Abril 20, 2021
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por Equipe Linus
Como a cultura da objetificação feminina nasceu?
A objetificação feminina
desumaniza a mulher, fazendo dela um objeto de prazer, e a obrigando a
assumir papéis de submissão ao olhar masculino.
Quando observamos a evolução feminina
ao longo da história, são incontestáveis as diversas conquistas e
avanços sociais. Entretanto, a visão machista presente na sociedade
ainda mantém insignificante um ponto crucial: a objetificação feminina.
Um assunto que se faz passar como corriqueiro, tão comum que muitas pessoas nem conseguem perceber quando acontece.
Mas, apesar disso, o tema da
objetificação feminina tem se tornado cada vez mais frequente nas rodas
sociais e nas discussões acaloradas de homens e mulheres que consideram
que a prática retira a dignidade das mulheres e as causa humilhação
social. Com isto em mente, neste post vamos abordar:
Primeiro, vamos entender o que é objetificação
O termo objetificação foi criado no início da década de 70. Ele
descreve o ato de analisar uma pessoa como se fosse um objeto, sem levar
em conta o lado emocional e o psicológico desse indivíduo.
No dicionário, a palavra
objetificação é definida como “Processo que atribui ao ser humano a
natureza de um objeto material, tratando-o como um objeto ou coisa;
coisificação”.
É perceber o outro como um objeto
passivo, exclusivamente para receber ações de terceiros. É ter sua
aparência vista como mais importante do que outras características.
O que é objetificação feminina?
Já o conceito de objetificação da figura feminina foi citado pela primeira vez pela crítica de cinema Laura Mulvey.
Ela constatou que era uma prática
muito frequente que as histórias, tanto no cinema, teatro, como no mundo
em geral, fossem retratadas do ponto de vista masculino.
Dessa forma, entendendo como
público-alvo dessas artes o homem heterossexual, tornou-se comum a
apresentação de mulheres com poucas roupas e olhar erótico nas mais
variadas mídias.
O objetivo é oferecer prazer ao
público masculino, e para isso tornam as mulheres desumanizadas,
objetificadas, assumindo papéis de submissão ao olhar masculino.
Chegando ao século XXI, as coisas não mudaram muito.
Um estudo, realizado pela doutora em
Ciências Públicas Caroline Heldman, demonstra que 96% das imagens
relacionadas à objetificação sexual são de mulheres.
Ou seja, embora hoje já existam casos
de objetificação corporal e sexual de homens, o domínio ainda é sobre a
objetificação da figura feminina.
O que é objetificação corporal?
Seguindo a mesma linha de raciocínio,
a objetificação corporal é a percepção do corpo como um objeto, que
deve seguir um padrão específico, independente das suas características e
capacidades.
Os padrões de beleza podem ser
considerados um tipo de objetificação corporal, onde pessoas diferentes
sentem a necessidade de seguir um mesmo conceito de beleza.
O que é objetificação do corpo feminino?
A objetificação do corpo feminino é o tratamento dado ao corpo da mulher, considerando-o como um objeto de beleza e prazer.
Como a cultura da objetificação feminina nasceu?
O início da cultura da objetificação
feminina vem da história da sociedade. Desde os primórdios da
civilização os homens são vistos como os caçadores, os provedores da
família e as mulheres são as cuidadoras do lar, totalmente dependentes.
Funcionava como um contrato tácito.
Como eram sustentadas pelos maridos, as mulheres tinham o dever de
cuidar da casa e da família e satisfazer sexualmente o homem.
Mulheres e homens desempenharam
papéis sociais bastante diferentes ao longo da história da humanidade.
Esses papéis sociais são atividades exercidas que ajudam as pessoas a
viverem em grupos.
As funções sempre foram divididas de
acordo com o que se acreditava ser o papel de cada indivíduo. Para
entender, basta lembrar de alguma cena familiar vivida na década de 50. A
mulher era a “dona do lar” enquanto o homem era quem trabalhava e
sustentava a casa.
A sociedade sempre impôs expectativas
comportamentais entre essas relações e, consequentemente, nas próprias
pessoas. Estar fora desses padrões de comportamento era, até um tempo
atrás, sinônimo de isolamento.
Meninas brincavam de casinha e
meninos jogavam bola. Quem quisesse se aventurar em um jogo com o irmão e
os amigos da escola logo recebia um olhar repreensivo e o comando de
“parar de fazer coisas de menino”.
Essa cultura patriarcal, apesar de
ter sido modificada ao longo das décadas, principalmente no final do
século XX, ainda dita o comportamento esperado das mulheres.
