Diante de tantos casos de Pedofilia no mundo e aqui na Bahia, encotrei na midia este artigo da Dra Regina Alves Andrade e achei pertinente divulgar para os leitores, notadamente profissionais afins como  médicos, psicologos, educadores, pais e qualquer cidadão que quera saber com mais profundidade o assunto.
É um assunto  polêmico e que com o aprofundamento dos estudos terá melhor compreensão.
                                               
Resumo: A pedofilia, 
apesar existir há muitas décadas, só constituiu um objeto de estudo 
relevante no campo das ciências jurídicas e psiquiátricas no século XX. 
Essa atenção se justifica pelos recorrentes práticas de violência sexual
 contra crianças, as quais são consideradas reprovativas e abomináveis. 
Diante dessa conjectura, o presente artigo objetiva analisar a pedofilia
 sob uma abordagem ampla e interdisciplinar perpassando a ótica da 
Psiquiatria e, especialmente, do Direito Penal. De início, examina-se a 
pedofilia enquanto patologia, destacando as características que 
constituem o perfil pedofílico, as suas causas e implicações na 
sociedade. Por outro lado, busca-se averiguar a pedofilia enquanto crime
 no ordenamento jurídico brasileiro, ressaltando a ausência de 
tipificação do termo e o seu processo de criminalização. Por fim, 
chegando ao ponto chave desse estudo, é colocada em debate a seguinte 
pergunta: “A pedofilia é uma doença ou crime?”, uma vez que é nesse 
questionamento que irá se dirimir sua inimputabilidade ou não para fins 
penais.
Palavras-chaves: Pedófilo. Culpabilidade. Direito Penal. Psiquiatria.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo geral 
discutir a pedofilia sob a luz do Direito Penal, explorando se há ou não
 culpabilidade do pedófilo bem como o seu enquadramento nos tipos 
penais. Nesse sentido, torna-se essencial investigar a genealogia dos 
saberes que permitiram a emergência da criminalização da pedofilia. Como
 abordagem interdisciplinar, serão confrontados os saberes jurídicos e 
psiquiátricos acerca da pedofilia, explorando a linha tênue existente 
entre doença e crime.
Como a maioria das questões sociais, o 
abuso sexual contra crianças não é um fenômeno novo. Somente a partir do
 final do século passado e início do século XXI é que ele vem sendo 
intensivamente abordado nos diversos setores tais como a mídia e 
judiciário, tendo em vista a sua prática recorrente. Essa violência 
sexual se desdobra em várias nuances que compõe uma realidade bastante 
problemática no âmago social, sendo uma delas a pedofilia, a qual é 
considerada uma das práticas mais reprovativas e abomináveis. No 
entanto, à priori, torna-se imprescindível destacar a semântica do seu 
conceito uma vez que contribuirá para o melhor entendimento de tal 
fenômeno.
Originalmente, o temo pedofilia vem do grego antigo paidophilos, que se refere tanto aos pais como à criança, e de phileo,
 que significa amar. Ou seja, é definida como o amor de um adulto pelas 
crianças. Na classificação psiquiátrica, a pedofilia consiste em um 
transtorno psiquiátrico agrupado no universo das parafilias que são 
comportamentos ou fantasias sexuais recorrentes e intensos envolvendo 
objetos, atividades ou situações incomuns, e responsáveis por um 
sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento 
social ou ocupacional do indivíduo (OMS, 1993).
Todavia, na contemporaneidade, a sua 
definição tornou-se tão elástica e imprecisa que, muitas vezes, 
confunde-se com outras práticas tais como pornografia e exploração 
infantil. Nesse contexto, costuma-se atribuir essa distorção aos 
veículos de comunicação de massa os quais abordam o pedófilo como 
sujeito isolado e não informam ao público leigo os limites entre doença e
 crime da pedofilia, distanciando-a cada vez mais de sua significação 
original. Com efeito, essa abordagem não deve se esgotar no próprio 
sujeito dissociado da sua história e do contexto social de seu tempo, 
uma vez que um não tem autonomia sobre o outro, influenciando-se 
mutuamente.
É fato que, no século XXI, o sexo é um 
tema bastante delicado e cercado de tabus e preconceitos. Apesar de 
falar-se difusamente tudo sobre ele, o envolvimento dessa prática com 
crianças desperta uma reação automática de repulsa e reprovação. 
