O VELHO, A PENITENCIARIA
E
A COLÔNIA AGRÍCOLA.
Ao visitar uma penitenciaria, colônia agrícola, e ao dialogar com os moradores, Zezinho ficou impressionado com um velho detento.
Defronte a um velho de barba branca e cabelos longos, voz arrastada, pouca
leitura , pele encolhida e olhar
perdido, sem direção, o Zezinho se abobalhou.
Após cordial diálogo o velho de boca banguela , mãos grossas e unhas escuras olhou para o mundo
e mirou o infinito, viajou no tempo e pousou na realidade da vida .
Cavador nas mãos, bornal cheio de grampos , martelo e pé de cabra para esticar arames. Cheio de solidão olhou para o sol protegendo os olhos com uma das mãos, devido a claridade, e com um molambo puído enxugou a ressecada tez.
Esboçando caretas com os desidratados músculos da face e a rouca voz, quase gutural, balbuciou algumas palavras.
"Di qui adianta viver num mundo como esse? di qui adianta?! O mundo pra
mim num tem sentido, vivo cá há 30 anos, num tenho mué, pai, mãe, fios e
nem amigos, a vida é drumir, acordar, comer, descomer , cavar buracos e
insticar arame, num tem sentido. Drumo, acordo, como, descomo, cavo
buracos e
dispois, dispois vou insticar arame, num tem sentido."
Parou de balbuciar , olhou para cima, sol a pino. Coçou a cabeça,
colocou o seu chapéu de palha, pôs o cordão por debaixo do queixo , arregaçou
as mangas do grosso brim,
aberta até o umbigo , falou resmungando para si e para o além, quase a murmurar, num tem sentido esta vida. O Zezinho ficou boquiaberto e desnorteado.
"Qui dureza!, ave Maria ! Qui sóle quente , já comí, já descomi, já cavei buracos e agora seu môço vou insticar arame."
E com o tom da voz cada vez mais baixo foi balbuciando, abaixando a voz e se
afastando em busca de realizar a sua tarefa.
"Vou insticar arame , vou insticar arame . Inté mais, inté."
Saiu à procura de arames farpados soltos , de estacas carcomidas pelos cupins e de mourões prestes a caír.
Indiferente e claudicante sumiu beirando a cerca, puxa aqui , puxa ali, uma martelada acolá, um grampo que cai, um grampo que se perde, um resmungo, uma cusparada, uma estaca frouxa, mole, quase caindo e lá se vai o velho cheio de desilusão acostumado com a vida recebida e agora em consumo.
Come, evacua, cava buracos , estica arame, olha para o sol, enxuga a
testa, bota a mão no bornal, dá uma martelada, assoa o nariz, estica a coluna
com as mãos nos quartos , coça as nádegas e continua a deambulação.
É a sua rotina , é o cotidiano , é a vida, é o seu pequeno mundo. Olhou bem nos olhos do Zezinho e falou:
" Muitos são os tipos de prisões nesta vida seu môço. Vou esticar arame".
Salvador, 21 de abril de 1998
Iderval Reginaldo Tenório
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