sexta-feira, 9 de maio de 2025

As Gargalhadas de seu Mocim.

 

 Leão Rindo Cara Desenho Animado Fofo PNG , Leão, Feliz, Enfrentar PNG  Imagem para download gratuito

Leoes Rindo Imagens – Download Grátis no Freepik

Nenhuma descrição de foto disponível.

As Gargalhadas de seu Mocim.

Em três Capítulos.


I

A CHEGADA 

As Gargalhadas de seu Mocim. 

Ao adentrar,  não aguentou a decoração da sala,  deslumbrou-se com as  centenas  de livros da estante e outros esparramados nas cadeiras como se fossem melancias no pomar. Ficou encantado com  os quadros mostrando a família, o Nordeste e outros   homenageando   alguns pacientes.

 Como um cinegrafista, filmou com os olhos    os painéis de informações, as esculturas das coisas do sertão,    as   estátuas do Padre Cícero e a do Frei Damião, nada  escapou das suas duas objetivas fotográficas naturais, desmanchou-se em risos. Não conseguia olhar nos olhos do médico, olhava para dentro de si e para o mundo, era um olhar de realização, de igualdade, superação, desforra, da conciência humana e do esvaziamento das mágoas, um  olhar vitorioso, um olhar de cidadania,  cada detalhe, mais risos, viajou pelos long´picuos trecantos do seu sertão. Ficou exausto de tanto sorrir. Seu Mocim deixou de ser coisa e voltou a ser gente.

     "Doutor há muito tempo que não tenho dado um único sorriso, só sofrimentos, só mesmo o senhor para me fazer rir, obrigado doutor, Deus sabe o que faz.

 Mais uma vez se desmanchou em intermináveis gargalhadas.

Refez-se, olhou para o médico, perguntou   qual era seu interior  e onde havia se formado. Começou a fazer comentários da inusitada sala. 

 Falou que o ambiente estava mais para museu do que para consultório,  para o passado do que para o presente ou futuro. Perguntou se aquele rádio de 1930  funcionava, lembrou muito do seu avô e do seu pai. Ficou assombrado quando no toque de um dos botões, surgiu um som grave, de uma viola pantaneira, a executar o clássico Chalana, do Mário Zan, dedilhado pela maior violeira brasileira, considerada em todo o mundo, pela  "Guitar Player", como uma das 50 maiores e em 2012,  incluída na lista  dos 30 maiores ícones brasileiros da guitarra e do violão, a pantaneira do Mato Grosso do Sul,  Helena  Meirelles, hoje estudada em diversas universidades pelo mundo.  Depois se deliciou com um som aconchegante do velho Gonzagão, A volta da Asa Branca, do médico pernambucano Zé Dantas. Não se conteve,  levantou-se, encostou a orelha direita na parte frontal do aparelho, abaixou e elevou o som, ficou impressionado, era igualzinho ao do seu avô.

    "Doutor este rádio é igual ao do meu avô,  me lembro até da sua voz, do seu cheiro, das suas mãos ressecadas e do  cuidado com a sua preciosidade. Aqui estou na Fazenda do Tio Chiquim".

Não conseguiu ficar em silêncio. Pegou um candeeiro  que estava sobre o rádio e pronunciou o nome de sua vó, "VÓ MARIA". Riu ao avistar uma antiga máquina de costura,  veio à  mente a sua tia Cotinha, tão boa, tão caridosa e tão atenciosa, era a  mais velha das irmãs do seu pai, era  franzina, porém decidida. Deus a chamou, quando o Brasil foi campeão em 1970. Não conseguiu calar  quando avistou um fruto nordestino, um jatobá, os olhos lacrimejaram, pois no seu sertão, quando menino, era o único bocado a lhe matar a fome quando perambulava à caça de alguns nambus, preás e juritis,  caiu em prantos.
 

 "Ah! seu doutor como era bom, tudo  era alegria. Como o mundo era bom, puro   e de todos os homens   da terra, a única riqueza era a família"

Os risos foram desaparecendo e aos poucos a razão foi se aproximando, e junto com a emoção, o homem começou a falar de sua vida e a explicar à filha como foi a sua infância nos cafundós da Paraíba. 

Falou da raridade das águas, da seca de 32, dos conselhos do Pe Cícero e o quão importante foram os seus antepassados. Há muito não se lembrava das pessoas do seu interior, dos latidos dos cães, do cheiro dos estrumos,  nos raros dias  chuvosos,   e nem  do seu velho torrão. 