As expectativas da sociedade sobre a mulher
A fragilidade e a dependência sempre
estiveram relacionadas com o feminino e esse cenário deu origem ao que
percebemos hoje como objetificação feminina.
Os homens (pai, irmão e marido)
entenderam por séculos que eram donos das mulheres e que poderiam fazer
delas o que quisessem. O casamento era apenas um ritual onde o pai
passava a tutela da mulher, sua filha, para as mãos do marido.
O papel da mulher na estrutura familiar
A segunda metade do século XX foi marcada por grandes mudanças nesse contexto social da mulher.
Mulheres da classe média se inseriram
no mercado de trabalho, principalmente após as guerras mundiais, quando
um grande número de homens morreu e a força de trabalho foi reduzida.
Esse movimento começou a alterar os
papéis sociais familiares. As mulheres passavam parte do dia ou, às
vezes, o dia inteiro fora de casa, assim como os homens.
Outro marco desse movimento foi a
adoção da pílula anticoncepcional, pois assim a sexualidade passou a ser
desvinculada da reprodução. Ter filhos e o momento em que isso
acontecia passou a ser uma escolha.
A ampliação dos direitos de divórcio e
a própria normalização dessa realidade, também criou outras
alternativas de satisfação nas relações afetivas.
Os últimos anos foram marcados por novas estruturas familiares e pela flexibilização de papéis sociais.
Cada vez mais os homens participam da
educação e cuidados com os filhos, enquanto a mulher se desdobra para
exercer todos os seus papéis.
Apesar dessa maior participação dos
homens na casa e na vida familiar, as mulheres ainda são cobradas pelo
papel de “dona do lar” e acumulam as funções domésticas e
profissionais.
A cobrança vem de todos os lados,
inclusive dela mesma, que ainda percebe ser dela a responsabilidade por
fazer tudo funcionar adequadamente.
As cobranças são relacionadas ao
funcionamento da casa, aos cuidados com os filhos, ao trabalho e ainda a
se manter dentro dos padrões de beleza impostos pela sociedade.
Por mais que as mulheres tenham
alcançado direitos iguais na legislação e na sociedade, que hoje tenham
independência financeira e que não dependam mais dos homens, um dos
resquícios mais presentes dessa cultura patriarcal é a objetificação do
corpo feminino.
Conheça exemplos de objetificação feminina
Objetificação feminina na mídia
Um dos exemplos mais conhecidos desse
contexto está relacionado aos comerciais de cerveja. Considerado um
produto voltado para o público masculino, o que já é um grande engano,
já que muitas mulheres também consomem a bebida, as propagandas
estampavam mulheres seminuas, em roteiros que exploravam a sexualidade e
a subjugação da mulher.
Em 2015 esse tipo de conteúdo foi considerado machista, apelativo e desrespeitoso em relação às mulheres, sendo então proibido.
Os programas de auditório são outro
exemplo da cultura da objetificação feminina. As mulheres seminuas
dançando ao fundo do cenário são colocadas nesta posição
estrategicamente para que seus corpos sejam exibidos.
Nos anos 90 esse tipo de exposição era bastante comum, inclusive em programas voltados para toda a família.
Outra mídia em que a objetificação do corpo feminino é bastante presente é o cinema. De longe, é onde essa cultura é mais usada.
É frequente encontrar capas de filmes
em que o corpo da mulher é mostrado em partes, sempre em poses e cortes
mais sexy. As imagens mostram a pessoa, ou a parte de uma pessoa,
literalmente como um objeto da cena.
Em muitas dessas imagens existe a sugestão de disponibilidade sexual.
Objetificação feminina no esporte
O esporte também é um centro de objetificação feminina.
Mesmo com os constantes destaques na
sociedade e de diversas mulheres demonstrando que podem quebrar
barreiras sociais, apenas o talento não é o suficiente para que as
mulheres sejam vistas como as esportistas que são.
Se a mulher estiver dentro do padrão
de beleza imposto, ela será considerada uma “musa” do esporte. Se não
estiver, ela será humilhada e tratada como uma criminosa.
Um dos exemplos mais midiáticos
aconteceu com a atleta brasileira de saltos ornamentais Ingrid de
Oliveira. Em 2015, a esportista foi uma das representantes do Brasil nos
jogos Pan-Americanos do Canadá.
Em uma foto publicada pela atleta, em que aparecia sentada de costas, apontando para um letreiro com a propaganda do evento.