Especialmente se for algum caso de pedofilia, uma vez que suas vítimas 
são pré-púberes desprovidos de noções sobre sexualidade. (Rodrigues 
Herbert, 2014) Nesse contexto, o fenômeno da pedofilia nunca foi tão 
condenado como ocorre atualmente. Tal caráter reprovativo é herdeiro dos
 primeiros estudos sobre as perversões sexuais no século XIX, das quais a
 psicanalista Elisabeth Roudinesco ocupou-se. Para ela, há em cada 
sociedade e sua respectiva época um tipo de perversão a ser tratada com 
perversidade (Roudinesco, 2008). No caso da idade contemporânea, é sob o
 pedófilo que recai o ódio e desprezo. No entanto, essa perversão é 
parte intrínseca da humanidade, uma vez que exibe o que nunca se parou 
de esconder: a parte obscura presente em cada um.
Sob esse viés, surgem alguns 
questionamentos os quais serão explorados ao longo do estudo: como 
entender a pedofilia? Quais os aspectos psicossociais envolvidos? O que 
constitui o perfil do pedófilo?
Nota-se, no entanto, que tal debate está 
centralizado em uma disputa de saberes: de um lado, o saber 
médico-psiquiátrico tratando a pedofilia como uma patologia, e do outro,
 o saber jurídico-penal que passou a tratá-la como crime. É exatamente 
nessa discussão que o presente artigo se situa. O objetivo primordial é 
entender se a pedofilia em si se constitui um crime e, a partir disso, 
delinear as dificuldades enfrentadas pelo ordenamento jurídico no que 
tange à adequação da resposta penal dada aos pedófilos, bem como a 
evolução das legislações reguladoras dessa matéria. Outrossim, é nesse 
contexto que irá se dirimir a inimputabilidade ou não de um pedófilo 
para fins penais.
A escolha da pedofilia como objeto de 
estudo justifica-se, principalmente, pelo problema da popularização do 
tema atrelado a insuficiência de informações acerca do sujeito acometido
 por esse transtorno. Saber identificar o comportamento pedofílico não 
só contribui para sua melhor compressão, como também estrutura melhores 
estratégias de tratamento e prevenção. 
Ademais, como afirmava o sociólogo Émile 
Durkheim, a sociedade é comparada a um organismo vivo composto por 
diferentes partes específicas, embora dependentes umas das outras. Todas
 essas partes devem estar integradas para que o organismo funcione 
perfeitamente. No entanto, quando algum órgão entra em colapso, todo o 
funcionamento é comprometido. Por esse mesmo raciocínio, o presente 
artigo é relevante para toda sociedade, uma vez que o tratamento correto
 e eficaz dos indivíduos pedofílicos culmina no bom funcionamento da 
sociedade
2 PEDOFILIA: SÍNTESE HISTÓRICA E CONCEITUAL
É fato que os desvios de natureza sexual 
convivem com a humanidade desde a sua origem na medida que acompanha a 
sua evolução e expansão das sociedades em suas diversas épocas e 
culturas. Foi o caso do incesto, o qual passou por sucessivas mudanças 
até ser considerado um ato imoral e ilegal na contemporaneidade. Do 
mesmo modo, apesar de não haver exatidão quanto ao surgimento da 
pedofilia, sabe-se que ela não é um fenômeno novo, mas que nem sempre 
trouxe consigo um sentimento de repulsa ou reprovação, sendo algumas 
vezes algo normal e tolerável.
Na Grécia Antiga, por exemplo, a prática 
sexual envolvendo crianças era socialmente aceita ou até mesmo 
estimulada do ponto de vista moral. Para eles a pederastia (o 
envolvimento sexual entre um homem adulto e um adolescente) era vista 
como crucial para a formação moral e política do jovem uma vez que este 
receberia ensinamentos do homem mais velho à medida que o contato se 
tornasse mais íntimo. Tal contato era formal, dependia do consentimento 
dos pais do garoto e finalizava somente quando o jovem atingisse a 
puberdade e desenvolvesse nele interesses sexuais próprios. Assim, ele 
estaria pronto para participar da vida política grega (CESTARI, 2018).
Nesse contexto, cabe lembrar que, embora 
houvesse a utilização de crianças como objetos sexuais, a conotação 
negativa do abuso sexual infantil não esteve presente na sociedade 
grega. Afinal, essa prática estava imbuída de conteúdo moral e político.
