domingo, 19 de novembro de 2023

Caça severa na cidade de Disoriente Razo. Familias se desentendem outra vez.

A história dos nossos ancestrais: os outros | Super

Verdades ancestrais que guiam modos de conduta são o antimarketing -  23/01/2022 - Luiz Felipe Pondé - Folha

Luta de galos – Wikipédia, a enciclopédia livre

Caça severa  na cidade de  Disoriente  Razo. 

Familias se desentendem outra vez.

Um episódio surreal

Na cidade de  Disoriente Razo, os irmãos Ramágio Islâno e Rumágio Islâno, no meio da madrugada,  assassinaram  um grande empresário, sua  esposa,   filhos, netos, agregados, funcionários, alguns vizinhos e até mesmo   animais domésticos,  uma verdadeira chacina.

Foi um crime covarde, premeditado, eivado de ódio, raiva e vingança. Um ato  inesperado e que não deu oportunidades de defesa por parte do empresário e seus seguranças. 

Detalhe,  eles são primos e guardam magoas familiares por anos.  Diz a justiça, que as suas famílias vivem em eternas   disputas internas  por sítios, fazendas,  chácaras e  discórdias religiosas. 

O empresário pertence ao lado dos primos ricos. Segmento que prosperou na educação, economia, na pesquisa científica e em desenvolvimento como um todo,  e  que  cotidianamente  se distancia dos custumes dos primos pobres, que seguem ao pé da letra os costumes dos  seus ancestrais.  As famílias não se entendem há anos. Uns tem muito e outros   pouco, são desunidos  ao extremo, brigam sanguinariamente primos contra primos e irmãos contra irmãos. As crianças da família, do segmento pobre,  são ensinadas na primeira infância, a encarar  os familiares ricos como inimigos, desumanos, dominantes  e violentos.

A polícia militar,  civil e o exército, sob o  comando dos chefes  maiores,  resolveram ir à procura para eliminá-los. Teve início uma força tarefa, em apoio aos que sofreram a chacina, em busca  dos irmãos Ramágio e  Rumágio. A ordem é acabar, matar, exterminar e  tirar do mapa da  cidade.  

Os irmãos Islanos e seus agregados tomam conta de um dos bairros da cidade, dominam os moradores a ferro e fogo, são conservadores ao extremo, não aceitam a evolução  que os primos ricos estão vivendo e que  insistem em expulsá-los do seu bairro. A raiva é tão grande, entre eles, que segundo os irmãos Romágio  e Rumágio,  acabariam de uma vez com todos os primos ricos, uma vez que estes dominam com bastante rigor  todos os pobres moradores do seu reduto. 

O inusitado, é que os verdadeiros donos do bairro, os que ditam as ordens,  moram em bairros nobres  e gozam do mesmo luxo dos primos ricos. Eles conseguem com muito dinheiro e lavagem cerebral convencer os irmãos Islânos e os seus agregados a defenderem com a vida o desgarrado bairro. Um logradouro periférico, sem esgotamento sanitário, energia, água, poucas escolas, hospitais deficientes  e sem direitos a serviços dignos para os humanos. Vivem no limbo da sociedade, são seres humanos discriminados pelas elites da cidade.

Para eliminá-los, as  autoridades não mediram esforços. Mandaram detonar todos os redutos   em busca dos reais responsáveis. Como o bairro é pequeno e sem estruturas, eles vivem misturados com os moradores e se escondem em igrejas, creches, escolas  e hospitais.

Vivem camuflados e  prontos a aplicar os planos   arquitetados pelos seus reais comandantes. Chefes estes que moram em mansões ricas noutros bairros ou noutras cidades, regados a vinhos, whiskies, queijos, caviar e muito luxo, fazendo planos para    acabar com os primos ricos. Dizem que estão vingando a morte dos seus ancestrais: avós, pais, irmãos, tios e parentes, só pararão quando concluírem a vingança e retomarem as suas terras. Os Islânos são seus representantes no bairro.

A detonação praticada pelos policiais  foi  indiscriminada. Mataram muitos moradores do bairro, entre eles crianças, idosos, mulheres e cadeirantes.

