sábado, 4 de setembro de 2010

O CUIDADOR




Conta a minha mãe que tempos atrás uma menina de 12 anos chega em casa vindo da escola e estranha a ausência do seu querido e amado pai na hora do sagrado almoço,vai até a mesa,senta,levanta, vai até a porta da rua, olha para um lado, estica o pescoço para o outro e nada do genitor, vai até a cozinha, descobre as panelas e quase que engasgada indaga para genitora por onda o seu pai. Recebe como resposta um balançar da cabeça como uma lagartixa e uma esperança que está a caminho de casa, a espera foi em vão, veio a tarde e nenhum paradeiro do humilde trabalhador.



A filha previdente vai até o seu trabalho e lá foi informada que até aquele momento não tinha comparecido e já havia levado falta pelo apontador da obra e talvez pela cara do homem perderia o seu abençoado emprego ,pois é inadmissível que numa segunda feira, o primeiro dia da semana um trabalhador falte ao serviço. A filha não esmoreceu, procurou os familiares mais próximos, rodou os hospitais, os postos de saúde,foi até a rodoviária,compareceu ao cemitério e nada do seu amado pai. A sua última cartada, a sua última visita, mesmo contra a sua vontade pois jamais imaginaria o encontrar naquele lugar foi à delegacia e ao chegar encontrou o seu pai na única cela que existia, sala pequena,escura com menos de 8 metros quadrados, uma alta janela de meio metro,uma lata velha de querosene como latrina, uma portão de ferro guza, meia dúzia de pregos como cabides, cinco ou seis buracos na parede para colocar os pertences e mais 06(seis) brutamontes nus da cintura para cima cobrindo apenas as partes pudenda.



As lágrimas vieram ao inocente rosto da bela pequena, não conseguiu chegar ao pai, a sua idade não permitia dantesca sena, foi ao delegado e quis saber qual o pecado contra a sociedade praticado pelo genitor. O delegado foi até o livro de ocorrência, até o caderno de queixas e falou-

___ Atentado contra o menor, o seu pai infringiu o regimento,o estatuto do adolescente e deve pagar por este crime.



A menor insistiu no que significava, o que o seu pai havia feito, qual o seu crime.O delegado sem medir as palavras informou que aquele homem havia surrado uma criança naquela manhã e foi denunciado por um vigilante e cuidadoso vizinho, o vizinho da casa 68 e antes que chegasse ao trabalho a viatura o prendeu e já tem ordem de enviar para a capital para cadeia de segurança máxima. A criança caiu em prantos.



___Quem vai pagar as contas lá de casa, quem vai pagar a luz,a água,a minha escola,o meu pão, o remédio de vovó, quem vai consertar a casa de titia, a carroça de Tadeu ,quem vai pintar a fachada da igreja do bairro, ,quem vai capinar a roça do vovô nos domigos e feriados, com quem eu vou para a igreja aos domingos à noite agradecer a Deus a felicidade de estar viva, com saúde, de barriga cheia e vendo meu pai cumprindo com o seus deveres de cuidador, de preocupado e provedor?

___O que houve seu delegado, o que houve hoje não foi uma agressão de um homem para com um menor e sim o cuidado de um zeloso pai para com um desobediente filho, o que aconteceu foi que ao acordar ,eu não queria ir para a escola,eu estava cansada, pois fui dormir muito tarde e tinha combinado com uma colega que quando meu pai saísse nós iríamos para a beira do rio tomar banho com três garotos que ela conheceu no parque, todos da capital, maiores de idade e prometiam muitas coisas boas para nós e fiquei curiosa. O meu pai todos os dias me acorda,vai na padaria, mãe faz o café,depois pai me deixa na escola e vai para o seu trabalho, neste dia depois de muita insistência e recusa por minha parte,ele perdeu a paciência , acredito que ,mandado por Deus , puxou as minhas orelhas e disse que só a escola salva o pobre, só o saber é capaz de tirar o homem da miséria,só o estudo é capaz de melhorar o seu nível social, só ele é quem sabe o que está passando por ser analfabeto. Neste momento provavelmente o vizinho do 68, pai de minha amiga, um homem que nada faz,vive bebendo e olhando para as vidas dos outros veio e sem saber o que estava dizendo pois nada viu, fez esta queixa. Seu delegado o meu pai não me bateu, ele apenas fez o que qualquer pai de juízo faria, ele aplicou um corretivo,puxou uma das minhas orelhas e graças a este alerta eu não caí naquela armadilha, meu pai foi atencioso, foi eficaz e fez o papel daquele que gosta, daquele que se preocupa com o futuro da família, ele fez o papel de cuidador, porque quem cuida ama, quem cuida gosta, quem cuida espera um futuro melhor para com os seus filhos, meu pai seu delegado é um herói, solte este batalhador ,ele cumpriu com a sua obrigação,feliz é o filho que tem um pai igual ao meu,feliz.

O Delegado diante de tão efusivo apelo não conteve as emoções, abraçou aquela criança, lembrou do seu velho pai que muitas sovas havia lhe dado,pensou no hoje ser um grande delegado, um homem de respeito e tudo devia ao seu duro pai, ao seu abnegado genitor,muitas vezes incompreendido nas horas das correções, mas que valeu apenas. Não contou conversas, antes do anoitecer foi lavrado um termo de soltura e antes do por do sol,foi até a cela,retirou o humilde e cabisbaixo cidadão,entregou os ínfimos pertences,o abraçou,pediu desculpas e juntos,delegado,pai e filha no carro particular da autoridade fizeram questão de comparecer ao serviço do pai,colocado em pratos limpos o acontecido e tomaram o destino do humilde e aconchegante seio familiar.



Esta história minha mãe conta para mostrar que o diálogo é a melhor maneira de educar,para mostrar que deve os pais insistirem na civilidade até o extremo ,porém ,uma vez falhando tem que partir para uma medida mais energica ,uma conduta concreta e nem sempre um castigo é crime ou é pecado,muitas vezes é o norteador de um brilhante futuro,muitas vezes é a salvação de uma familia. Cabe ao filho entender,cabe ao filho enxergar aquela atitude dura,aquele momento difícil,muitas vezes mais para o pai do que para o filho e que na grande maioria ,só se enxerga no futuro o quanto era importante as sábias palavras do vigilante mestre,só quando na mente brota e prolifera um sentimento de lamentação , um sentimento de impotência que não volta mais ,: SE EU TIVESSE ESCUTADO OS MEUS PAIS! AH! SE EU TIVESSE.

Iderval Reginaldo Tenório

12 de dezembro de 2000

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