É
normal associar o luto ao falecimento de um ente querido. Mas o luto é,
antes de tudo, uma perda que pode ser de algo, de uma situação concreta
ou de uma pessoa que morre, por exemplo. "O luto é principalmente a
perda de uma perspectiva da vida, que pode ser uma ideia, um sonho ou
até uma fantasia imaginária", define Regina Elisabeth Lordello Coimbra, a
psiquiatra e psicanalista, membro da SBPSP (Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo).
Tânia Alves, psiquiatra no Ambulatório
do Luto do IPq do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), explica
que a literatura médica define o luto apenas para referir-se a morte de
pessoas. Para as demais perdas, chamam de perdas mesmo. A reação,
porém, seja por morte seja por outro objeto, é a mesma.
Ela
chama de objeto porque pode ser qualquer perda: de uma pessoa, um
relacionamento, um emprego ou a amputação de uma parte do corpo, por
exemplo. "Qualquer que seja o objeto que se ame, a perda dele provoca o
mesmo tipo de reação. Seja por luto, seja por separação desse objeto.
Luto é perda por morte, para outros, perda ou separação do objeto
amado", define.
Natalia Novaes Pavani Soler, psicóloga do Hospital
Alemão Oswaldo Cruz, complementa que as perdas podem ser concretas,
como as citadas acima, ou simbólicas, como uma doença, a perda de um
papel social, vínculos, etc. "Luto está relacionado a investimento
afetivo. Quanto maior o vínculo, maior o processo de luto. Não temos
como mensurar sentimentos, cada um sente de uma forma, não é um processo
linear", afirma.
Se não é possível mensurar a intensidade do luto
ou perda de uma forma geral, é possível fazer individualmente, afirma
Alves, que lida diariamente com pacientes enlutados. Ela explica que a
intensidade que cada um vivencia a perda ou o luto tem uma equação:
quanto mais amor, mais dor na hora que perde. Se amava muito, se dava
muito valor para pessoa, se era muito importante, vai ter uma reação
mais intensa.
"Embora seja subjetivo, a gente pergunta para o
paciente qual é o grau de intensidade e o quanto isso está atrapalhando a
vida. Se não está atrapalhando, não medicamos aquela situação, mas, se
atrapalha a condição de vida, as necessidades básicas como comer e
dormir ou outras partes do corpo, tendemos a diminuir essa dor com
medicação", explica Alves.
Ela compara a dor do luto como a dor em qualquer outro órgão. Se você está com uma dor de dente,
você pode dizer "está doendo, mas estou fazendo as coisas que tenho de
fazer" ou você pode dizer "está doendo de um jeito que eu não consigo
comer", neste caso, você tomaria um remédio para diminuir esta dor. É o
mesmo raciocínio, só que a dor está no aparelho psíquico.
Fases do luto
Alves
explica que, embora alguns autores chamem de fases, o primeiro grande
autor que descreveu esse processo diz que há uma reação que ele chama de
trabalho de luto: no primeiro momento você tem uma reação de choque com
a realidade, então pessoa diz: 'como é possível que isso tenha
acontecido?'. É quando a mente entra em um processo investigatório para
entender como aquele fato aconteceu. Perguntas do tipo 'como?', 'por
quê?', 'quando?' são formuladas na mente e cada vez que uma delas é
respondida, ela vai para a próxima. "A reação das pessoas a essas
respostas é o que os autores chamam de fase", completa.
Colocamos
abaixo uma lista com as principais fases ou trabalho de luto, porém, não
existe uma ordem cronológica para que elas aconteçam, varia para cada
indivíduo:
Negação/choque: geralmente é a
primeira reação. Ao se deparar com a perda, a pessoa nega, não aceita a
perda. Segundo Coimbra, é um modo de defesa diante da situação: isso não
está acontecendo, não é verdade, não é com ela, tudo vai voltar ao
normal, etc.