 O historiador Grego Hans Licht, em sua obra Sexual life in ancient Greece (1931)
 frisa, com razão, que interpretar as tradições culturais do passado 
partindo da interpretação hodierna de abuso sexual é algo anacrônico e 
incoerente, uma vez que foi somente no final do século XXI que a 
semântica reprovativa do “abuso” se consolidou.
É durante a Idade Média que se inicia uma 
mudança brusca quanto ao trato social dado à pedofilia, a qual passaria a
 ser um ato condenável e reprovativo e, assim, perseguida por moralistas
 da Igreja Católica. Isso ocorreu uma vez que tais práticas sexuais 
adquiriram uma conotação exclusivamente sexual, tornando crianças e 
adolescentes objetos de prazer e desejo. À vista disso, partindo da 
influência doutrinária cristã, surgiram leis proibindo o sexo com 
crianças e tipificando crimes desta natureza, uma vez que se compreendeu
 que esses indivíduos eram inaptos a formar juízos corretos acerca da 
sexualidade. Paralelamente, iniciou-se um intenso combate à sodomia uma 
vez que, dentre suas diversas roupagens, incluía também o envolvimento 
sexual com crianças.
Desde então, o tema da pedofilia foi 
silenciado até o final do século XIX, época em que ele emergiu novamente
 e ganhou, nos séculos subsequentes, atenção em diversos âmbitos sociais
 como reflexo da expansão dos meios de comunicação. Nesse sentido, a 
recorrente exposição pública das práticas pedofílicas fomentou o seu 
estudo científico perpassando diversas óticas, tais como a jurídica, 
médica e psiquiátrica, os quais contribuem para a sua melhor 
compreensão. No entanto, apesar dessa exposição, o tema da pedofilia 
ainda é cercado por tabus e crenças superficiais que dificultam o seu 
tratamento e devem ser, portanto, mitigadas.
3 PEDOFILIA SOB A LUZ DA PSIQUIATRIA
A palavra pedofilia etimologicamente deriva do grego paidos que significa criança e philia,
 atração ou amor, sendo definida como um amor ou atração sexual por 
crianças. Somente no século XIX, mesma época do surgimento da 
psiquiatria, é que este termo foi utilizado pela primeira vez através do
 psiquiatra Richard von Kraft-Ebing. Antes disso, a pedofilia era 
conhecida por perversão sexual.  (WILLIAMS, 2012)
Segundo a psiquiatria, a pedofilia 
consiste em um transtorno psiquiátrico pertencente ao universo das 
parafilias que são caracterizadas por anseios, comportamentos ou 
fantasias sexuais específicas, recorrentes e excessivas que envolvem 
objetos e situações incomuns e trazem angústia ao indivíduo, que implica
 dano ou risco de ano a outros (DSM-5, 2014). No entanto, alguns autores
 afirmam que nem toda preferência por determinadas partes do corpo, 
objetos ou acessórios implica necessariamente em uma parafilia. Para 
isso, deve-se obedecer alguns aspectos tais como: opressão do desejo e 
ausência de alternativas, ou seja, o parafílico prende-se a este desejo;
 rigidez, significando que a excitação sexual só se atinge em 
específicas situações estabelecidas pelo padrão da conduta parafília; e o
 caráter compulsivo, isto é, necessidade imperiosa de repetição da 
experiência por um período mínimo de 6 meses. (SERAFIM et. al, 2009).
Sob um aspecto mais técnico, o seu 
diagnóstico é feito a partir de 3 critérios estabelecidos pelo Manual 
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR, pg 649), 
sendo eles:
A. Ao longo de um período
 mínimo de 6 meses, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e 
intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo atividade sexual
 com uma (ou mais de uma) criança pré-púbere (geralmente com idade 
inferior a 13 anos). B. As fantasias, impulsos sexuais ou comportamentos
 causam sofrimentos clinicamente significativos ou prejuízo no 
funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da 
vida do indivíduo. C. O indivíduo tem no mínimo, 16 anos e é pelo menos 5
 anos mais velho que a criança no Critério A. Nota para codificação: Não
 incluir um indivíduo no final da adolescência envolvido em um 
relacionamento sexual contínuo com uma criança de 12 ou 13 anos de 
idade. Exclusivo (trad. DORNELLES, 2002, p. 543-544).
