Água de Barreiro e a Serra do Araripe.
Com todas as dificuldades, muitos homens, filhos da abençoada Serra do Araripe saíram das cinzas para todo o Brasil. Naquele cafundó de belos arrebóis , as águas dos barreiros, a seiva da vida, matavam a sede e a fome de todos os animais, inclusive os humanos, tornando-os resistentes às intempéries da vida .
Sem filtros e sem decantadores a água era bebida in natura. Barrenta, alaranjada, café com leite, suco de acerola ou de cajá, consumida com toda a sua turbidez, muitas vezes com alguns girinos e tudo que fosse pertinente à natureza: urinas , estercos de animais, penas, esqueletos de pássaros e outras prendas arrastadas das estradas nas épocas das cheias, porém era água, a única que os serranos dispunham para beber, era a fonte da vida.
A Serra do Araripe, nos sertões de Pernambuco /Ceará , com baixo índice pluviométrico, grandes ventanias , fortes redemoinhos , causticante sol , solo poroso e vastas capoeiras não possuía outras maneiras de armazenar a água, só lhes sobravam os milagrosos BARREIROS .
Estes reservatórios eram construídos pelos
próprios sertanejos nos cabos das enxadas, enxadecos,
cavadores, picaretas, pás , caixas de madeiras nos lombos do jumentos e muito suor. Depois batido o solo com os cascos dos bovinos pé duro, estacas e batedores de madeira com a finalidade de impermiabiliza-lo , dificultando a absorção das águas acumuladas nas épocas de chuvas . Os grandes formigueiros eram as maiores pragas nos fundos dos barreiros, muitos dormiam cheios e amanheciam vazios, a labuta para estancar o vazamento era hercúleo, porém para os sertanejos tudo tem solução, o nordestino é antes de tudo um forte.
Eram os barreiros conectados às estradas por onde circulavam todos os tipos de vidas: animais domésticos, silvestres, tropeiros, almocreves, caminhões, carroças e todos os que viviam na região para o ganho da vida. As águas que caiam no seu solo, durante as chuvas de inverno, eram drenadas para dentro destes poços artificiais e armazenadas para os períodos seguintes. Enquanto maiores, compactadas , mais largas e levementes inclinadas fossem as estradas , como uma grande calha em declive, maiores os volumes d'água drenados para os barreiros .
Os pequenos secavam em menos de cinco meses devido o consumo animal , a absorção pelo solo e a evaporação pelos fortes ventos e os raios do sol. Para matar a sede nas longas estiagens utilizavam-se jumentos, ancoretas, latas e muitas léguas em busca do precioso líquido em nome de Deus, São José e do Padre Cicero do Juazeiro do Norte .
O consumo per capta na parte mais alta da serra , não suplantava o consumo da Etiópia ou Haiti, menos de 15 litros por pessoa, os que viviam no pé da serra não conheciam estas dificuldades, eram provilegiados por fontes naturais de água cristalina.
Só quem viveu no topo naquela serra e bebeu daquelas águas sabe o que significa o que é viver em plagas encapoeiradas de jiquiris, canafistas, mulungus, rabo de raposas, fumo brabo, madacarus, juazeiros, umbuzeiros, cajueiros, jatobás, maniçobas , avelozes e outros vegetais rasteiros.
A rainha deste e de todos os biomas era a água, quando existia inverno era fartura , barreiros cheios, vidas e mais vidas a sorrir, cantar e comemorar a volta da Asa Branca.
Viva a Chapada do Araripe, celeiro fóssil mundial, patrimônio da humanidade, hoje o Geopak do Araripe, a mãe de muitos homens distribuídos por este grande Brasil .
Os resilientes, resistentes , carajosos e fortes serranos continuam por lá, das cinzas estão reconstruindo, povoando e fazendo a Serra se destacar para o mundo.
Hoje, poucos são os barreiros naquela região para consumo humano, pras bandas de lá já se bebe a verdadeira água condizente com a vida animal, água das cistenas, de poços profundos muito profundos, dos carros pipas e das águas minerais oriundas dos pés da mesma Serra.
O Topo da Chapada do Araripe de hoje é outro, a vida de outrora era bem melhor, apesar das dificudades. O que melhorou , e muito, foi a água , com ela o indice de desenvolvimento, da qualidade de vida, da educação e da saúde, porém a velha Serra ainda deixa repletas de saudades as pessoas que nasceram e viveram naqueles confins nordestinos, não interessa onde se encontrem e como vivem, a Serra do Araripe está viva dentro deles, ainda pulsa como se lá estivessem .
Só quem morou naquele torrão sabe o que é viver no topo da Chapada do Araripe . Sabe o que é viver com as diversidades da vida e o quanto é importante a escola e a formação cultural para os mais pobres.
Viva a Educação e viva a juventude brasileira, esta espera por dias melhores .
Viva o meu Cariri, o meu Exu e o meu querido Bodocó.
Viva o bode, a Asa Branca , os barreiros e os autênticos Serranos
Viva a abençoada Chapada do Araripe.
Iderval Reginaldo Tenório