Hanseníase e as histórias de um Brasil que está na Idade Média
Conhecida antigamente como lepra, a doença ainda é bastante comum no país, apesar de estar praticamente erradicada no resto do mundo
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Ilustração do século 14 mostra dois portadores de hanseníase tentando entrar numa cidade (Wikimedia Commons/)
A hanseníase é causada por uma bactéria chamada Mycobacterium leprae, transmitida de um indivíduo para outro por meio de gotículas de saliva, que entram pela boca e pelo nariz. O micro-organismo se instala nos nervos periféricos do corpo, bem próximo à pele, e fica ali durante anos, sem dar sintomas. Ele demora muito tempo para se reproduzir: a título de comparação, o bicho leva 15 dias para dar origem a um novo bacilo, enquanto a bactéria da tuberculose, por exemplo, se replica a cada 24 horas. Mas chega um momento em que sua presença na região diminui a sensibilidade e desemboca em sérias lesões.
Acontece que cerca de 90% das pessoas possuem defesa natural contra o agente infeccioso. Mas há 10% que estão vulneráveis a ele e podem vir a desenvolver o problema. Outro dado que mostra a perplexidade do quadro brasileiro: o diagnóstico da condição é fácil, feito no consultório do médico, sem necessidade de exames mais complexos. O tratamento, por sua vez, é simples e consiste no uso de dois ou três antibióticos por alguns meses. Depois desse tempo, a bactéria acaba extirpada do organismo e a cura está garantida.
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No mapa da hanseníase, os países em verde estão com a doença
erradicada. O problema segue grave em Brasil, Índia, Madagascar, Angola e
Nepal
No mapa da hanseníase, os países em verde
estão com a doença erradicada. O problema segue grave em Brasil, Índia,
Madagascar, Angola e Nepal (Ilustração: Wikimedia Commons/)
“E aproximou-se dele [Jesus] um
leproso, que, rogando-lhe, e pondo-se de joelhos diante dele, lhe dizia:
‘Se queres, bem podes limpar-me’. E Jesus, movido de compaixão,
estendeu a mão, tocou-o, e disse-lhe: ‘Quero, sê limpo’. E, tendo ele
dito isto, logo a lepra desapareceu e ficou limpo” (Evangelho de
Marcos).
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Sino utilizado por um indivíduo com a doença durante a Idade Média
Sino utilizado por um indivíduo com a doença durante a Idade Média (Fotografia: Wikimedia Commons/)
A dermatologista Letícia Maria Edit, de Porto Alegre, publicou um artigo em que rememora episódios da hanseníase no Brasil.
Durante vários séculos, os portadores da doença foram tratados com extremo preconceito por aqui. Eles eram proibidos de comer, dormir ou casar com pessoas saudáveis, não podiam tocar em comidas nos mercados e nem entrar em algumas cidades, como São Paulo. “Os filhos dos leprosos não podiam ser batizados como as outras crianças pelo risco de poluírem as águas da pia batismal”, escreve.

A
doença foi descoberta pelo cientista norueguês Gerhard Hansen — é do
sobrenome dele que vem o atual nome da infecção (Fotografia: Wikimedia
Commons/)
Infelizmente, desse episódio bárbaro para os dias de hoje o cenário pouco mudou. O preconceito é tão grande que preferimos esquecer e ignorar a existência da doença e dos indivíduos acometidos por ela. A troca de nome de lepra para hanseníase parece ter mais confundido do que ajudado a aplacar a intolerância. Não existem grandes campanhas de conscientização. Sem contar o fato de que os médicos são formados nas nossas universidades sem terem nenhuma aula sobre o assunto. Enfim, uma série de defeitos institucionais levam ao descontrole de um problema que, como já dissemos, é de fácil diagnóstico e tratamento. Eu conversei brevemente com dermatologista Marco Andrey Cipriani, presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia, que informou os principais sintomas da condição:
“Nas formas iniciais, a hanseníase se manifesta por anos através de dormências, cãibras e formigamentos em áreas definidas do corpo. Esses sinais ficam mais comuns nos meses frios do ano. Depois, surgem lesões de pele esbranquiçadas e avermelhadas, ou nódulos espalhados pelo corpo, na face e nas orelhas. Todas essas lesões vêm acompanhadas de alterações de sensibilidade. Um bom teste é tocar com a mão ou com algum objeto no local machucado e, depois, numa região próxima. Se você sentir diferença no tato, é importantíssimo procurar o médico o quanto antes”.
Precisamos falar mais da hanseníase. Até para que ela deixe de ser uma de nossas grandes (e anônimas) vergonhas nacionais.
Um comentário:
UM ótimo documentário sobre essa doença que infelizmente ainda nos afeta
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