Raiva: é uma outra modalidade
defensiva. O indivíduo fica com muita raiva, às vezes ódio, da perda ter
acontecido com ele e não com outra pessoa. Alves diz que isso acontece
muito quando ocorrem mortes violentas: é comum a raiva, o sentimento de
injustiça e o não entendimento da situação. Outro exemplo da psiquiatra,
é em casos de amputação. "tenho pacientes muito jovens, principalmente
motociclistas que perderam um braço ou uma perna em um acidente e
perderam a função. Além da perda estética, perdem uma função do corpo e
leva muito tempo até que eles aceitem a perda".
Soler diz que já
presenciou casos em que pacientes quebraram símbolos religiosos, outros
jogaram no lixo, tamanha a dor e revolta pela perda. "Essas
manifestações devem acontecer, não precisamos conter essas reações. A
pessoa vai ter o tempo necessário para fazer uma reparação, até fazer as
pazes com os próprios valores e com a religião, se for o caso", pontua.
Depressão:
diferente da raiva, que é um sentimento mais expressivo e mobilizador,
onde a pessoa coloca para fora tudo o que pensa e sente, a depressão é mais quieto, introspectivo e imobilizador, uma tristeza profunda pela perda.
Negociação:
é uma parte do processo em que a pessoa tenta "salvar" a perda. Tornar o
que é irreversível, reversível. Como Alves explicou no começo do texto,
é o processo de investigação mental: "e se eu não tivesse feito isso?";
"será que posso fazer algo?".
Um exemplo que a psiquiatra utiliza
é o término de uma relação conjugal. Quando um quer terminar e o outro
não aceita, este vai negar o término, porque o desejo dele ainda está
mantido. Depois de negar, vai se perguntar 'por que' a outra pessoa quer
terminar. Depois, vai se questionar 'o que eu poderia fazer para salvar
essa relação?' e vai tentar salvar. Até que, por fim, o outro permanece
com a realidade informada de que não há mais possibilidade, seja porque
não querer, seja porque morreu. Então, por exaustão, o enlutado desiste
e ganha o princípio da realidade: não há mais nada o que ser feito.
Aceitação: é
quando o enlutado consegue lidar com a perda com menos sofrimento. A
pessoa tem a aceitação da finalidade da perda e aos poucos vai retomando
a normalidade da sua vida e adaptação a sua nova realidade e o fim do
luto.
"Essas fases estão presentes, mas não são lineares. Não quer
dizer que as pessoas passarão por todas, e nem na mesma ordem. É mais
para que possamos entender e repensar esse processo", explica Soler. A
psicóloga salienta que rituais como o velório e o enterro, para casos de
morte, são muito importantes para encerrar ciclos. Assim como é
importante que crianças participem.
"Mortes em que não são
encontrados os corpos ou que não se tem certeza do que aconteceu, assim
como a participar de ritos, faz com que o organismo se negue a entrar em
processo de luto por haver uma esperança de que a perda não é real",
complementa Alves.
Elaboração do luto
Coimbra
diz que a elaboração acontece quando a pessoa transforma uma situação
de dor em outra que seja benéfica para ela ou para outros. "Para não
sofrer a dor daquela perda, a pessoa transforma aquela experiência em
algo triunfante de que ela vai sair por cima de toda a dor que ela está
vivendo", completa. Aceitar dentro de si a realidade das nossas
limitações como seres humanos, que teremos perdas ao longo da vida e que
fazem parte de nossa existência, é um processo de elaboração. "Nós
transformamos as dores em algo que possa ser para nós um ensinamento
para seguirmos adiante", acrescenta.
Soler informa que o processo
de luto, no caso de morte, dura entre dois e dois anos e meio. "O
primeiro ano é sempre o mais difícil, é quando passa por todas as datas
importantes sem a pessoa amada: o primeiro aniversário, o primeiro
Natal, primeira virada de ano", explica. Passado esse primeiro ano, no
segundo o peso já é menor, pois a pessoa conseguiu passar pelo primeiro
ano e "sobreviveu". Quando o luto dura mais do que esse tempo e começa a
prejudicar a pessoa enlutada em suas necessidades básicas, o ideal é
buscar ajuda com um profissional de saúde.