CAUSOS DE UM
ESTUDANTE DE MEDICINA NA BAHIA .
-O RÁDIO
TRANSGLOBE -
Junho de
1978, segundo ano de medicina, Faculdade de Medicina da Universidade
Federal da Bahia .
Naquela
época estudar na Bahia e em Pernambuco era o sonho de todos os jovens dos
sertões nordestinos, não diferente para o tabaréu Zezinho , cada
dia mais capiau oriundo das plagas caririenses do Sul do Ceará .
Nas férias
era de praxe visitar os parentes, os amigos e o seu torrão natal, notadamente a
Chapada do Araripe.
O transporte
era precário, pegava-se um ônibus da Viação Pernambucana de Juazeiro do Norte a
Juazeiro da Bahia, saia do Ceará as 8h da manhã e chegava em solo baiano as
20h .
Para prosseguir a viagem ,de Juazeiro da Bahia a
Salvador , aguadava-se um novo ônibus, oito horas de espera, ao relento, embaixo das carcomidas
marquises da agência da Viação São Luiz à margem do Rio São Francisco .
Doze
horas de viagem no primeiro trecho devido as
esburacadas estradas, as dezenas de paradas para o sobe e desce
de passageiros, o chamado pinga-pinga , as paradas oficiais nas
agências dos distritos, vilas e municípios da linha, além das paradas
nos grandes restaurantes para a alimentação dos motoristas e dos
passageiros . O segundo trecho ,
pelos mesmos motivos, mais doze horas de saculejos. O retorno
iniciava-se
pela Viação São Luiz, SALVADOR-JUAZEIRO, baldiação com a Viação
Pernambucana , porém,
mais alegre.
Era
a volta da Asa Branca a cortar a seca e cinza caatinga
do maltratado sertão em busca de recarregar as energias com os entes
familiares, a saudosa namorada, os professores e os colegas do curso
básico, os amigos de infância, a culinária, o folclore e as coisas
da terra natal.
Janelas
abertas, ventos causticantes, balanço para um
lado e para o outro, renovação dos passageiros em cada parada,
compras de queijos , doces de leite e o refrescar da alma com uma
saborosa cajuína, assim seguia singrando sertão adentro a velha nau em
busca da terra prometida.
Ao assunto.
Senta-se
o cara pálida na poltrona 18 da Viação São Luiz, Carroeria Marcopolo, rumo a Juazeiro da Bahia , sexta-feira, 8 h da
manhã. Como bagagem uma grande bolsa de couro curtido , macio e de cor
amarela, guardada como histórica relíquia .
Corpo em
Salvador, porém , a cabeça no Cariri, 800 Km de estrada, no expresso 12 horas
de viagem, no comercial tempo dobrado.
Chega-se em
Juazeiro da Bahia as 18h, já escuro, nesta rodoviária será feito a
baldeação com a empresa Pernambucana, ônibus vindo da capital Paulista
com muitos Josés, Marias, Ciços e Toins, todos saltitantes com
destino ao maior São João do mundo e abarrotados de presentes ,
todos felizes por se sentirem gente e pelo retorno à terra natal, o Nordeste.
Passado
trinta minutos chega o belo ônibus azul da Viação Pernambucana, carroceria Caio Norte, Bandeira
indicando - SÃO PAULO -JUAZEIRO DO NORTE , o coração chega a palpitar.
Significa o seu Ceará, o Cratinho de açúcar e o Juazeiro do Norte.
Dentro
do ônibus Zezinho já se sentia em casa, sentia-se dentro do coração do cariri, era
apenas questão de dez a doze horas, esperava cheio de esperanças por este momento. Os passageiros descem para desempenar as
pernas, lavar o rosto, comer um grude , fazer algumas necessidades fisiológicas,
trocar uma muda de roupa e comprar pães, bolachas, doces ou tomar um
caldo de mocotó . Nesta Rodoviária dá-se uma penteada no ônibus para
prosseguir o trecho principal, Juazeiro da Bahia -Juazeiro do Norte. O veículo
era um verdeiro rasgador dos sertões , não poderia quebrar nas
empoeiradas e desérticas rodagens. Asfalto de verdade aqui e acolá.
