terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Zezinho, Pedrinho e a Natureza.

 


 


Tinamidae Crypturellus parvirostris (Wagler, 1827) Nambu-p… | Flickr

    

                                       Zezinho, Pedrinho e  a natureza.

 

 


Inhambu chororó (Crypturellus parvirostris) Small-billed - YouTube

                            Zezinho, Pedrinho e  a Natureza.

Zezinho, 14 anos de idade, 1968, férias nos sertões pernambucano. Pais  agricultores de subexistência, porém acreditavam na educação como uma das ferramentas para um futuro melhor,  não deixavam os seus filhos sem escola.   

Zezinho e Pedro saíram em busca de uma caça para  comer, ato comum naquelas paragens nas décadas de sessenta e setenta. Ao furarem as capoeiras e exaustos, sentaram no tronco de um umbuzeiro, sob o sol causticante,  o único lugar que tinha sombra. Beberam  água de cabaça, enxugaram o rosto com a ponta da camisa  e seguiram enfrente.

As armas não eram de fogo e sim duas baladeiras(estilingues) feitas de gancho de madeira, borracha de câmara  de ar e  couro velho de cinto, achado numa maleta de madeira forrada com couro cru e cuidadosamente guardada pelo pai, uma vez que, no campo nada vai para o lixo, isto é, nada se rebola  no mato, um dia será útil. A reciclagem no sertão é moda eterna e é levada  a sério.

Saíram em silêncio e logo viram um casal de Codorniz, são tão espertas e atentas  que voaram fazendo um grande barulho com o bater das asas, continuaram a caminhada. Pedro, que ia na frente, avistou um preá adulto e dois filhotes, puxou as borrachas da baladeira, Zezinho com os dois braços elevados  gritou alto: PARE PEDIM, PARE, exatamente para os animais ganharem a copeira e escaparem.  Completou em voz  alta :

"Pedim, não se mata filhotes e nem uma mãe que os conduz.  Quando um filho morre é um trauma para a mãe e quando uma mãe morre, com filhotes pequenos, eles sofrem, podem morrer de fome ou mesmo serem comidos pelos animais maiores, eles são presas fáceis.  Nunca faça isso Pedim, sei que aqui neste sertão é comum o homem sobreviver caçando animais, porém tem que seguir algumas regras, já imaginou  quantas crianças estão abandonadas no mundo por falta de uma mãe?".

 Pedro não gostou, ele queria era uma caça. Continuaram a caminhada e  sempre atentos com os animais peçonhentos, notadamente as cobras  cascavéis que têm matado  ovelhas, bodes, bois,  cavalos  e também pessoas. 

Cortaram a pé mais de uma  légua de caminhada, só carrapichos, rabo de raposa, mandacarus, jiquiris, coroa-de-frade, facheiro e  faveleiros. Com  o sol se pondo e  a queda da temperatura,  os animais surgem em busca da alimentação e da água.

Pedro, muito esperto, começa a atirar com a sua  arma artesanal, acerta uma rolinha, um caga-sebo, um corró e um gola, insatisfeito começa a atirar em calangos e lagartixas, disse que não gosta do balançar das suas cabeças, o Pedro é um menino traquino. 

Zezinho reclama e diplomaticamente toma a dianteira. Ao aproximarem-se de um dos aceiros da capoeira, enxerga um ninho e comunica ao Pedro, era um ninho de Inhambu, que é conhecida na região como Nambu. Os seus ovos são marrons, tais quais são as suas penas, eram cinco no seu total. Zezinho não quis levá-los, porém Pedro bateu o pé e disse que não deixaria os ovos no ninho, não voltaria de mãos vazias e  iria comê-los cozidos. 

Zezinho rebateu:

"Pedim meu irmão, são estes ovos que darão continuidade a existência dos Nambus aqui na terra. Como você e a sua traquinagem  não querem deixá-los, vamos fazer um acordo: Ao chegar em casa você fica com dois e eu com três, pois foi eu quem achou o ninho. Acho  inclusive, que a mãe Nambu não mais voltará para chocá-los, pois você desfez e pisou no ninho, cortou o capim,   expôs ao relento e fez muita zoada, a mãe está desconfiada e temente, abandonará o  ninho em defesa da vida, ela é afavor da vida e não da  morte".