Ao ser diagnosticado, o sujeito pedofílico
 será tratado mediante psicoterapia individual ou em grupo à longo prazo
 e receberá medicamentos que inibem o desejo sexual. Os resultados do 
tratamento variam, sendo os melhores provenientes da participação 
voluntária. Neste caso, a pessoa treinará suas habilidades sociais e 
também receberá tratamento para outros problemas, como o abuso de drogas
 e depressão. No entanto, diante de toda repressão social, o tratamento é
 procurado apenas depois da apreensão criminal, o qual isoladamente se 
mostra ineficaz. Isso significa que o simples aprisionamento, ainda que 
por um longo prazo, não inibe os desejos e fantasias dos pedófilos. Por 
outro lado, pedófilos presos que forem submetidos e monitorados ao 
tratamento de longo prazo, mediante uso de medicamentos, podem deixar de
 praticar a atividade pedófila e ser reinseridos à sociedade.
Nota-se que no caso do pedófilo a 
anormalidade consiste na atração sexual intensa e impulsiva por menores 
pré-púberes, ou seja, crianças sexualmente imaturas. A pedofilia, no 
entanto, não se manifesta igualmente em todos casos, sendo decorrente de
 um contexto histórico e psíquico individual. Para tal, atribui-se a 
dificuldade em traçar um perfil único do pedófilo, sendo imprescindível,
 portanto, conhecer suas diversas nuances a fim de buscar o mais 
adequado tratamento.
4 QUEM É O PEDÓFILO E COMO ELE ATUA?
A pedofilia não possui classe social, raça
 ou gênero. Não há aspectos exclusivos e seguros que possam abranger 
todas as peculiaridades do sujeito acometido por tal distúrbio, sendo 
este dependente de vários fatores. À priori, cabe lembrar que nem todo 
pedófilo irá agir em busca sua satisfação sexual, podendo reprimir seus 
desejos sem que ninguém perceba.
 Ao contrário do que muitos pensam, a 
pedofilia se manifesta muitas vezes em homens mais velhos de classe 
social elevada, aparência cuidadosa ou livres de qualquer repreensão 
social. No entanto, independente do seu aspecto físico, os pedófilos são
 considerados polimorfos (ou camaleões) pois se adaptam facilmente a 
diversas circunstâncias. Ao tentar conquistar a confiança da sua vítima,
 transmite uma imagem de simpatia e amor, misturando-se na sociedade sem
 deixar vestígios.
Em linhas gerais, os sujeitos pedófilos 
convivem ou moram em locais rodeados de crianças, como escolas, parques e
 quadras, onde a variedade de escolha da vítima é maior. Há também 
aqueles que se aproveitam da sua função profissional para aproximar-se 
desses menores, como é o caso de padres, técnicos e professores. Nesses 
casos, algumas vezes o pedófilo utiliza-se de nomes falsos para 
dificultar a sua identificação. Ademais, costumam agir de forma 
inovadora e dinâmica ao driblar situações e variar suas estratégias de 
acordo com a criança e o ambiente.
Segundo Sanderson (2005), o sujeito 
pedofílico tem preferências por crianças que são bem infantis, isto é, 
totalmente inocentes e que não são muito conscientes do mundo que vivem,
 haja vista que dificilmente notarão o abuso sexual sofrido. Para o 
pedófilo, o prazer consiste em experimentar a sexualidade imatura da 
criança o quanto antes possível. 
 A sua aproximação inicial é feita, muitas
 vezes, de forma alegre e participativa, sempre disposto a realizar as 
vontades da criança e utilizando-se de mensagens com duplo sentido, sem 
que a vítima perceba, a fim de cativá-la. Em seguida, há um processo 
gradativo, e imperceptível para a criança, de isolamento a qual será 
distanciada dos seus amigos e familiares e passará mais tempo à sós com o
 sujeito. No entanto, o pedófilo sempre se certifica em transmitir uma 
sensação de segurança, embora ilusória, para que a criança deseje estar 
sempre próxima. É por conta disso que muitas vezes a vítima sente-se 
devedora da atenção recebida e tende a aceitar qualquer pedido do adulto
 em questão.