Contemplando o ambiente, sentou na cadeira do paciente, pregou os  olhos num quadro 100 X150, que   mostra uma velha estação de trem. Trilhos envelhecidos,   um trem fumacento,  cambaleante e uma criança esquálida no batente de uma choupana.  Lá no fundo, uma chapada  baixa com arbustos cinzas, e no primeiro plano, uma alta calçada em decomposição. Deitado abaixo da falha marquise, que ensombreia a frente da estação, um velho cão à espera de um naco para saciar a fome. Olhou, balançou a cabeça, mirou a face do médico e assim se expressou .

            "Doutor,  valeu, só esta visita valeu, mesmo que não fique bom de minha enfermidade, valeu, mas valeu mesmo.  Viajei no tempo e no espaço, voltei ao meu Seridó, senti o cheiro dos meus antepassados. Valeu."

 

II

A CONSULTA 

Iniciei a consulta. Perguntei por  suas origens, o seu Estado natal, profissão, pais, avós, das brincadeiras na infância,  das namoradas, dos seus vira-latas, das festas juninas e de fim de ano, se havia tomado banho de rio, se morou em casa de sopapo,   se falou e andou  na época certa, se já teve sarampo, catapora, bicho de pé ou outras moléstias  regionais e se já tomou alguma vacina. Indaguei a respeito dos  seus filhos e dos contemporâneos do campo,  do seu trajeto como ser humano e  da dureza  de hoje  encontrar-se com 90 anos, vivo, lutando, brigando, incompreendido, injustiçado e muitas vezes desvalorizado,   uma vez que,    na vida só fez mesmo foi trabalhar. Labutar para educar os filhos e enriquecer o país em troca de quase nada.

A função principal era os cuidados com os filhos em todas as pripriedades da vida, da comida à educação. A função era forjá-los como  cidadãos.

Neste momento notei  mudanças no seu semblante, as palavras tocaram o seu mundo e a sua vida, ali chegára o grande Seu Mocim.

Após este preâmbulo, observei com o olhar médico todo o seu corpo, parte por parte.   Indaguei por sua saúde, detalhe por detalhe, ponto por ponto, sintomas por sintomas.  Enquanto olhava e perguntava, os olhos  observavam  atentamente todos os seus pontos anatômicos,  inclusive as asas do nariz e o pulsar das carótidas.  Os ouvidos, como radares,  escutavam sem aparelhos o som da respiração, da fala, do tossir, dos movimentos das pernas, dos braços e dos dedos, enquanto   o nariz o cheirava à procura dos seus odores e dos odores das patologias. Eu o conduzir a uma macia maca, procurei edema nos membros inferiores, pulso das artérias pediosas, do calcanho, das  poplíteas, femurais e das demais artérias.   Palpei as vísceras,  os gânglios inguinais, axilares, submandibulares e os cervicais. Realizei a percussão abdominal, auscultei os pulmões e o coração, tudo parte por parte, sempre a descreve-los e olhando nos olhos  de  seu Mocim e de sua cuidadosa filha, depois avaliei   todos os seus exames em voz alta e a comentar. 

Trazia na lapela um diagnóstico sombrio e  de  péssimo prognóstico, era uma doença maligna em avançado estado, inclusive com  ascite e disseminação para outros órgãos, não aguentava mais procurar médicos e sem uma  solução.

De posse dos  dados, esbocei um rascunho do corpo humano, enfatizando o aparelho digestório.

Localizei a origem do seu problema, martelei didaticamente órgão por órgão.   Para que servem, o que fazem e como se encontravam, explanei a sua evolução. 

A cada traçada das esferográficas coloridas, seu Mocim balançava a cabeça afirmativamente, como   já soubesse de tudo. Falei que o figado, o estômago, o baço e os intestinos são vermelhos. As vias biliares e pancreáticas, a vesicula e o pâncreas são verdes. Os vasos que saem e entram do lado esquerdo do coração, são vermelhos, levam o sangue rico em nutrientes e os que saem e entram no lado direito do coração, são azuis, trazem do corpo as mazelas das células, é ium sangue pobre em nutrientes.