Destruíram  igrejas, escolas, ruas, pontos de ônibus,  hospitais, postos de saúde e  creches   à procura dos Islânos e  os seus seguidores, uma vez que estes usam os moradores e as  instituições do bairro   como escudos.  Porém não procuraram e nem encontraram  os reais comandantes. SERÁ QUE ESTA ATITUDE FOI CORRETA?

Será que não seria  prudente aplicar a inteligência para encontrar estes dois elementos, os seus seguidores e os comandantes que moram noutros redutos?

Falam  as autoridades, que é muito difícil separá-los dos moradores comuns, pois são exímios na  camuflagem, são  sanguinários,  perversos e nada têm a perder. A única maneira de exterminá-los é eliminar indiscriminadamente todos do bairro. Para amenizar a situação, os primos ricos orientam aos moradores  que  deixem as suas casas  e migrem para áreas menos perigosas, pois irão detonar todos os prédio à procura dos responsáveis pelo orrendo crime.   Depois de derrubadas as igrejas, hospitais, escolas e creches, os criminosos    serão  procurados nos escombros.

Foi aplicado o caos na cidade e ninguém sabe para onde fugiram os dois irmãos  ou se foram abatidos como comuns ou ignorados.

Ambos os  inimigos estão perdidos e atiram para todos os lados, salvem-se quem puder. As brigas de famílias encontram fundamentos no DNA.  A diferença está    nos tipos de armas utilizadas nos embates. Aqueles que não morrerem à bala, morrerão de fome, sede  e de doenças peculiares ao fatídico episódio. 

O castigo será aplicado em todo o bairro. Todas as casas irão ao chão e muitas vidas sucumbirão. O objetivo  é eliminar os irmãos Islânos custe o que custar.

O que acontecerá daqui para frente? Será que os amigos dos que cometeram a chacina e  muitos moradores inocentes,  que perderam os familiares, os  bens e a liberdade   não vão aplicar o mesmo modo como vingança? 

Provavelmente esta cidade não dormirá em paz por muitos anos, e fatos deste quilate poderão ocorrer com mais frequência por todos os bairros da cidade   e até noutras cidades ou estados  onde moram parentes dos mortos. 

Apesar de existirem comandantes, quem pagará são os inocentes de ambos os lados, uma vez que os chefes possuem diversas maneiras para se protegerem.

Possuem a máquina  mundial e muito dinheiro  

Os que escaparem deste conflito, de ambos os lados,   guardarão  na memória os  episódios de ódios, raivas e de sangue. NÃO HAVERÁ MAIS PAZ NESTA CIDADE. 

Com a palavra as autoridades da cidade e os seus apoiadores.

Iderval Reginaldo Tenório

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

A CALÇOLA DE TIA ZIZINHA

                            A calçola de tia Zizinha 

 

Calça feminina - Ilustração de Peça íntima do vestuário royalty-free 

A calçola de tia Zizinha

EM DOIS ATOS  


Tia Zizinha

Apesar de franzina, Dona Zizinha era uma setentona valente.  Semblante calmo, voz firme e olhar seguro,  empunhava respeito.     Nem só os seus sobrinhos, mas todos a chamavam de Tia Zizinha.  Era  quem organizava as quermesses, as partidas de futebol, as lapinhas, as gincanas,  as torcidas organizadas e as festas do milho. 

       Quando jovem, ganhou diversos concursos de Rainha da Paróquia. Embora pequena e  sequinha  era um verdadeiro furacão ou um vulcão em erupção.
 

Dezembro de  1969,  a cidade encontrava-se em chamas,  população duplicada devido a presença dos visitantes para a maior vaquejada da região. Cavalos espalhados em todos os recantos,  bois nos currais, caminhões, caminhonetes, carros de boi  e carroças  enchiam as ruas e os bosques.  Carros de som martelando os  ouvidos com  canções sertanejas aproximando os apaixonados.  Rodas gigantes, canoas, tiro ao alvo e muita comida regional completavam o cenário do grande parque de exposição, tudo idealizado, organizado e executado por tia Zizinha. 