Somado a isso, uma outra forma muito comum
 de atuação é através da internet, pois ela é o instrumento hodierno 
mais forte de comunicação para a prática de vários tipos de delitos e 
transmite uma sensação de impunidade mediante a possibilidade do 
anonimato, dificultando a sua localização. É neste espaço virtual onde 
ocorre, principalmente, a pornografia infantil, cujo mercado movimenta 
anualmente cerca de U$ 9 bilhões em todo mundo, segundo a Organização 
das Nações Unidas (ONU).
Outrossim, diante dos recorrentes uso de 
estereótipos, torna-se imprescindível destacar que nem todo abusador é 
um pedófilo. Frequentemente muitos casos de abuso sexual de menores são 
caracterizados erroneamente, em especial pela mídia, como pedofilia. 
Segundo Casoy (2014), ao contrário dos pedófilos, molestadores de 
crianças possuem várias motivações para seus crimes e nem sempre serão 
de origem sexual, haja vista que não há uma preferência por menores 
pré-púberes, podendo ser crianças de qualquer idade ou, até mesmo, 
adultos. Para eles, a prática sexual com crianças é resultado de um 
aproveitamento de oportunidades surgidas, sendo, portanto, abusadores 
ocasionais. Além disso, abusadores costumam utilizar-se de meios 
violentos ao passo que pedófilos geralmente são mais pacíficos e 
estratégicos.
Nesse viés, embora seja impossível definir
 uma causa precisa da pedofilia, alguns fatores são apontados como 
desencadeadores de tal distúrbio. Especialistas indicam que ao serem 
expostas a um ambiente familiar marcado por violência sexual, física e 
psicológica, crianças podem desenvolver uma personalidade com aspectos 
anormais, ficando assim, susceptível a tornar-se posteriormente um 
pedófilo. Paralelamente a isso, é apontado também o aspecto causal 
biológico a partir da relação desse fenômeno com os níveis elevados de 
testosterona (hormônio masculino), responsável pelos desejos sexuais 
(SILVIA, 2013). No entanto, apesar de válidos, tais fatores jamais podem
 ser categóricos ou deterministas, haja vista a multiplicidade causal 
proveniente da individualidade do sujeito.
5 PEDOFILIA NO ÂMBITO JURÍDICO
Foi somente na década de 90, após uma 
incansável busca durante décadas, que o Brasil efetuou mudanças acerca 
dos direitos das crianças e adolescentes, protegendo-as, especialmente, 
dos abusos sexuais. No entanto, na década anterior, o país já havia 
avançado no que tange a proteção dos direitos humanos em todas as 
dimensões. Foi nesta época em que se criou a Constituição Federal 
Brasileira de 1988 também conhecida como a “Constituição Cidadã”, 
responsável por assegurar que é “dever da família, da sociedade e do 
Estado proteger e cuidar do menor”.
No ano seguinte, em 1989, foi aprovada 
também a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança que abriu 
caminho para uma discussão entre vários países acerca do tema afim de 
reafirmar compromissos entre si. Ela, portanto, foi responsável por 
reconhecer a criança como um sujeito de direitos, obrigando os estados a
 protegê-las de todas as formas de violência, seja ela física, mental ou
 sexual. Assim, através dessas duas significativas criações, foi 
possível elaborar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) por meio 
da Lei nº 8.069, de 1990, configurando-se um marco histórico e jurídico 
da proteção ao menor. Desde então, o ECA, através do Ministério Público,
 Poder Judiciário, Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e o
 Conselho Tutelar, vem assegurando direitos fundamentais que protegem o 
público infanto-juvenil.
No entanto, apesar de todo esse avanço no 
amparo aos menores, o respectivo Estatuto apresenta algumas falhas. O 
autor Rodrigues (2008, p. 25) frisa, com razão, que os artigos do ECA 
combate crimes relacionados apenas à pornografia infantil, ficando sob 
responsabilidade do Código Penal (CP) a punição e o combate aos outros 
crimes sexuais, o qual, mesmo incluindo situações decorrentes da 
pedofilia, não possui no seu conteúdo uma realidade jurídica bem 
tutelada ao tratar-se de crianças ou adolescentes.
Somado a isso, não existe previsão legal 
específica no ordenamento jurídico brasileiro para a pedofilia, sendo os
 seus atos incorporados, mediante analogias, aos crimes de atentado 
violento ao pudor, prática de abuso sexual ou estupro de vulnerável. 