Expliquei que o homem no Brasil, vive em média até os 74anos, e ele com 90, já havia ultrapassado 16 anos da média. Mandei que o mesmo relembrasse dos seus amigos de infância, coloque em uma única mão contando nos dedos, quantos estavam vivos, quantos ainda saboreavam um feijão com toucinho e farinha, ele não se conteve e  complementou:

   "E bem vividos doutor, bem vividos. O senhor se  esqueceu das doces rapaduras   das cidades de Monteiro, Souza, Cajazeiras  e de Campina Grande."

Levantando o dedo indicador da mão direita, apontando-o para os céus, complementou: 

"as rapaduras  mais doces do mundo."

 Completei:

      "vividos no trablho seu Mocim, no respeito, na honestidade e com seriedade, não como muitos que se dizem importantes e só servem para subtrair o pouco dinheirinho do povo, muitos estão exercendo cargos políticos a enganar a nação nordestina."

Retrucou seu Mocim:

 "Pura verdade doutor, pura verdade.  Eduquei todos os meus filhos com o salário da leste e com o suor do meu próprio rosto. 

Na leste eu era o despachante das toneladas de algodão que a Paraíba mandava para a Inglaterra. A minha função era de compactador.

 O algodão vinha nos caminhões e para a carga não ocupar muito espaço nos navios, os ingleses mandaram um compactador, uma máquina de ferro para comprimir o algodão que vinha nos fardos. Esta geringonça  pegava um caminhão carregado até o topo, e transformava  em três ou quatro   cubos de um metro por um metro. Daqui eram enviados até o Porto de Cabedelo em João Pessoa" 

Mostrei o meu interesse pelo assunto e o seu Mocim orgulhosamente explanou: 

"O senhor sabia que todo o algodão do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e parte do Ceará iam para os estrangeiros pelo porto do Cabedelo?  A minha Paraiba doutor, fez e faz   muito por este Brasil"   

 Eu só tenho o ABC doutor, o ABC, mas conseguir educar os meus filhos. Hoje um é engenheiro da Petrobrás, outro é Professor  e o outro é Medico, médico numa cidade do interior, muito procurado pelos seus pacientes.  Não é porque é meu filho não doutor, mas é um bom médico, todo mundo gosta dele, desde pequeno que é muito estudioso.

Todas as  semanas, me telefona e ainda manda uma coisinha todo mês. Sei que  está difícil, mas não se esquece de mim e nem da sua velha mãe."

    Elevou a ressecada mão esquerda até o  ombro direito da filha e falou:

Esta aqui doutor, é a Dolores, a  caçula. Estudou para Assistente Social, casou com um colega do senhor, está muito bem e mora aqui em Salvador, trabalha no INPS.

  Complementei:

        Seu Mocim,  é de pessoas como o senhor que o Brasil precisa, aliás,  foi o senhor quem construiu  este país, contruiu com vergonha na cara  e as forças dos seus braços.  

Naquela época, sem água encanada, estrada,  luz e sem telefone; geladeira só para os ricos, os mangangões, aqueles que mandavam no povo. Só os coronéis possuíam esta tal de Frigidaire, o resto  era  sofrimento. 

Existindo água no pote,  comida e um cômodo para dormir, já estava bom demais. Mesmo assim, lá estava o senhor na labuta e numa vida digna  para toda a família.

O homem abriu mais um sorriso, desta vez uma gargalhada, o sorriso da experiência, da responsabilidade, da autoestima, da força de vontade e do orgulho pessoal.

             "Êita que doutor danado, era  isso mesmo doutor, era assim mesmo."

E mais uma vez os olhos marejaram, inclusive os olhos da dedicada filha .

Foi realizado um minucioso exame físico, o que confirmou a gravidade do caso.  Explicado ao paciente que se tratava de uma doença que não necessitaria de cirurgia, que  poderia comer o que quisesse, desde quando não prejudicasse a sua saúde. 

Poderia passear, ir à praia, visitar os seus parentes na Paraíba, trazer um bom queijo  coalho, uma boa goma de tapioca, uma boa farinha e doce de leite   para o seu médico, e que não deixasse de comparecer à clínica nestes próximos 15 dias. 

Aos familiares, foi informado que se tratava de um caso inoperável devido as metástases, a gravidade e outras doenças adquiridas durante a dura vida que levou, além dos 90 anos de idade, bem vividos.

De pronto a filha disse:

             "Doutor, nós queríamos ouvir mais uma opinião e pai disse que se fosse para operar, ele não aceitaria."