Pedro retruca com ar de sabedoria  e com o dedo em riste vocifera:

 " Zezinho, você está cheio de leotria e filosofia, depois que mudou de escola, só fala agora em defender a natureza, os animais e até falou que matar as abelhas, as formigas e as borboletas é crime, você está muito diferente. Outra coisa  Zezinho, o professor falou na minha escola, que são os países ricos que destroem a natureza,  escravizam as nações pobres e levam tudo de bom para eles. Você sabia que o café bom  e as frutas  boas, enfim tudo que for de bom os ricos do mundo levam para o estrangeiro e para nós só ficam as borras?

Partiram para casa, no caminho  Pedro  e Zezinho trocaram ideias mirabolantes sobre a natureza e os seus fenômenos, um ensinava ao outro o que sabiam.

O Pedro pegou uma caçarola logo ao chegar em casa,  cozinhou os dois ovos  e comeu com farinha. O Zezinho viu que na sua casa uma galinha estava chocando alguns ovos, quando ela saiu para beber água ou comer alguma coisa, que é rápido e deixou o ninho sozinho, colocou os três ovos  entre os da galinha, não disse nada para a sua mãe e todos os dias ia até o ninho para saber como estavam. Passado 19 dias, os ovos começaram a eclodir, não  é que nasceram dez pintos brancos e  graudos,   três pintos marrons e  pequenos!?  A galinha quando viu a sua ninhada, provavelmente achou estranho, porém andava no terreiro com todos os treze, inclusive cuidava bem dos brancos, porém dava mais atenção aos  pequenos e  marrons. Dividia os grãos de milho, as formigas e farinhas em xerém, para os menores e quando ia se deitar colocava os três marrons em baixo do seu fofo peito,  os maiores e  brancos sob as duas asas. Orientava os maiores para não chatearem os seus pequenos filhotes, todos eram irmãos e mereciam o mesmo cuidado,  pedia que protegessem os três menores. Os pintinhos brancos tinham orgulho dos irmãos cor de chocolate,   ficavam impressionados com o talento, a rapidez  e a destreza  de cada um, os pequenos não paravam, eram incansáveis.

Passado dias, as férias acabaram,  Zezinho e Pedro voltaram para as suas escolas. O Zezinho chamou o Pedro e  falou:

"Pedim,  vejo que você é inteligente e um dia  vai entender a natureza. Vai conhecer a grande variedade de vidas, vai mergulhar no estudo das raças, das etnias, das matas, dos minerais, dos rios e de tudo que compõe a terra. Veja que a galinha cuidou dos pintos como se todos fossem seus, cuidou sem preconceitos e mostrou aos seus pintinhos brancos como é importante respeitar a diversidade e as  diferenças."

Diz o pai de Zezinho, que a galinha ficava muito alegre quando via os seus filhotes marrons crescerem, voarem,  cantarem com tanta precisão as  lindas e estranhas  melodias, não comuns entre as galinhas.

A família cresceu, os pintos ficaram adultos e começaram a ter os seus filhos. As  Nambus ganharam a capoeira em busca do seu habitat natural, porém,  de vez em quando voltavam para visitar a mãe e cantar para todos os moradores do arraial.  Eram verdadeiras estrelas da natureza. Uma vez vieram  mais de trinta e fizeram uma contagiante apresentação, neste dia os olhos da galinha  marejavam de tanto orgulho e alegria, era visível o soluçar  do seu cacarejo.  Um grupo cantava em tons iguais, outros em tons  diferentes e  um, que ficava à frente,  comandava com maestria.  Havia um  menor que se destacava nos silêncios do espetáculo, era um tenor e de grande valor, tinham músicas que todos  paravam e o pequeno tenor soltava a sua contagiante voz,  o  maestro conduzia com sabedoria e orgulho.

Os encontros de família ficaram inesquecíveis para todos. Não saem de suas mente os belos espetáculos  cantados pelo  coral dos Inhambus.

Foi assim que Zezinho passou as suas férias e junto ao Pedro organizaram um debate na escola com todos os colegas, o Pedim, conquistado pelas ideias do  colega,   foi o seu coordenador e escolheu  o assunto :

TUDO PELA NATUREZA. CUIDE DA FAUNA E DA FLORA. CUIDE  DOS MORROS, DOS  RIOS  E DO HOMEM. O MUNDO É DE TODOS E MERECE RESPEITO.

CUIDE DA NATUREZA.

Salcador , 13 de Janeiro de 2025

                                                               Iderval Reinaldo Tenório

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