Poetas brasileiros contemporâneos
1. Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
Poeta modernista mineiro, Drummond é considerado um dos maiores poetas brasileiros do século XX. Grande destaque da segunda geração modernista, além de poemas, escreveu crônicas e contos.
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
2. Conceição Evaristo (1946)
Poetisa mineira de origem humilde, Conceição Evaristo é um nome que marca a poesia contemporânea. Além de poemas, escreve contos e romances.
Vozes-Mulheres
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.
3. Adélia Prado (1935)
Poetisa mineira, Adélia é uma escritora da literatura brasileira contemporânea. Além de poemas, escreveu romances e contos, onde explora, em grande parte, o tema da mulher.
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
4. Cora Coralina (1889-1985)
Poetisa brasileira nascida em Goiás, Cora é conhecida como a "escritora das coisas simples". Além de poemas, ela escreveu contos e obras de literatura infantil. Sua poesia tem como grande característica os temas cotidianos.
Mulher da vida
Mulher da Vida,
Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e ápodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida,
Minha irmã.
5. Hilda Hilst (1930-2004)
Poetisa brasileira nascida em Jaú, no interior de São Paulo. Hilda é considerada uma das maiores escritoras do século XX do Brasil. Além de poemas, ela escreveu crônicas e obras de dramaturgia.
Tateio
Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.
Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.
Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
6. Cecília Meireles (1901-1964)
Poetisa brasileira carioca, Cecília é uma das primeiras mulheres a ter grande destaque na literatura brasileira. Foi escritora da segunda fase do modernismo no Brasil. Seus poemas apresentam caráter intimista, com forte influência da psicanálise e da temática social.
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
7. Manuel Bandeira (1886-1968)
Poeta brasileiro pernambucano, Manuel teve grande destaque na primeira fase do modernismo no Brasil. Além de poemas, escreveu também obras em prosa. Com grande lirismo, sua obra versa sobre temas do cotidiano e da melancolia.
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
– Eu faço versos como quem morre.
8. Manoel de Barros (1916-2014)
Considerado um dos maiores poetas brasileiros, Manuel de Barros nasceu no Mato Grosso. Foi grande destaque na terceira fase do modernismo no Brasil, chamada "Geração de 45". Em sua obra focou nos temas do cotidiano e da natureza.
Os deslimites da palavra
Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas
9. Ferreira Gullar (1930-2016)
Poeta brasileiro contemporâneo e precursor do movimento neoconcreto, Gullar nasceu em São Luís do Maranhão. É considerado um dos maiores escritores brasileiros do século XX, dono de uma obra social, radical e engajada.
Não Há Vagas
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
10. Vinicius de Moraes (1913-1980)
Poeta e compositor brasileiro carioca, Vinicius foi um dos precursores da bossa nova no Brasil. Teve grande destaque na poesia de 30, na segunda fase do modernismo no Brasil. Seus poemas têm como temática o amor e o erotismo.
Soneto de Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento antes
E com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
11. Mario Quintana (1906-1994)
Poeta brasileiro nascido no Rio Grande Sul, Mario é conhecido por ser o “poeta das coisas simples”. Considerado um dos maiores poetas brasileiros do século XX, teve grande destaque na segunda fase do modernismo no Brasil. Sua obra poética explora temas como o amor, o tempo e a natureza.
Os Poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…
12. Raul Bopp (1898-1984)
Poeta modernista brasileiro, Raul nasceu no Rio Grande do Sul. Participou da Semana de Arte Moderna que inaugurou o movimento modernista no Brasil. Além de poemas, Bopp também escreveu crônicas.
Cobra Norato (trecho da obra)
Um dia
ainda eu hei de morar nas terras do Sem-Fim.
Vou andando, caminhando, caminhando;
me misturo rio ventre do mato, mordendo raízes.
Depois
faço puçanga de flor de tajá de lagoa
e mando chamar a Cobra Norato.
— Quero contar-te uma história:
Vamos passear naquelas ilhas decotadas?
Faz de conta que há luar.
A noite chega mansinho.
Estrelas conversam em voz baixa.
O mato já se vestiu.
Brinco então de amarrar uma fita no pescoço
e estrangulo a cobra.
Agora, sim,
me enfio nessa pele de seda elástica
e saio a correr mundo:
Vou visitar a rainha Luzia.
Quero me casar com sua filha.
— Então você tem que apagar os olhos primeiro.
O sono desceu devagar pelas pálpebras pesadas.
Um chão de lama rouba a força dos meus passos.
13. Paulo Leminski (1944-1989)
Poeta brasileiro contemporâneo, Leminski nasceu em Curitiba, no Paraná. Foi um dos grandes representantes da poesia marginal, com forte característica vanguardista. Além de poemas, escreveu contos, ensaios e obras infanto-juvenis.
Bem no fundo
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
14. João Cabral de Melo Neto (1920-1999)
Poeta moderno nascido em Pernambuco, João Cabral ficou conhecido como o “poeta engenheiro”. Foi grande destaque da terceira geração modernista no Brasil e, além de poemas, escreveu obras em prosa.
O Relógio
Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.
Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.
Umas vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.
Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;
e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade.
15. Jorge de Lima (1893-1953)
Poeta brasileiro modernismo nascido em Alagoas, Jorge de Lima ficou conhecido como “príncipe dos poetas alagoanos”. Grande destaque da segunda geração modernista no Brasil, além de poemas, ele escreveu romances, peças de teatro e ensaios.
Mulher proletária
Mulher proletária — única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.
Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.
16. Ariano Suassuna (1927-2014)
Poeta brasileiro paraibano, Suassuna foi idealizador do movimento armorial, com foco na valorização das artes populares. Teve destaque na literatura de cordel e além de poemas, escreveu romances, ensaios e obras de dramaturgia.
Aqui morava um rei
Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.
Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.
Veja também: Ariano Suassuna
17. Carolina de Jesus (1914-1977)
Poetisa mineira, tinha pouca instrução, mas uma grande paixão pelas letras. Ficou conhecida com a publicação dos manuscritos que contavam o dia a dia na favela em que vivia.
Sonhei
Sonhei que estava morta
Vi um corpo no caixão
Em vez de flores eram Iivros
Que estavam nas minhas mãos
Sonhei que estava estendida
No cimo de uma mesa
Vi o meu corpo sem vida
Entre quatro velas acesas
Ao lado o padre rezava
Comoveu-me a sua oração
Ao bom Deus ele implorava
Para dar-me a salvação
Suplicava ao Pai Eterno
Para amenizar o meu sofrimento
Não me enviar para o inferno
Que deve ser um tormento
Ele deu-me a extrema-unção
Quanta ternura notei
Quando foi fechar o caixão
Eu sorri… e despertei.
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