A conversa continuou por mais alguns instantes. O abraço da despedida foi mais efusivo do que o da chegada, foi um abraço mais forte, do desprendimento, da conquista, o abraço como  de dois velhos amigos que há muitos anos não se viam, o abraço da compaixão,  da liberdade, do respito e  do entendimento.

                                       III

                               A NOVA VIDA 

O  paciente passou a ser um grande amigo, o consultório começou a fazer parte de sua vida, sempre que necessário. Muitos foram os momentos de alegrias, de puro entretenimento e muitas histórias recuperadas. Passei a frequentar a sua casa  e a conhecer todos os familiares.

Usufruir de bons papos, enriquecedoras prosas e saborosas relíquias da culinária, passaram a ser rotina.

Como o tempo não perdoa  e o Criador sabe o que faz,  o  amigo foi se familiarizando com seu quadro e  tomou conhecimento da sua enfermidade.

Comentava que o homem é um ser mortal e que todos têm o seu dia para falar mais de perto com Deus, encarou o quadro com consciência.

Alegre como  um menino, foi plantando alegria, foi aproximando-se de si e dos familiares, até o dia de sua audiência maior com o Criador.

Exatamente, 360 dias depois, foi realizada a missa de 7º  dia em homenagem ao o meu querido amigo, que muito riu, dançou, cantou e me abraçou no  humilde, simples e singelo consultório, que muitas alegrias me proporciona e multiplica o  número de amigos.

Nos seus últimos dias, na cabeceira do leito, ou melhor, na cabeceira de sua cama, rodeado de familiares e amigos, olhava e dizia:

"Amigo doutor, valeu, valeu e como valeu"

Convicto de que,  daqui há muitos e muitos anos, quando me encontrar quase que irreconhecível pelos janeiros acumulados, e ao chegar onde muitos já estão,  não serei um estranho no ninho. Chegarei contente, cônscio do dever e  missão cumprida aqui na terra. Sinto que lá, lá, onde   DEUS nos espera  e se for merecedor, serei muito bem recepcionado.  

Foi assim que ganhei mais um amigo e assim que aumentei a minha família.          

                  Salvador, 30 de julho de 2006

                  Iderval Reginaldo Tenório

Escutem do Belchior,  uma imortalizada obra. Fotografia 3X4. Escutem.

Vídeos
Fotografia 3 X 4
YouTube Belchior - Topic
Alucinação - Fotografia 3x4
YouTube Volta Belchior
12 de jan. de 2014

 

A CALÇOLA DE TIA ZIZINHA E O BOI BUFÃO

                                          A calçola de tia Zizinha 

 

Calça feminina - Ilustração de Peça íntima do vestuário royalty-free 

Preços baixos em Calcinha de Nylon para meninas em Calcinhas femininas |  eBay

Nenhuma descrição de foto disponível.

Miura, o boi mais furioso do mundo

A calçola de tia Zizinha

EM TRÊS ATOS  


Tia Zizinha

 Apesar de franzina, Tia Zizinha era uma setentona valente.   Semblante calmo, voz firme e olhar seguro,  empunhava respeito.Nem só os seus sobrinhos, mas todos a chamavam de Tia Zizinha.  

Era  quem organizava as quermesses, as partidas de futebol, as lapinhas, as gincanas,  as torcidas organizadas e as festas do milho. Quando jovem, ganhou diversos concursos de Rainha da Paróquia.

Embora pequena e  sequinha  era um verdadeiro furacão ou um vulcão em erupção. 

Dezembro de  1969,  a cidade encontrava-se em chamas.  População duplicada, devido a presença dos visitantes para a maior vaquejada da região. 

Cavalos espalhados em todos os recantos,  bois nos currais, caminhões, caminhonetes, carros de boi  e carroças  enchiam as ruas e os bosques.  Carros de som martelando os  ouvidos com  canções sertanejas aproximando os apaixonados.  Rodas gigantes, canoas, tiro ao alvo e muita comida regional completavam o cenário do grande parque de exposição, tudo idealizado, organizado e executado por tia Zizinha. 

 O relógio marcava 12 horas,  a conversa rodeava a farta mesa do almoço, o papo solto campeava na imensa sala da amada tia. 

