domingo, 30 de outubro de 2022

O amanhecer no sertao da Serra do Araripe

 


O Amanhecer no meu sertão, A SERRA DO ARARIPE.

Cantava o galo Chulipa três vezes antes do sol nascer  para informar   quem era o verdadeiro dono do terreiro, quem era o senhor daquele arrebol. Na outra extremidade , zurrava o jumento Jericó  com a finalidade de mostrar aos seus companheiros e companheiras  a sua localização num raio de quatro a cinco quilômetros, que aquele era o seu reduto  e que chegara a hora de transportar a água para encher os potes da casa. 

 É o asinino  um animal de origem desértica, possui uma grande cabeça, olhos laterais ,  duas longas  orelhas forradas com pelos macios, ouvidos atentos e de bocas grandes que se afunilam ao chegar à sua inserção como se fossem um par de chifres ou duas antenas de  abas  largas.   Tais quais    dois radares em movimentos rotativos  numa varredura de  280º, ora para cima , ora para baixo , para frente e para trás nada escapa de sua atenção sonora.

 É o Jumento um animal inteligente, cheio de manhas , pantins,  manias,  mistérios e superstições, é um bicho de grande adaptação. Come de tudo, de camisas nas cercas a sola de sapatos encontrada nos monturos,   precisa de pouca água e  é resistente as intempéries da natureza,  chova ou faça sol,   lá está o asno a sobreviver, é im animal xerófilo.

Num raio de cinco quilômetros é quem manda na caatinga. É um animal testosterônico em demasia e se  enfeitiçado pelo hormonio feminino é um perigo, derruba cerca, invade plantações ,  derruba cargas, sabe usar os dentes, com fortíssimas mordidas e as pernas traseiras com certeiros coices. 

 Foi ele quem ajudou o menino Jesus  a escapar em Belém das garras do Rei Herodes quando este autorizou o maior infanticídio da face da terra.  O Jumento é nosso irmão.

Neste cenário bucólico, a brisa fria batia  nas gramíneas, nas babujas  e nos arbustos. O orvalho da noite, que se  precipitava sobre as folhagens da caatinga,   molhava o rosto e as vestes  de algodão grosso que protegia a pele áspera do  homem serrano quando este  caminhava em direção ao curral   em busca do necta branco da vida,  oriundo do ubre  das pacientes e abençoadas  vacas, o disputado leite   

Com o cheiro contagiante vindo da terra orvalhada ,  os cantos dos pássaros e o zoar  de dezenas de chocalhos   os viventes do arraial despertavam.

O vaqueiro,  com a sua corda de croá e  balde a tiracolo adentrava ao curral ocupado por duas a dez vacas pe duro. Abriam--se as porteiras, as vacas diligentemente chamavam  as suas crias, uma após a outra , o bezerro logo ia até as  edemaciadas tetas. 
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Cabeça junto ao ubre ,  peia nas pernas da vaca leiteira  ,  mãos grossas do  sitiante a amaciar o túrgido alforje natural  repleto de leite,  a cuidadosa e desconfiada mãe liberava o proteico líquido, ciente que alimentava o seu filho.

Enquanto a vaca  mugia,   mungia o vaqueiro, e entre um mugido e outro , o vaqueiro ia mungindo, ia mungindo até o momento em que o bezerro faminto berrava, era um  alerta , era um pedido de socorro, informava  que o  leite não estava lhe sendo entregue, estava sendo desviado para outro mamador .A sua mãe estava sendo enganada,  de imediato a vaca segurava o necta  da vida ,  só liberava para a boca faminta de sua cria,  este com muita sede   ordenhava as  tetas com a sua língua de lixa, beiços grossos lubrificados  e duas ou três marradas  no  ubrepseudovazio . Num aforismo nordestino que diz , bezerro que não berra não mama, daquele momento em diante  só o bezerro poderia mamar. Terminada esta ordenha, partia o vaqueiro para outra  vaca que mugia a procura do seu rebento .  Enquanto a vaca mugia, o vaqueiro mungia, mungia de uma a uma, de teta em teta, era assim o amanhecer na minha querida Serra do Araripe, o vaqueiro mungido e a vaca mugir.

O galo  cantava, o Jumento Zurrava, as vacas mugiam, os bezerros berravam, os pássaros cantavam, os chocalhos zoavam e o vaqueiro mungia. O sol nascia, abriam-se as porteiras, os animais corriam, enchiam os pastos e o tilintar dos chocalhos preenchiam sonoricamente os espaços, estes com   cheiros de flores, jasmins, cedros, cidreiras, capins, estercos e urinas espumantes cobertas por milhares de borboletas de asas grandes e amareladas.

Mesa posta, aroma de café em toda a casa, queijos de coalho e de manteiga na mesa,   prato fundo com leite fresco, espumante e fervendo de quente, farinha de milho ou de mandioca, sal, carne do sol, tigelas de qualhadas, um prato de macaxeira cozida, bule vermelho  esmaltado  cheio de   café  torrado e pilado em casa,  tapioca untada com muita manteiga de garrafa , ovos estrelados na banha de porco e que na maioria das vezes  a gordura caia  pelos cantos da boca, era assim o amanhecer na minha querida Serra do Araripe e haja saudades e haja.
Iderval Reginaldo Tenório

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