CHACINA NA SERRA DO ARARIPE
CHACINA NA SERRA DO ARARIPE
Madrugada do dia 24 para 25 de junho de 1928, um desconhecido estrategista chegou sorrateiramente, sem dúvida e remorso metralhou
toda uma família de dezoito componentes, dos mais velhos ao mais novos dos
Pereiras e alguns serviçais, vasculhou todos os aposentos, conferiu
cada um dos corpos, montou no seu alazão, arrumou a sua geringonça e sumiu estrada afora.
Ao
nascer do sol, os caseiros que moravam nos recantos mais
distantes , jamais imaginariam que aqueles estrondos de fogos de
artifícios, na noite de São João, fossem balas da mais afamada metralhadora nordestina,
apelidada de " A costureira". Dizimando toda a família patronal, o autor não deixou pistas, não deixou um único rastro da autoria do crime
, em nada mexeu, a mesa continuou posta, cadeiras caídas,
sangue salpicados nas paredes, corpos debruçados sobre a mesa,
animais domésticos circulando pelo ambiente à procura de restos, panelas
no fogão de lenha , algumas com os alimentos esturricados,
potes e barricas aos cacos, água ensopando os corpos e estes com vários
orifícios transpassando os seus tórax na altura dos peitos, todos, todos
sem vida.
O AMANHÃ
Na
Serra do Araripe não ficou um só cristão que não tomasse conhecimento
da fatídica tragédia, quem era aquele forasteiro? porque aniquilou toda
uma família que até aqueles dias se mostrava pacata, trabalhadora e
honesta? não possuia inimigos num raio de 50 quilômetros, os
Pereiras eram respeitados naquela redondeza. O ano era 1928 , Lampião e
o seu bando já se encontravam pelos lados da Bahia, naquele arrebol
reinava a paz. Muitos núcleos familiares se expandiam com os casamentos consanguíneos , moravam
em casas equidistantes desde quando uma avistasse a entrada , a
lateral ou a saída da outra, era uma maneira de um proteger um ao outro.
A dúvida tomou conta da pequena população, "quem foi o forasteiro que cometeu tão sanguinário crime?" os
familiares distantes apareceram, os corpos foram contados, muitos não
possuíam documentos, os serviçais só tinham apelidos. Todos foram
sepultados em covas rasas enfileiradas nos aceiros da velha estrada e
fincado uma cruz na cabeceira de cada monte de terra, primeiro o chefe ,
depois os outros por ordem de importância.
A polícia foi informada, compareceu timidamente . Pelo pequeno contingente de três
soldados, dois cabos, um sargento , pouca munição e seis mulas
esquálidas foi a primeira a fugir com receio de ser atacada de surpresa
pelo o assassino ou os assassinos dos Pereiras, nunca mais apareceu ou
tomou conhecimento dos fatos a partir daquela data. A sede da Fazenda ficou abandonada , os moradores mais antigos aos poucos foram se acostumando com o acontecido, os parentes mais distantes voltaram para os seus distritos, ficaram as indagações sobre o horrendo crime. Quem teria motivos para tal desventura ? roubo não foi, só poderia ser vingança, a melhor maneira de cobrar dos desafetos os males cometidos em datas anteriores, só poderia ser vingança, não haveria outra explicação, só poderia ser vingança, no nordeste é assim, fez mal a alguém um dia o mal será devolvido, muitas vezes com juros e correções.
O PASSADO
Conta
o velho Malaquias, do alto dos seus 90 anos, que tempos
atrás, lá pelos meados de 1871, quando um jovem padre, de 27 anos de
idade, assumiu a capela do povoado Tabuleiro Grande no Sul do Ceará,
hoje
Juazeiro do Norte, duas famílias de Alagoanos foram morar na região
para ajudar o jovem missionário. Com as duas famílias completas o
jovem Padre aconselhou aos amiguinhos que fossem morar na Serra do
Araripe, fossem criar caprinos , ovinos e suínos, plantar mandioca,
feijão de corda, de arranca e feijão de pau, este último conhecido
como ANDÚ, muito apreciado em toda aquela Chapada.