Zezinho, sempre tirado a conversador, iniciou uma discussão sobre a vida,  a grandeza do universo, a importância do ser humano e o quanto de orgulho possuem certas classes sociais, apesar da insignificância do ser humano diante da complexidade, dos segredos, das incertezas e dos mistérios da vida.

Depois de longa prosa filosófica, campesina, folclórica, genética e cultural,   em tom de deboche, Zezinho falou  para a tia Zizinha:  

__Tia, a senhora não vê neste mundão de meu Deus, esses indivíduos que se dizem importantes, bonitos, orgulhosos, cheios de soberbas etc e etc.? eles e todos nós somos uns bostas, somos uns merdas Tia Zizinha, uns merdas. Aliás tia Zizinha, nós e bosta somos a mesma coisa,  basta um mosquito, uma bactéria, um vírus e lá estamos debaixo do chão.  Nós não somos nada, basta um dia sem um banho, e lá está a inhaca.

Tia Zizinha parou, pensou, pesou, sopesou, matutou e de imediato falou para todos em voz alta: 

 __Nós não, meu filho, me tire dessa corriola,  vocês sim.  Vocês que estudaram,  se diplomaram, moram e moraram na capital e são doutores, juízes e professores podem se considerar bostas, podem se achar uns merdas, porque eu sou um mero pum.

Um pum silencioso, sem odor, frouxo e abafado, isto é, um pum fajuto, escondido e que não tem direito a voz.  Para você ver, nem zoada o coitado faz.  Eu, seu pai, sua  mãe e os seus tios  somos uns projetos de bosta, ainda falta muito, e nem sei se um dia seremos bosta, acho que daqui para frente,  seremos  sempre prenúncios de bosta.  Bosta  com formato, odor e cor  de bosta meu filho, só na próxima geração.

Após gostosas e efusivas gargalhadas,  Zezinho retrucou: 

 __É tia, eu não sei por que tanto orgulho, tanto orgulho besta, pois todo mundo, do mundo, tem por trás uma bunda. Umas batidas, outras avantajadas, umas duras  e outras  moles, mas todos têm, todos Tia Zizinha, todos os viventes  do mundo, têm uma bunda colada atrás

Pensou Zezinho       que havia falado tudo, achava que era o sabichão e tinha dado o tiro de misericórdia  no acalorado papo. 

A tia não  contou conversa. Com o dedo em riste, olhos arregalados e em tom de advertência,   abriu a boca e em voz alta  exclamou  a todos que estavam na sala: 

__E ainda por cima, meu filho, ainda por cima Zezinho, furada!

Este é o perfil da minha velha tia Zizinha. Tem respostas na ponta da língua e para todas as perguntas. 

 

II

                         A vaquejada  

Pôr  do sol de domingo, Tia Zizinha no comando da festa.

Vestido vermelho-rodado, chicote de couro cru na mão direita, chapéu de massa na esquerda  e uma  bota cano longo  que beirava o joelho, era uma verdadeira amazonas. Pista limpa, rapazolas pendurados nos mourões da cerca de madeira, moças de minissaias saboreando maçãs do amor, velhos e crianças nas arquibancadas de tábuas agrestes. As cancelas e os portões fechados, tudo pronto para a abertura do evento.

Sob os aplausos da plateia, entra na  pista a tia Zizinha. Sozinha, descontraída e envaidecida.

   Com as salvas de palmas era a toda poderosa, a rainha da festa. Ali estava a Tia Zizinha em carne, osso e outros predicados. A plateia gritava em coro e sincronizada:

Tia Zizinha! Tia Zizinha!” várias vezes e sempre mais alto.  

Aquele ato poderia se chamar de, o  dia da glória, da labuta, da dedicação, dia  da coroação.  Tia Zizinha era mais do que uma  Rainha, era a imperatriz do sertão.

De repente, inesperadamente, não se sabe de onde,  surgiu um boi preto de mais de metro de largura por dois de altura.  Ancas largas, chifres em arcos, grandes, pretos  e   pontiagudos, aro de cobre nas narinas e cinta de couro apertada no  vazio.  Olhos avermelhados, narinas bufando que só uma maria-fumaça e cascos a furar o chão.  As fortes patadas sobre o solo geravam um poeirão que chamava  a atenção do público.  O animal não contou conversa, nem gritaria e nem tempo ruim,  partiu enlouquecido e desembestado  pra cima de tia Zizinha. 