Sendo este último o que mais se aproxima da pedofilia, mediante elencado
 no artigo 217 do Código Penal:
Art. 217-A. Ter 
conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 
(catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma 
pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por 
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento 
para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode 
oferecer resistência.
§ 2º (VETADO).
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
Apesar disso, insta realçar que em 2014, 
houve uma edição na lei 8.072/90, por meio da lei 12.978, a qual passou a
 considerar o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes como 
crimes hediondos e inafiançáveis, de forma que indiciados por tais 
delitos não terão direito à liberdade ou anistia.
Em síntese, é preciso entender que a 
pedofilia por si só, hodiernamente, não se constitui um crime, pois 
assim como o sadismo ou fetichismo, são psicopatologias. Isso significa 
que apenas será enquadrado criminalmente aquele que exteriorizar os seus
 desejos sexuais pedofílicos mediante abuso sexual ou estupro, como 
visto anteriormente. Em contrapartida, se o pedófilo não manifestar 
nenhum sinal da sua patologia, não será punido. Sendo assim, o 
tratamento jurídico-penal desses casos será determinada mediante um 
laudo psiquiátrico, o qual confirmará se pedófilo será destinado ao 
tratamento psiquiátricos por tempo indeterminado (artigo 98 do Código 
Penal). É exatamente nesse contexto que surgem controvérsias quanto à 
imputabilidade do pedófilo, uma vez que a linha que separa o normal do 
patológico é tênue e deve ser analisada com cautela.
6 A (IN)IMPUTABILIDADE DO PEDÓFILO: DOENÇA OU CRIME?
No âmbito jurídico, um sujeito inimputável
 é aquele que não possui condições suficientes de entender o caráter 
ilícito do fato. Embora sejam isentos de pena, cumprirão medida de 
segurança em hospital de custódia mediante tratamento 
psiquiátrico. Nesse quesito, insere-se casos como menoridade penal, 
embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior e 
patologias psíquicas, mediante elencado no artigo 26 do Código Penal:
Art. 26 - É isento de 
pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental 
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, 
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de 
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Conforme preleciona Capez (2013, p. 307): 
“a imputabilidade, como elemento integrante da culpabilidade, funda-se 
na capacidade de entendimento do agente delituoso acerca da ilicitude do
 fato praticado, assim como de se autodeterminar com o aludido 
entendimento”. Logo, nota-se que a imputabilidade depende de um aspecto 
volitivo, pois consiste em uma faculdade de controlar a sua própria 
vontade, e um racional, já que requer uma capacidade de entendimento. Ou
 seja, se faltar algum desses elementos, o indivíduo será considerado 
imputável.
À priori, é preciso entender que somente a
 execução do ato relacionado à doença mental não é suficiente para 
enquadrar-se na inimputabilidade. Para isso, faz-se necessário um laudo 
psiquiátrico que comprove a anomalia mental e sua decorrente 
incapacidade de compreender o ato criminoso, conforme previsto no artigo
 26 do direito penal:
CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940
Art. 26 - É isento de 
pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental 
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, 
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de 
determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº
 7.209, de 11.7.1984)
- Redução de pena
Parágrafo único - A pena 
pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de 
perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou 
retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do 
fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada 
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Ao contrário do que muitos entendem, a 
pedofilia consiste em uma parafilia, sendo reconhecido pela Organização 
Mundial da Saúde (OMS) como uma doença responsável por desenvolver 
desejos sexuais por menores pré-púberes. Como já foi exposto, não há uma
 previsão legal que criminalize a pedofilia uma vez que é a 
exteriorização da vontade de tal indivíduo que pode ser enquadrada em 
crimes como estupro de vulnerável, assédio sexual ou propagação de 
conteúdo pornográfico infantil. Nota-se, portanto, que nem todo pedófilo
 é um criminoso.