Sob o ardente sol a miragem era a única companhia dos viajantes.
Todos
acolhidos na nave azul da Viação Pernambucana . Todos com os
olhos cheios de alegrias e os corações a bater- MEU
CARIRI , MEU CARIRI , MEU CRATINHO, MEU JUAZEIRO, MINHA SERRA DO ARARIPE E TUM
TUM TUM, MEU CEARÁ.
Zezinho não teve cadeira numerada, ocupou uma de
outro passageiro que desceu em Juazeiro da Bahia, como não possuía
bagagem, apenas a linda bolsa de couro cru, macia e amarela, a aconchegou
no porta malas no teto ao alcance dos olhos. O veículo deu partida ao
paraíso carirense.
Passado meia hora de estrada, um senhor com mais de
setenta anos de idade gritou: " Meu radio transglobo sumiu, roubaram
meu rádio", a esposa com idade semelhante complementou:" Só entrou um
passageiro novo no ônibus", outra senhora esbravejou " De São Paulo
até aqui nada aconteceu, só foi entrar um passageiro o radio de pai
sumiu" , outra senhora gritou :" Chofer , pare no posto
rodoviário para fazer uma revista no ônibus. Só entrou um rapaz novo em Juazeiro, tem que revistar, chama a polícia", a gritaria foi geral, pare motorista no posto e chama o guarda.
No primeiro
posto fiscal o ônibus fez pousada, beirava 21h, a lua prateada
brilhava no céu azul cheio de estrelas. O Motorista desceu, falou com o
agente do Posto Rodoviário, fez a queixa e aguardou a revista dos
passageiros.
Entraram
três agentes e a gritaria foi geral, só
entrou um passageiro. . O velho não mais falava, gritava:
"ROUBARAM O MEU RÁDIO E TEM QUE APARECER, É UM TRANSGLOBE PHILCO FORD" ,
a esposa foi logo
apontado para o novo passageiro. O fiscal o identificou, perguntou o que
fazia, o seu nome, onde morava e de qual família era. O jovem seguro
das palavras
mostrou a sua carteira de estudante de medicina bem discriminada :
retrato colorido, nome dos pais, número da matrícula, brasão da UFBA e o
seguinte escrito: Acadêmico de Medicina da Universidade Federal da Bahia, 2º
Ano. O agente falou alto: " O homem é doutor e de
família boa do Juazeiro do meu Padim Ciço, é de família descente".
A descisão foi voltar para a rodoviária de Juazeiro da Bahia
para resolver a delicada demanda. O velho resmungava , a velha não parava de
falar e os outros confirmavam. O rádio tem que aparecer , só havia um suspeito
: O NOVO PASSAGEIRO.
Ao chegar à Rodoviaria, o preposto da empresa
portando um velho rádio preto falou : " homem, quando o ônibus chegou de São Paulo e foi para a garagem
para higienizar, foi retirado este rádio para não molhar e quando
vocês sairam foi que o responsável notou que havia ficado aqui na agência
"
Como uma ducha fria, todos calaram a boca, grande foi a decepção e muitos foram os
pedidos de desculpas , porém, a velha não parava de falar: " Só
havia entrado um passageiro e depois o rádio sumiu, a suspeita era correta, não
podemos fazer nada, a não ser pedir desculpas.".
Zezinho chegou em casa são e salvo. Contou esta
estória aos parentes, amigos e principalmente para os seus pais.
Relata que ficou gravado na sua memória as elucubrações dos
passageiros : " roubaram o meu rádio " ,
"só entrou um passageiro novo ", " tem que ser feito uma revista
no ônibus".
"SÓ ENTROU UM PASSAGEIRO EM JUAZEIRO "
Iderval Reginaldo Tenório
***
Veja o valor de documentos de peso, uma boa formação educacional, moral e ética, uma
família honesta, correta e de bons princípios, como também funionários públicos bem preparados e um bom diálogo.
Vale a pena ser honesto .
O fechamento poderia ser outro.
Vale a pena ser honesto.
Iderval
Reginaldo Tenório
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