Imediatamente, a tia procurou os portões, todos lacrados, procurou um abrigo, não achou. Encontrava-se no meio da pista, no olho do furacão, ela, Deus e o boi bufão. 

A amazonas não titubeou e com seus finos gravetos, quis fazer bonito.  Levantou os braços, mostrou o belo chapéu de massa e rodou o chicote de couro cru sobre a cabeça, quis parecer que tudo fora programado, que aquilo fazia parte do espetáculo.

  Correu para um lado, pulou para o outro, gritou como vaqueiro:  “Vai boi mandingueiro, boi marruá, boi bufão”. Procurava enganar o feroz bizão e mostrar valentia para os espectadores.  Conseguiu chegar até a cerca, mas,  chegou tarde,  sentiu na sua traseira uma cravinetada dupla, com impulso veloz, compacto, agudo e muito forte nos atrofiados glúteos  os chifres lhes acertaram em cheio. A tia decolou   como um teco-teco  sem biruta,  a manobra lhe arrancou a saia, as anáguas e a combinação, de quebra, trouxe como troféu a sua vermelha calçola de brim, fundo duplo de forro grosso, acinturada com cordões de rede, embebida de suor, restos de urina e  do  odor ocre das partes pudendas, lavadas com economia de água e pouco sabão em barra.

Com a setentona jogada contra a cerca,  as saias lhes cobrindo as enfurecidas narinas, além das vistas vedadas pela enxarcada calçola, o boi ficou acuado, perdeu o rumo e o prumo, rodava como um peão à procura da presa, o povo pulava e gritava o ensurdecedor refrão : “ Tia Zizinha, Tia Zizinha”.   O boi atordoado ficou perdido e desorientado, o boi pirou, surtou, o boi endoideceu e rodava como uma cobra cega. Com a grossa e umedecida calçola só enxergava pelas laterais, o boi endoidou. Rodava a cabeça,  pulava, chicoteaca o rabo, urrava e bufava. O poeirão gerava um verdadeiro cenário cinematográfico, a população em êxtase gritava o nome de tia Zizinha. 

Apesar do ataque o boi perdeu a batalha. A Tia Zizinha levantou garbosamente o machucado corpo,  sacudiu a poeira, e não teve outra escolha, desfilou só de califon e com as vestes de cima três dedos abaixos dos seus dois murchos maracujás.   Com a traseira batida e dois vergalhões vermelhos indo até as costas, a tia corria elegantemente para escapar do esbaforido boi. 

           Foi o espetáculo do ano, a plateia foi ao chão. Os gritos ensurdecedores contagiaram os presentes. A plateia foi ao  delírio e   a tia Zizinha chegou ao estrelato, ao dia de glória.

                                                  III

                                 O PÓS VAQUEJADA

           Os narradores com os microfones em punho, muitos ficaram roucos de tanta emoção, foi o maior espetáculo da terra

Nos folhetins  a manchete :


A CALÇOLA VERMELHA DE TIA ZIZINHA E O BOI QUE PERDEU O RUMO.  

 Daquele dia em diante,  a tia transfomou-se na maior estrela do sertão. Passou a frequentar as vaquejadas da ragião  como celebridade. O boi virou carne e   realizado o maior churrasco aberto de minha terra.  A Tia Zizinha, como troféu,   recebeu a  cabeça empalhada do boi BUFÃO e que hoje orna a sua sala. 

Em todo o Cariri cearense, no sul do Ceará, e em toda a Chapada do Araripe, Juazeiro do Norte, Barbalha,  Crato,  Exú e Bodocó  tia Zizinha passou a ser a maior celebridade e a mais requisitada mestra de cerimônia. Tia Zizinha morreu no pódio aos 101 anos,  seis meses, doze dias e seis horas, como a Rainha das Vaquejadas da junção Ceará/Pernambuco.

                          Salvador, 08 de maio de 2025

                                       Iderval Reginaldo Tenório

 Mergulhem em  Boiadeiro, na voz do Rei Luiz Gonzaga de  (Armando Cavalcânti / Klécius Caldas)

data de gravação
19 Setembro 1950

 

Luiz Gonzaga - Boiadeiro

LETRA: Vai boiadeiro, que a noite já vem Guarda o teu gado e vai pra junto do teu bem De manhãzinha quando eu sigo pela estrada Minha boiada ...
YouTube · luizgonzagaVEVO · 30 de jul. de 2015