Insta considerar que, apesar do seu 
aspecto patológico, é questionável se o indivíduo em questão possui 
consciência do ato ilícito praticado. De um lado, há pessoas que afirmam
 a incapacidade do pedófilo, ao passo que do outro, a consideram 
ilusória. À este último grupo pertence o professor Guilherme Nucci que, 
em sua obra Crimes contra a dignidade sexual, ao referir-se à 
imputabilidade penal, afirma que se deve focar particularmente nas 
chamadas doenças da vontade e personalidade antissociais que não são 
consideradas mentais, uma vez que não afetam a capacidade de 
entendimento e vontade do agente e, por isso, não excluem a 
culpabilidade. Nesse sentido, apesar do aspecto patológico, o pedófilo 
deve responder pelos seus atos e sofrer o juízo punitivo, sem usufruir 
de benefícios.
Todavia, diante da sua incapacidade de 
oferecer tratamento adequado, fica claro que somente a punição 
carcerária não irá conferir nenhum resultado eficaz ao pedófilo. É fato 
que, para o Estado, a prisão será menos onerosa que um tratamento 
psiquiátrico por tempo indeterminado. Assim, a nefasta consequência 
disso é que os pedófilos serão tratados como criminosos comuns e, 
posteriormente, serão devolvidos à sociedade na mesma condição de quando
 cometeu o ato ilícito, tendendo, portanto, a reincidi-lo.
Desse modo, caso haja dúvida quanto à 
capacidade de imputação jurídica de um indivíduo, far-se-á necessária 
bastante cautela ao analisar o caso concreto, uma vez que alguns 
pedófilos se aproveitam da sua condição para conseguir minimizar suas penas
 mediante os benefícios da imputabilidade. Diferenciar os limites entre o
 normal e o patológico não é uma tarefa fácil e, para isso, é mister um 
critério técnico bastante preciso para identificar se o pedófilo é um 
agente inimputável ou não. Entretanto, tal precisão ainda não foi 
alcançada pela psiquiatria moderna, restando apenas o tratamento clínico
 como medida mais segura e, gradativamente, eficaz.
7 CONCLUSÃO
Como foi visto, a pedofilia existiu desde 
os primórdios da sociedade e foi considerada como uma prática aceitável 
em diversas épocas e culturas. No entanto, com o passar dos séculos, 
compreendeu-se que tal prática seria prejudicial à criança, adquirindo 
assim uma nova roupagem reprovativa e condenatória. Nesse viés, ao 
contrário do que é erroneamente propagado, a pedofilia em si 
constitui-se uma patologia haja vista o seu aspecto específico, 
recorrente e excessivo.
Por outro lado, rememora-se que, na 
legislação brasileira, a pedofilia não é considerada um crime, uma vez 
que está presente no íntimo do sujeito. Porém, quando esse desejo é 
satisfeito por meio de um ato concreto que viola a liberdade sexual do 
menor, se constituirá um crime passível de sanção. Logo, a legislação 
não pune o pedófilo pelo que ele é, mas sim pelas suas atitudes.
Nesse sentido, bailando sob o tema chave 
dessa discussão, ficou evidente a dificuldade ao definir o pedófilo como
 um agente imputável, inimputável ou semi-imputável, haja vista a linha 
tênue entre o que é normal e patológico. Para isso, a Psiquiatria 
Forense auxilia o Direito Penal ao diagnosticar a capacidade mental dos agressores sexuais.
Todavia, apesar da existência ou não de 
culpabilidade, é fato que o encarceramento por si só não se constitui 
uma medida eficaz, uma vez que o pedófilo permanecerá na mesma condição 
patológica, tendendo a reincidir seus atos. Desse modo, nota-se que tal 
sujeito requer um tratamento clínico especial capaz de auxiliar no 
controle dos seus desejos sexuais socialmente inaceitáveis e, assim, lhe
 possibilitar a reinserção na sociedade.
Ademais, cabe realçar ainda que a 
limitação do presente artigo consiste em analisar apenas uma parcela do 
tema em questão. É evidente que o comportamento pedofílico gera 
consequências que vão além do próprio sujeito, perpassando a vítima e 
sua família bem como a família do pedófilo. No entanto, o fato de não 
serem abordadas não implica na sua irrelevância para a compreensão da 
pedofilia. Entender melhor o perfil pedofílico não só desmistifica 
alguns tabus como também possibilita uma visão mais clara acerca desse 
tema mundialmente vigente, a qual será crucial na busca por tratamentos 
cada vez mais eficazes.       
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA NOTISA DE JORNALISMO CIENTÍFICO. (2008, 25 de março). Pedofilia: monstro ou doente? Psique ciência e vida, 27, 33-39.
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