Em pouco tempo começaram a surgir
comentários machistas e grosseiros, que a insultavam e a reduziam a um
simples brinquedo sexual.
Outro exemplo claro está no futebol
feminino. Durante a Copa do Mundo de 2014, apenas uma emissora de
televisão transmitiu o evento, bastante diferente do que acontece com o
mesmo torneio masculino.
Além disso, até mesmo quem deveria
apoiar as jogadoras, como é o caso do coordenador de futebol feminino da
CBF, fez comentários depreciativos.
Marco Aurélio Cunha comentou sobre a
redução no comprimento dos shorts das jogadoras e sobre a antiga “falta
de elegância e feminilidade no esporte”. Para ele, vestir as esportistas
com uniformes iguais aos dos homens era um erro.
Até mesmo no esporte o esperado é que a mulher atinja um padrão de beleza, sendo sempre linda, calada e submissa.
Quais são as consequências da objetificação feminina?
A objetificação da mulher tem diversas consequências prejudiciais. A estereotipação feminina e a padronização estética, muitas vezes inalcançável, são apenas algumas delas. As mulheres são julgadas pela aparência, sendo consideradas boas ou ruins, certas ou erradas, de acordo com esse padrão.
Aquelas que não alcançam são
depreciadas e hostilizadas por causa, exclusivamente, do seu peso,
altura, tipo de cabelo, formato de corpo ou outros atributos. A mulher é
desqualificada, independente da sua capacidade intelectual.
A cultura do estupro é outro problema
relacionado à objetificação feminina. Com a percepção de que as
mulheres são meros objetos de prazer, muitos homens entendem que podem
violar o corpo feminino, praticando abusos e violência com elas.
A ligação entre a objetificação
feminina e os padrões sociais se mostra relevante quando a justificativa
para a prática de um ato de violência contra uma mulher se dá pelas
roupas que a vítima utilizava ou por comportamentos anteriores que foram
considerados inadequados.
Auto-objetificação feminina: A cobrança do padrão europeu
Mais uma consequência danosa às mulheres é a auto-objetificação feminina.
Aquelas que vivem em ambientes em que
a objetificação é muito presente tendem a se auto-objetificar e também a
fazer o mesmo com outras mulheres. E os danos à autoestima são enormes.
O padrão de beleza europeu é o ideal
mais buscado. Corpos magros, seios fartos, pernas torneadas, cabelos
compridos e com mechas claras. Um padrão inatingível para muitas
mulheres.
Com a percepção de que precisam
alcançar um padrão corporal que satisfaça os homens, as mulheres cometem
loucuras que prejudicam a saúde e colocam em risco suas próprias
vidas.
A auto-objetificação feminina faz com
que as mulheres não se percebam como indivíduos. As necessidades e as
opiniões dos outros passam a ser mais importantes do que as dela mesma.
E a objetificação masculina, existe?
Sim. Depois de longos anos explorando exclusivamente os corpos femininos, hoje já existe, também, a objetificação masculina.
Mas, a discrepância entre as incidências é enorme.
O mesmo estudo citado no início desse
texto, da doutora em Ciência Política Caroline Heldman, mostra que 96%
das imagens que trazem objetificação sexual são de mulheres.
Esses números mostram como ainda estamos vivendo em uma sociedade com base machista e patriarcal.
Quebrando padrões: Passos simples para não objetificar
Com tamanha inserção na sociedade,
ainda é um desafio quebrar esses padrões e não participar (ou aceitar) a
objetificação feminina.
Veja o que pode ser feito:
-
Identificar a objetificação da mulher
É importante que as pessoas ajam logo
quando uma situação de objetificação seja percebida. Alerte os
envolvidos, tanto os agressores quanto as vítimas. A ideia é
conscientizar, então procure usar um tom educado e informativo.
-
Conscientização da população
Quanto mais pessoas tomarem
consciência sobre o problema, mais rápido teremos mudanças na sociedade.
Crianças devem crescer com essa consciência de respeito ao outro.
Procure movimentos sociais e se
engaje com o problema. Em grupos feministas é comum a discussão e
divulgação de problemas relacionados a violências e desrespeitos
cometidos contra mulheres.
Combater a objetificação feminina, e
todos os problemas causados por ela, é um dever da sociedade. Mas
necessita de um esforço conjunto de todos que já se conscientizaram que o
problema existe e está presente na maioria dos lugares e situações.
Materai elaborada pela Equipe Linius.
Abril 20, 2021
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por Equipe Linus
