sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

O FILHO QUE NÃO PROSPEROU

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Filho Pródigo' na ótica do irmão mais velho - Areópago

 O filho pródigo – O filho mais velho – Good Villages

O FILHO QUE NÃO PROSPEROU

Num contagiante encontro,  o Zezinho nos   contou esta história.

Relatou, que um senhor oriundo de classe social baixa,  mesmo com pouca escolaridade, educou os filhos com sabedoria.

Da universidade do mundo cursara e vivera   as diversidades da vida   com muito afico, principalmente nas áreas  humanas. Com  o suor do rosto, os ensinamentos da natureza,   os pensamentos filosóficos, os comportamentos   dos animais não humanos soube com zelo e  maestria   gerar, criar e educar a sua dezena de filhos.

O tempo passou, os filhos cresceram e alguns galgaram postos importantes na sociedade, fruto dos ensinamentos do sábio mestre analfabeto. 

O bom senhor, à proporção que ganhava conhecimentos, foi envelhecendo e perdendo a vitalidade.

Como é peculiar à família nordestina,  ano após ano, em encontros familiares, os filhos lembravam ao velho carvalho o seu valor e  importância para a sua prole.

Um dos filhos havia voado alto e ocupado  postos estratégicos na nação. O tempo passava  e  este filho não participava dos encontros, as suas  justificativas eram   os compromissos oficiais. Quando  lembrava-se, nomeava  prepostos: um   irmão, um primo, um amigo  e até  um dos seus assessores. Nunca negara ajuda financeira, a  sua presença era via transferências bancárias. O seu pai virou um CPF ou um CNPJ.

Com o passar dos tempos, o ancião foi perdendo a virilidade.  Músculos  atrofiados, cabelos  raros, ralos  e brancos,  mente enfraquecida, visão embaçada e lapsos de  memória. Perguntava onde estava, quem eram as pessoas da casa, onde morava e às vezes não sabia quem era a sua própria pessoa.

A   tradicional família, continuava as suas comemorações ano após ano. O  filho de destaque  era substituído por um preposto, até o dia em que foi literalmente  intimado  a comparecer ao 99º  aniversário do patriarca.

Ao chegar,  entrou no quarto do seu genitor, sentou-se  na cabeceira da cama e  bem junto ao velho pai,   falou :

__Peço a sua  bênção pai,  a bênção pai.

O velho imobilizado, nada respondeu, o filho repetiu mais alto:

__ A Bênção pai,  a  bênção pai.

O  ancião abriu os olhos, mexeu com a cabeça de um lado para o outro, fez esforços para levantá-la, mirou o rosto do homem e com a voz trêmula balbuciou:

__Quem é você?  De onde veio?  Onde  mora? O que  faz ? Quem é o seu pai? .

O filho parou, pensou, abaixou a cabeça e disse :

__ A bênção pai, sou  seu filho, o  filho do meio, moro fora,  faz mais de 20 anos que não vejo o senhor e  20 anos que não venho à nossa terra, trabalho no Ministério, trabalho no governo, moro na capital.

O pai mais uma vez falou:

"__Quem é você? De onde veio? Onde mora?  Você é filho de quem? Quem é o seu pai? Veio aqui fazer o quê? Eu lhe abençoo, porém  não sei quem é você. Não estou lhe reconhecendo, a minha memória está curta,  se você diz que é meu filho,  é porque é  meu filho,  porém eu não me lembro de você”

Desencantado com a amnésia paterna e decepcionado com o que presenciara,  não conseguiu entender o que se passava. 

Soube por intermédio dos irmãos, que o seu pai, num processo fisiológico foi perdendo paulatinamente a capacidade de memorizar, verbalizar e de locomoção.   Passou a lembrar dos fatos repetitivos do cotidiano, como  dos estranhos cuidadores,  dos  cachorros e dos  reles utensílios de primeira necessidade ( o banheiro, o pinico, a aparadeira, o papagaio e  a televisão). Emociona-se  com o abrir e fechar das  portas, o bate-bate das panelas, xícaras, dos pratos  e dos talheres. Gosta do ranger das velhas e enferrujadas dobradiças, das grossas portas de madeira de lei   manipuladas diariamente para o arejamento da casa, a entrada    do sol e a  chegada  de visitas,  fatores   necessários à qualidade e  ao prolongamento da vida.

 Num sentimento de  culpa,  entendeu   que o pai, devido a sua ausência, havia apagado da mente quaisquer resquícios ou lembranças de sua existência, até mesmo a legitimidade paterna.

 Compreendeu que  a ausência, o  distanciamento e o  descaso para com o velho pai, apagara  a sua existência como filho.

Desconfiado e  deprimido partiu para a conquista, porém o velho aos poucos foi apagando da mente os dados e imagens cerebrais, aos poucos foi esquecendo e  se esquecendo... até o dia em que não mais lembrava nem de si, até o dia em que entrou em vegetação.

Com os fatos presenciados,  o filho passou a entender que o seu pai precisava era de abraços, carinho, respeito, de sua presença  e não de ajuda financeira ou   de gestos pecuniários. Estes atos  jamais substituirão um simples abraço e o calor que emana de cada alma.

Foi-se o velho e com ele foram  sepultadas as suas memórias, restando as boas lembranças, os  ensinamentos e os legados.

Para o filho ficou a certeza, que  foi 20 anos atrás que viu e foi visto pelo pai. Ficou gravado na sua memória, que os seus filhos não eram netos do seu pai e mais claro ainda,  que o homem é a mente e a entrelaçamento material e imaterial com tudo que lhe rodeia. 

O homem é fruto de sua raiz, da interação do cérebro com a natureza e com as  descargas eletromagnéticas do universo que atingem a terra. Ficou evidente,   que o núcleo familiar é o maior elo entre o homem e a vida, e  que  seus genitores jamais   deverão perder a sua importância e nunca serem desgarrados de sua trajetória de vida.  

 Por mais longe que o homem vá, por mais importante que seja  a sua posição,   as suas raízes deverão continuar  fortes e  firmes, terão que continuar  aderidas, presentes e mais profundas  em toda a sua existência. Um dia, cada  cidadão sentirá o sabor da sua existência e o âmago das suas raízes, este dia, um dia chegará. 

"Seja um bom pai para  os seus filhos, para que    no futuro, seja  um bom  pai para os  seus pais"

SSa, 18 de Março  de 1981

Iderval Reginaldo Tenório


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