O relógio marcava 12 horas,  a conversa rodeava a farta mesa do almoço, o papo solto campeava na imensa sala da amada tia.  Zezinho, sempre tirado a conversador, iniciou uma discussão sobre a vida,  a grandeza do universo, a importância do ser humano e o quanto de orgulho possuem certas classes sociais, apesar da insignificância do ser humano diante da complexidade, dos segredos, das incertezas e dos mistérios da vida.

Depois de longa prosa filosófica, campesina, folclórica, genética e cultural,   em tom de deboche, Zezinho falou  para a tia Zizinha:  

- Tia, a senhora não vê neste mundão de meu Deus, esses indivíduos que se dizem importantes, bonitos, orgulhosos, cheios de soberbas etc e etc.? eles e todos nós somos uns bostas, somos uns merdas Tia Zizinha, uns merdas. Aliás tia Zizinha, nós e bosta somos a mesma coisa,  basta um mosquito, uma bactéria, um vírus e lá estamos debaixo do chão.  Nós não somos nada, basta um dia sem um banho, e lá está a inhaca.

Tia Zizinha parou, pensou, matutou e de imediato falou para todos em voz alta: 

- Nós não, meu filho, me tire dessa corriola,  vocês sim.  Vocês que estudaram,  se diplomaram, moram e moraram na capital e são doutores, juizes e professores podem se considerar bostas, podem se achar uns merdas, porque eu sou um mero pum.

 Um pum silencioso, sem odor, frouxo e abafado, isto é, um pum fajuto, escondido e que não tem direito a voz.  Para você ver, nem zoada o coitado faz.  Eu, seu pai, sua  mãe e os seus tios  somos uns projetos de bosta, ainda falta muito, e nem sei se um dia seremos bosta, acho que daqui para frente,  seremos  sempre prenúncios de bosta.  Bosta  com formato, odor e cor  de bosta meu filho, só na próxima geração.

Após gostosas e efusivas gargalhadas,  Zezinho retrucou: 

- É tia, eu não sei por que tanto orgulho, tanto orgulho besta, pois todo mundo, do mundo, tem por trás uma bunda. Umas batidas, outras avantajadas, umas duras  e outras  moles, mas todos têm, todos Tia Zizinha, todos os viventes  do mundo, têm uma bunda colada atrás

Pensou       que havia falado tudo, achava que era o sabichão e tinha dado o tiro de misericórdia  no acalorado papo. A tia não  contou conversa, com o dedo em riste, olhos arregalados e em tom de advertência,   abriu a boca e em voz alta,  exclamou  a todos que estavam na sala: 

- E ainda por cima, meu filho, ainda por cima Zezinho, furaaadas!

Este é o perfil da minha velha tia Zizinha. Tem espostas na ponta da língua e para todas as perguntas. 

 

II

                                                           A vaquejada

Pôr  do sol de domingo, Tia Zizinha no comando da festa. 

 Vestido vermelho-rodado, chicote de couro cru na mão direita, chapéu de massa na esquerda  e uma  bota, cano longo,  que beirava o joelho, era uma verdadeira amazonas. Pista limpa, rapazolas pendurados nos mourões da cerca de madeira, moças de minissaias saboreando maçãs do amor, velhos e crianças nas arquibancadas de tábuas agrestes. As cancelas e os portões fechados, tudo pronto para a abertura do evento.

Sob os aplausos da plateia, entra na  pista a tia Zizinha. Sozinha, descontraída e envaidecida.   Com as salvas de palmas era a toda poderosa, a rainha da festa. Ali estava a Tia Zizinha em carne, osso e outros predicados. A plateia gritava em coro e sincronizada:

Tia Zizinha! Tia Zizinha!” várias vezes e sempre mais alto.  Aquele ato poderia se chamar de, o  dia da glória, da labuta, da dedicação, dia  da coroação.  Tia Zizinha era mais do que uma  Rainha, era a imperatriz do sertão.

