiras das vacas. O termo croá,falávamos caroá.
No inverno, na época do umbu, tomávamos umbuzada com leite cru.Era uma delícia.
Agora só lembranças e saudades.
Abraço