domingo, 12 de outubro de 2025

Carta do Zezinho aos professores do curso fundamental

                                            

          Carta do  Zezinho aos  professores do curso fundamental

Queridos professores, nasci na roça, tenho 14 anos de idade e  a minha primeira escola foi no campo.  Os meus professores, além dos meus pais, foram os fenômenos da natureza, os meus colegas foram os insetos, as aves, os repteis, os animais do sítio dos meus pais e da redondeza,  que além de colegas,  também eram professores. 

Brinquei muito com todos eles,   levei muitas carreiras de galinhas chocas,  cadelas e vacas  paridas, cobras,   abelhas e bodes pais de chiqueiro.

Evidentemente  nenhum deles sabiam ler, escrever ou contar, até os humanos  não tinham boa leitura. Acho que os senhores vão estranhar, pois foi graças a todos eles que percebi a grandeza da vida, da natureza e da cidadania.

Os fenômenos  da natureza  me ensinaram a importância  de cada um e os demais,  que  cada ser merece respeito, ficou claro que todos contribuem para a formação do cidadão.

Os animais classificados como irracionais, brutos e simples me ensinaram a importância da vida, do bem estar e como me comportar diante a natureza. Me ensinaram como  viver em sociedade harmoniosamente  com as diferenças e as diversidades, tanto dos seres animados como os inanimados, precisamente  os morros, as águas,  as florestas  e tudo quanto emana da terra,  inclusive ela própria.

Ao entrar nesta escola imaginava encontrar um ambiente livre,  que deixasse o meu cérebro voar como um pássaro, fizesse brotar miríades de perguntas sobre a complexidade da vida e do universo, como também perseguir as  respostas. 

Imaginava que a escola dos humanos  me orientasse a concatenar as minhas ideias, mostrasse novos caminhos e como desenvolver  novos pensamentos.

Imaginava que nesta escola  iria encontrar  muitos orientadores,  tais quais os meus amigos de infância,    que  sem  saberem falar, contar ou escrever me orientaram  para a vida. 

Imaginava que cada colega  passasse  alguns conhecimentos  e num contínuo compartilhamento, fôssemos somando,  e no coletivo, melhorando a capacidade de viver em comunidades.

Ao saber que existiam  diversas disciplinas, como a língua pátria, a aritmética, a história  e  outras,    iria  compreender  as suas importâncias, a necessidade de me aprofundar e entender a participação de cada uma na vida.

Acreditava que sozinho ou em equipe,  iria procurar maneiras de explorá-las e aplicá-las na vida real como um todo. Voaria como um alado livre  por todos os recantos, procurando respostas  para os mistérios  da vida e para a conquista da liberdade, porém, o que encontrei foi uma prisão, uma verdadeira gaiola, um engessamento e seguir literalmente as demandas do imaginário humano. 

A proibição excessiva da  informalidade natural e os freios excludentes das criatividades individuais, que contribuiriam  para o bem da coletividade, se não inibidos, seriam democráticos e libertadores.  Esta clausura levará a   desaprender  os atos de voar, cantar, pensar,  de liberdade e de discernir  o que é bom ou ruim para a vida. Os engaiolados e prisioneiros, em todos os vieses, não são donos de si e nem dos seus pensamentos, possuem donos e estes os levarão para onde quiser, principalmente os engaiolados pela consciência. 

Aqui, com todas as artificialidades e  o intuito de colocar o cidadão no topo ou pelos menos encontrar um lugar ao sol neste mundo desigual,  me fazem   refletir  sobre o futuro da humanidade. 

A impressão é que o modelo desta escola contribuirá e muito para a exclusão  e criará mais degraus na estratificação social, distanciando mais ainda  a base do cume, pois existem diferenças nos conteúdos escolares e de classes sociais. Enquanto maior o poder aquisitivo, melhor o ensino e maior o distanciamento das coisas naturais.  

Este  tipo de escola  faz com que cada  um aprenda  a ser um desagregador, um concorrente ou um eterno adversário.  Irá despertar,  no Eu  de cada um,  a propriedade de ser o melhor, o mais competente, um eterno ganhador  e o número um  em tudo, mesmo que tenha  que puxar o tapete do próximo. 

Não tenho cerimônia  de falar para os senhores, com este modelo  o mundo a cada dia ficará mais desigual, é assim que se constroem as famigeradas pirâmides  sociais  em todas as demandas da vida.

Caros professores, peço  que apenas  mostrem o melhor caminho para a vida, que apontem a melhor maneira de utilizar o cérebro, pois a de racionar todos são capazes.  Com   estas ferramentas  cada um saberá encontrar a verdadeira importância da vida. Tenham certeza que cada um continuará o aprendizado sem se afastar dos princípios morais,  sociais, filosóficos, éticos e  de como participar de um mundo mais justo, gozando   de  plena cidadania. Deixem as crianças  raciocinarem, se desenvolverem e se posicionarem, a mente de uma criança é como um vulcão em ebulição.

Saibam   que cada uma tem e vem de um mundo diferente, todos estão cheios de conhecimentos pertinentes ao nível social e da convivência com todos que lhes  rodeiam.  Está no compartilhamento de suas vivências e ideias  a chave  para um mundo mais equânime. Sempre escutei e ainda escuto que cada cabeça é um mundo.

Deixem as crianças criarem, pensarem, se comunicarem e contribuírem para encontrar  muitas respostas para o bem desta civilização.

Sei que este modelo não é da lavra  dos professores, faz parte da conjuntura, da vontade política, da educação formal, homogenia e hegemônica.  Aos  senhores  cabe apenas executarem  a engessada grade curricular num pequeno espaço de tempo, num ambiente muitas vezes inadequado, sem segurança, sem uma remuneração condizente e a valorização pertinente à  função

Mestres, não falei mais porque ainda sou rude, capiau e quase um animal do campo, quase um analfabeto nas coisas da vida, um ignorante. Acredito que ao entrar no curso do ensino médio darei continuidade  a esta simples missiva.  

                                             Zezinho

.                         Brasil,  12 de outubro de 2025

                            Iderval Reginaldo Tenório

2 comentários:

Anônimo disse...

A" criança natural" de todos nós e muito importante para nossa saúde emocional, jamais deverá ser cercear a na sua espontaneidade, na sua criatividade, na sua alegria e confiança, o "o engessamento" de alguns educandos, sejam eles os pais , ou professores, ou outros, não será benéfico ao tolher a liberdade de pensamento, de reflexões, de questionar-se, de refletir, de concordar ou discordar até de si mesmo, mas sempre buscando aprendizado e crescimento

Anônimo disse...

O meu comentário acima
Olgany