De repente, inesperadamente, não se sabe de onde,  surgiu um boi preto de mais de metro de largura por dois de altura.  Ancas largas, chifres em arcos, grandes, pretos  e   pontiagudos, aro de cobre nas narinas e cinta de couro apertada no  vazio.  Olhos avermelhados, narinas bufando que só uma maria-fumaça e cascos a furar o chão.  As fortes patadas sobre o solo geravam um poeirão que chamava  a atenção do público.  O animal não contou conversa, nem gritaria e nem tempo ruim,  partiu enlouquecido e desembestado  pra cima de tia Zizinha. 

Imediatamente, a tia procurou os portões, todos lacrados, procurou um abrigo, não achou. Encontrava-se no meio da pista: ela, Deus e o boi bufão. A amazonas não titubeou e com seus finos gravetos, quis fazer bonito.  Levantou os braços, mostrou o belo chapéu de massa e rodou o chicote de couro cru sobre a cabeça, quis parecer que tudo fora programado, que aquilo fazia parte do espetáculo.  Correu para um lado, pulou para o outro, gritou como vaqueiro:  “Vai boi mandingueiro, boi marruá, boi bufão”. Procurava enganar o feroz bizão e mostrar valentia para os espectadores.  Conseguiu chegar até a cerca, mas,  chegou tarde,  sentiu na sua traseira uma cravinetada dupla, com impulso veloz, compacto, agudo e muito forte nos atrofiados glúteos. Os chifres lhes acertaram em cheio, a tia decolou   como um teco-teco  sem biruta,  a manobra lhe arrancou a saia, as anáguas e a combinação, de quebra, trouxe como troféu a sua vermelha calçola de brim, fundo duplo de forro grosso, acinturada com cordões de rede, embebida de suor, restos de urina e  do  odor ocre das partes pudendas, lavadas com economia de água e pouco sabão.

Com a setentona jogada contra a cerca,  as saias lhes cobrindo as enfurecidas narinas, além das vistas vedadas pela enxarcada calçola, o boi ficou acuado, perdeu o rumo e o prumo, rodava como um peão à procura da presa, o povo pulava e gritava o ensurdecedor refrão : “ Tia Zizinha, Tia Zizinha”.   O boi atordoado ficou perdido e desorientado, o boi pirou, surtou, o boi endoideceu e rodava como uma cobra cega . Com a grossa e umedecida calçola só enxergava pelas laterais, o boi endoidou. 

Apesar do ataque o boi perdeu a batalha. A Tia Zizinha levantou garbosamente o machucado corpo,  sacudiu a poeira, não teve outra escolha, desfilou só de califon e com as vestes de cima, três dedos abaixo dos seus dois murchos maracujás.   Com a traseira batida e dois vergalhões vermelhos indo até as costas, a tia corria elegantemente para escapar do esbaforido boi. 

           Foi o espetáculo do ano, a plateia foi ao chão. Os gritos ensurdecedores contagiaram os presentes, a plateia foi ao  delírio e   a tia Zizinha chegou ao estrelato, ao dia de glória.

           Os narradores com os microfones em punho, muitos ficaram roucos de tanta emoção, foi o maior espetáculo da terra
. Nos folhetins  a manchete :
A CALÇOLA VERMELHA DE TIA ZIZINHA E O BOI QUE PERDEU O RUMO.  

 Daquele dia em diante,  a tia transfomou-se na maior estrela do sertão. Passou a frequentar as vaquejadas da ragião  como celebridade. Quando o boi virou carne e   realizado o maior churrasco aberto de minha terra.  A Tia Zizinha, como troféu,   recebeu a  cabeça empalhada do boi BUFÃO e que hoje orna a sua sala. 

Em todo o Cariri cearense e em toda a Chapada do Araripe, tia Zizinha passou a ser a maior celebridade e a mais requisitada mestra de cerimônia. Tia Zizinha morreu no pódio aos 101 anos,  seis meses, doze dias e seis horas, como a Rainha das Vaquejadas.

                                           Salvador, 18 de Março de 2023

                                                            Iderval Reginaldo Tenório