JOQUINHA E A PASSADEIRA DO SÃO JUDAS TADEU .
DEPOIMENTO.
A minha mãe ganhava a vida com muitas dificuldades, trouxas e mais trouxas de roupas para lavar e passar, geralmente brancas, naquela época não existia elergia elétrica no bairro.
O quintal da minha casa sempre parecia com a época de São João, era cheia de camisas e calças brancas, como se fossem bandeirolas a flamularem nos longos e grossos cordões de algodão ou de nylon.
O quintal da minha casa sempre parecia com a época de São João, era cheia de camisas e calças brancas, como se fossem bandeirolas a flamularem nos longos e grossos cordões de algodão ou de nylon.
Eu era muito pequeno, os meus irmãos eram dois ou três anos mais mais velhos do que eu, ficavam a vigiar este grande quintal, que era cercado com arame farpado, não para coibir roubos, pois quase que não existiam no nosso bairro e nem naquela época. Os amigos do alheio eram raros, raríssimos, parece que o povo tinha mais vergonha, o principal cuidado dos meus irmãos era com os pássaros que vinham beliscar as mangas, as goiabas e os sapotis do pequeno pomar, como também para espantar os sagüins, os sariguês e os gambás que habitavam as frutíferas árvores, e que de vez em quando largavam os seus dejetos que manchavam as roupas brancas, que de imediato a minha cuidadosa e limpa mãe lavava outra vez.
As roupas brancas eram de pessoas importantes da cidade, pessoas da sociedade, como falávamos, geralmente a minha mãe pegava num dia e depois de limpas, cheirosas, alvas de arder nos olhos e muito bem passadas, as devolvia aos donos dois ou três dias depois, quando não chovia. Eram roupas preciosas, delicadas e finas, lembro que o capricho maior era com os punhos e com os colarinhos, nestes detalhes a minha mãe era exageradamente exigente.
No dia da entrega, Dona Detinha , minha mãe, fazia questão que eu , o filho mais novo, a acompanhasse, isto porque enquanto ela lavava e os meus irmãos vigiavam, ficava eu atento aos livros , lendo, escrevendo, cantando, dançando e brincando de gente grande, brincando de gente importante, de pessoas da sociedade , ora como médico, ora como industrial e muitas vezes como o prefeito da cidade, nestes momentos sempre falava para a minha mãe, a lavadeira, que quando eu crescesse iria ser um cidadão de estudos e de posição, em vez de lavar as minhas roupas, iria ter condições de pagar para lavá-las e passá-las, dizia também que além das roupas brancas iria possuir muitas roupas , paletós e sapatos de todas as cores e de diversos modelos, porém as camisas na sua grande maioria seriam da cor branca, repetia também para a minha mãe, que iria lhe presentear com uma confortável e grande casa bem mobiliada, com tudo que a mesma quisesse num bairro de primeira, além desta façanha a mesma teria bons, inteligentes e estudiosos netos.
O segredo para a realização deste sonho estava na escola e isto eu tinha convicção, com estes predicados todos os patrões da guerreira matriarca queriam me conhecer, e conheci muitos, todos eram homens importantes e gostavam de minha prosa, foram eles quem atentaram para este meu pensamento.
Um dos patrões, um senhor mais velho e de cabeça branca, conseguiu uma boa escola para mim como bolsista, acho que a escola era de um dos seus filhos , outros me presentearam com livros, cadernos, canetas, lápis , uma bolsa de couro nova, tênis de pano , por conhecer a condição de minha família providenciaram uma alimentação básica, isto até os 17 anos , uma vez que ao completar 18 não mais aceitei as ajudas, pois já me considerava um adulto e é muito feio , desonesto e vergonhoso um adulto ser sustentado por outro, nem mesmo pelos seus pais, salvo por tradição familiar e se possuir uma boa condição financeira, nesta época consegui um emprego no escritório do pai do dono da escola, um grande advogado . No escritório passei a conviver com grandes homens , alguns empresários, médicos, engenheiros e professores, aquilo atiçou a minha mente e dei prosseguimento aos estudos.
Hoje a minha mãe está com 70 anos de idade, mora na sua bela e confortável casa própria, muito bem mobiliada e num bairro onde moram os seus antigos patrões, hoje muitos lhe chamam de comadre.
A dedicada Detinha não cansa de ajudar os sobrinhos, os vizinhos do antigo bairro e os seus netos, quase todos cursando ou no rol da Universidade.
A minha esposa trabalha num grande hospital e no seu consultório, tem uma bela e fiel clientela oftalmológica, eu sempre faço algumas viagens a trabalho. Nesta semana darei uma conferencia numa empresa de engenharia que atua na geração de energia, pois o meu projeto foi aprovado e foi o vencedor de uma licitação num país da Europa. Os diretores querem saber mais sobre os novos sistemas de produção de energia limpa, eólica e solar, querem implanar nos parques industriais.
Peço a minha bênção a minha mãe e deixo um recado para os jovens de qualquer nível social: Força de vontade, coragem, perseverança, respeito, juízo e muito trabalho são os únicos caminhos para os que querem crescer socialmente na vida com ética e cidadania.
Deixo um forte abraço com muito carinho e esperança para todos os amigos. A todos muita sorte nos estudos e relembro:
Para o pobre só existe um caminho, a Escola, isto, para que não fique na mente de cada um, que filho de gato tem que ser gatinho, no reino irracioonal sim, porém na raça humana é diferente, quem manda e comanda é o cérebro e depende de cada um, principalmente do seu proprietário. Mesmo sabendo que tem uma casta que diz em voz alta que : "FILHO DE GATO, GATINHO SERÁ", não é verdade. Na minha convicção na raça humana é diferente, filho de gato pode evoluir para qualquer animal, tanto pode regredir ou evoluir para leão, elefante, um tigre de bengala, baleia, águia e até mesmo para um tubarão, vai depender da escola, da força de vontade, da coragem, da incansável busca e dos poderes públicos.
Do amigo Joaquim, que quando criança era chamado de Joquinha de dona Detinha, a lavadeira do bairro São Judas Tadeu.
Joaquim de dona Detinha
Salvador, 15 de Outubro de 2016
Iderval Reginaldo Tenório
FOTOGRAFIA 3 X 4 - BELCHIOR - YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=UyYH1biSlBY
11 de jun de 2010 - Vídeo enviado por vangodias
ALUCINAÇÃO (1976) PHILIPS/PHONOGRAM - O SEGUNDO E MELHOR ALBUM DE BELCHIOR.
Um comentário:
Aqui chegou ao coração de uma época. Há uma fonte interior. Assim.
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