As
famílias se deslocaram e por manterem vinculos de parentesco começaram a
habitar a mesma gleba de terra, viviam em paz até o dia em que
o governo de Pernambuco resolveu legalizar as posses e criar uma
escritura, houve desentendimento entre os líderes de cada família e
numa
noite escura do dia 23 de junho de 1897, ano em que nasceu Virgulino
Ferreira Lampião, uma das famílias aniquilou todos os componentes adultos da outra ,
todavia, cometeu um grande pecado, não vistoriou todos os aposentos da
pequena casa, lá deixou vivo uma criança de 09 meses que engatinhava por
debaixo da cama do infeliz casal aniquilado . A criança sem pais e sem parentes foi assumida por tropeiros, almocreves que cruzavam a velha serra Pernambucana com destino à mais nova vila Nordestina no sul do Ceará, a famosa vila do Juazeiro, povoado que crescia com muitos fanáticos religiosos devido o milagre da Beata Maria de Araújo em 1889, quando na comunhão a hóstia saída das mãos do Padre Cícero se transformava em sangue na boca da beata de 28 anos de idade . A criança foi criada no mais diferente mundo que deveria ser criada, não tinha paradeiros, não tinha endereço fixo. À proporção que crescia tomava conhecimento da grande chacina que aniquilou uma determinada família no topo da Serra do Araripe no idos de 1897, ano que nascera em Vila Bela o facínora lampião, a criança cresceu, virou homem . Naquela redondeza não se conhecia o seu destino, a família que cometera a esquecida e distante chacina encontrava-se bem instalada e próspera no cume daquela abençoada Serra , o cangaço que reinava na região estava em baixa devido acordos feitos pelos governadores da época, dando total poderes à polícia a entrar no território do outro Estado à caça de qualquer desordeiro, principalmente o bando de Lampião, foi a primeira manobra para acabar com o cangaço , um dos meios de vida da época.
Na região só existia quatro maneiras de se viver e de comer,
a primeira era ser patrão, chefe político, coroné, latifundiário e
dono do poder , a segunda era ser subserviente, capacho, jagunço,
capanga ou pistoleiro, a terceira era entrar no cangaço ou ser
coiteiro , a quarta era pertencer à sofredora classe de agricultores
de subsistencia ou criadores de pequenos animais: bovinos pé duro,
suinos, caprinos, asininos, ovinos, galináceos, cães e gatos , eram
os honestos, geralmente dominados por todos, eram reféns . Grassava no arrebol o sentimento de congraçamento e descontração devido
o grande número de parentes casados entre si, existia calmaria, a
população era constituída dos que mandavam e daqueles que obedeciam.
A VINGANÇA
O Jovem morava num pequeno sítio, distrito da então e próspera cidade de Juazeiro
do Norte , conhecia muito bem a Chapada do Araripe , divisa do Ceará
com Pernambuco, grande celeiro fóssil das Americas , hoje fazendo parte
do Geopark do Araripe.
O
jovem procurou familiarizar-se com os moradores do distrito . Aos
poucos foi mapeando o fatídico acontecimento de 1897 , foi localizando
os familiares que junto com os seus pais se mudaram para a velha serra a pedido do jovem padre em 1871, ficou claro e ciente de cada componente, colheu a história da época e como mercante compareceu à sede da fazenda e conheceu cada membro. Voltou aos seus afazeres de almocreve e numa noite de são João, quando os fogos de artifícios pipocavam nos
ares da silenciosa serra, o jovem estrategista, na sorrelfa executou o
seu vingativo e mirabolante plano, eliminando de uma só vez todos os
descendentes dos criminosos da noite de São João do século passado ,
tomando o cuidado de vistoriar exaustivamente todos os aposentos, todos
os ambientes e arredores para
não cometer os mesmos erros dos autores da chacina de 1897, com esta
atitude fechou o ciclo do grande ditado do povo nordestino: quem comete
um mal um dia será vingado pela vitima, pelo filho da vítima, pelo neto
ou bisneto da vítima, um dia o crime será vingado. E foi assim que se
desenrolou a grande chacina de 1897.
Iderval Reginaldo Tenório
Salvador,12 de Janeiro de 2008
Lampião, o rei do cangaço é um filme brasileiro de 1964, do gênero aventura,
15. Cancioneiro de Lampião - É Lamp, É Lamp, É Lampa - Coro da OSESP
Cancioneiro de Lampião - É Lamp, É Lamp, É Lampa - Marlos Nobre 15ª Faixa
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